Fonteles: UNE e a luta pelo direito à memória, verdade e justiça

Muitos são os desafios desta geração do movimento estudantil brasileiro. Aprofundar as mudanças passa por romper com as velhas e arcaicas estruturas de poder, radicalizar e continuar a democratizar o acesso ao ensino superior e avançar cada vez mais na assistência estudantil garantindo a permanência do estudante, resolver definitivamente o grande entrave do financiamento público de educação, fortalecer o modelo de universidade, de qualidade e socialmente referenciada.

Por Pedro Fonteles*

Une

Também continuar a pavimentar novas conquistas de direitos e de protagonismo juvenil. Dentre tantas as tarefas, uma não se pode jamais passar despercebida ou mesmo menosprezada, a luta pelo direto à memória, verdade e justiça.

Temos a necessidade de recontar e reconstruir a historia do Brasil, particularmente a do período dos “anos de chumbo”, marcados pela profunda repressão política, pelo “pau-de-arara” e pela recessão das liberdades democráticas que a UNE, assim como uma grande parcela do povo brasileiro, vivenciou nos anos de 1964 até o final dos anos 80.

Foi neste nefasto regime militar, que centenas de jovens – os mais destemidos do seu tempo, desaparecem dos cárceres e dos porões para entrar nas estatísticas ainda veladas do aparato militar, mas também entraram na história dos mártires dos que ousaram enfrentar as noites silenciosas e sombrias da repressão política. Pois bem, é do resgate deste período que devemos falar.

O Brasil tem sofrido fortes pressões internas dos movimentos sociais e de todos os setores progressistas da sociedade para que se abram os arquivos secretos do regime militar – particularmente a partir da vitória de Luis Inácio Lula da Silva em 2002 – e também pressões externas como foi o caso da condenação que sofremos da Corte Interamericana de Direitos Humanos em novembro de 2010. A referida sentença condena nosso País a promover a investigação e julgamento daqueles envolvidos com o caso do aniquilamento e do desaparecimento de militantes e camponeses envolvidos no episódio da Guerrilha do Araguaia, pelo crime de lesa-humanidade.

Segundo a própria Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Corte: “cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura; cerca de 20 mil presos foram submetidos a torturas; há 354 mortos e desaparecidos políticos; 130 pessoas foram expulsas do país; 4.862 pessoas tiveram seus mandatos e direitos políticos suspensos, e centenas de camponeses foram assassinados.”

Neste contexto, o governo brasileiro cede às pressões e avança quando instala a Comissão Nacional da Verdade (CNV) sob o mote “Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça” iniciando seus trabalhos no dia 16 de maio de 2012.

Para os reacionários da sociedade, ainda hoje atuantes nas esferas públicas do estado brasileiro, e que têm em suas mãos sujas o sangue dos nossos desaparecidos, trata-se do medo da verdade se estabelecer, trata-se de revanchismo como o próprio general da reserva Clovis Bandeira, vice-presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, já em outrora havia classificado.

Aliás, a disputa que travamos é uma disputa do velho contra o novo e precisa ser feita dentro do próprio governo brasileiro. Sabe-se, por exemplo, e é publico, que quadros do SNI (Serviço Nacional de Informações) que atuaram a serviço do regime militar na repressão ainda permanecem nas esferas do estado. Caso marcante é o do órgão de estado ABIN – Agência Brasileira de Inteligência – que concentra uma parcela importante das informações em mãos dos que atuam contra a verdade e justiça.

Para nós, que atuamos na defesa da democracia no Brasil, a tarefa é mais que revelar a verdade dos fatos, sua importância projeta-se para além, é uma necessidade civilizacional do nosso povo, uma questão da dimensão democrática e por isso está mais do que nunca em curso.

Conhecer profundamente nosso passado, nossa história, por mais dolorosa que seja, significa ter a clareza e a certeza que não voltaremos a esses tempos e que sabemos exatamente em qual caminho caminhar e para onde seguir. Na América Latina, por exemplo, experiências de abertura de arquivos secretos de regimes ditatoriais como no Chile e Argentina foram fundamentais para avançar a democracia nessas nações.

A UNE ao longo de toda a sua história, e não poderia ser diferente, tem atuado no sentido de resgatar não somente a verdade dos fatos, ampliando a luta pelos direitos humanos, vacinando nossa consciência nacional e elucidando mentes, mas também exigir punição aos torturadores e agentes da repressão que levaram tantos estudantes e em especial ao nosso eterno presidente Honestino Guimarães ao seu desaparecimento físico – Honestino sempre estará presente enquanto existir uma bandeira azul da UNE tremulando em qualquer canto e luta democrática desse país– resgatar também os seus restos mortais prestando-lhe a homenagem da despedida honrosa da vida que teve, esta deve ser uma conquista da geração atual da UNE.

Um exemplo importante que a UNE deve seguir são os dos índios da etnia Suruí, que vivem nas terras no Sul do Pará, que acabaram por criar sua própria comissão da verdade que será coordenada pela psicanalista Maria Rita Kehl, uma das integrantes da Comissão Nacional da Verdade.

A Comissão da Verdade da UNE será uma poderosa ferramenta de investigação, acompanhamento e pressão pela imediata abertura dos arquivos secretos do regime militar. Nossa tarefa está dada e a UNE não recuará dos seus desafios. Afinal, como Honestino mesmo disse: “Podem tentar nos matar, podem tentar nos aniquilar, mas um dia, nos voltaremos, nos multiplicaremos e seremos milhões…”.

*Pedro Fonteles é diretor da executiva da UNE.

Fonte: UNE