Urânio: o nome do interesse da França na África
A França começará a reduzir o contingente militar deslocado até o Mali a partir do próximo mês de março. O ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, deu esta informação e esclareceu que esse calendário será respeitado “se tudo ocorrer como está previsto”. Nada, porém, é seguro.
Por Eduardo Febbro, em Carta Maior
Publicado 07/02/2013 11:08
A operação Serval que a França lançou no dia 11 de janeiro com o objetivo de bloquear a ofensiva na direção do sul do Mali dos grupos armados islâmicos está cheia de incógnitas. Desde que a França entrou no jogo as grandes cidades do norte do Mali, como Gao ou Tombuctú, foram recuperadas. Com isso se colocou fim ao controle que os jihadistas ligados a Al Qaeda exerciam sobre o Azawad, o vasto território do norte do Mali que os grupos armados tem sob seu controle há quase dez meses.
Em uma entrevista publicada pelo diário gratuito Metro, o chefe da diplomacia francesa declarou que “a França não tem por vocação ficar permanentemente no Mali. (…) São os africanos e a população do Mali que devem ser os garantidores da segurança, da integridade territorial e da soberania do país”.
O cenário mais plausível indica que a França conserve forças no Mali, enquanto se completa o deslocamento da Misma, a missão militar africana composta por 6 mil soldados, 2 mil dos quais já estão operando no terreno. No entanto, mesmo assim a aposta de “garantir a segurança e a integridade territorial” parece inalcançável. Em primeiro lugar, o exército do Mali encontra-se em um estado de ruína absoluta. Sua força aérea conta com apenas três helicópteros fabricados na Ucrânia em condições de voar.
Fontes militares francesas citadas pelo Le Monde asseguram que menos de 1.500 homens participam na reconquista do território. Um testemunho de um militar do Mali citado pelo mesmo diário reflete o abismo da situação: “há meses, graças a fotos de satélites, sabíamos que a menos de 15 quilômetros de nossas posições havia uma base da Al Qaeda no Magreb islâmico, mas o poder político não fez nada: preferiu discutir com eles a liberação dos reféns ocidentais e cobrar uma porcentagem dos resgates. Logo depois do golpe de estado de março de 2012, Mali ficou sem presidente e com um sistema político à deriva.
Em segundo lugar, a famosa força da missão militar africana também é uma aposta incerta. Os quase 6 mil soldados da Misma provém da Comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste (Cedao). A quase totalidade desses exércitos são oriundos de países extremamente pobres, mal armados, e muitos estão, além disso, comprometidos com o narcotráfico e a corrupção. A missão africana está sob o comando do general nigeriano Shehu Abdulkadi, um homem em quem os ocidentais não têm muita confiança. A este quadro sombrio se soma um temor legítimo: o comportamento desses soldados. Desde os anos 70, as intervenções de coalizões militares africanas deixaram uma trilha de violações, saques e abusos de todo tipo (Chade, Libéria, Serra Leoa).
As autoridades francesas fizeram esta semana pela primeira vez um balanço das vítimas dos bombardeios e combates. Sem adiantar uma cifra precisa, o Ministério francês da Defesa falou da morte de “várias centenas” de combatentes islâmicos. A nebulosa que cobre a operação Serval é densa. Desconhece-se o real custo econômico, a duração concreta da operação e seu objetivo completo. O governo socialista tem sido muito cuidadoso e evitou mostrar imagens dos combates ou dos bombardeios. Há um mês, o presidente socialista repete que a França não tem interesses no Mali. A principal riqueza deste país da África é o ouro, que representa mais de 70% de suas exportações e em cuja participação o Estado tem uma participação mínima de 20%. O resto está em mãos de empresas sul-africanas, australianas e canadenses.
No entanto, a França tem sim interesses muito perto do Mali, a saber, em Níger. Este país, que é o quarto produtor mundial de urânio, já sofreu os ataques dos militantes islâmicos. No final de janeiro, Paris enviou tropas especiais ao Níger para proteger as mias de urânio de Arlit, exploradas pela multinacional nuclear francesa Areva.
Há mais de dois anos cinco técnicos franceses foram sequestrados nessa planta por um comando da Al Qaeda. A instabilidade no Mali, com quem Níger compartilha mais de 800 quilômetros de fronteira, é uma ameaça para o fornecimento de urânio que a França precisa para o funcionamento de suas 58 centrais nucleares. Cerca de 75% da energia que se consome na França é de origem nuclear. E 30% do urânio que o país consome vem do Níger, onde, através de Areva, a França explora as duas principais minas: a de Arlit e a de Akokan.
Níger é o quarto produtor mundial de urânio e um dos países mais pobres do mundo: figura no 170º lugar na lista de 192 países elaborada pelas Nações Unidas. Limpando o norte do Mali da presença dos grupos armados islâmicos, Paris põe um cadeado em Níger e protege a exploração de urânio.