Luis Fernandes fala sobre futebol do futuro e alegrias passadas

De férias em Portugal, o xerife do Mundial de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, o secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luis Fernandes, em entrevista ao jornal português Correio da Manhã, fala do futebol do futuro. E das alegrias do passado.

Por Rui Miguel Tovar

Ano, 1969. O homem chega à Lua, mas o que é isso comparado com o milésimo gol de Pelé? Na noite de 19 de Novembro, o clássico Santos-Vasco enche o Maracanã. Todos querem aplaudir Pelé e assistir ao momento grandioso. Aos 77 minutos, Pelé entra na área e é derrubado por Fernando. Penalti. Pelé aguarda o posicionamento dos fotógrafos atrás da rede e atira para o canto esquerdo do uruguaio Andrada. Enquanto o goleiro dá socos na relva, Pelé corre para dentro da rede e inicia um discurso em prol das crianças abandonadas do Brasil.

Ano, 2007. O homem já não vai à Lua desde 1972, mas o que é isso comparado com o milésimo gol de Romário? O São Januário está lotado para ver a quarta tentativa de Romário de chegar ao número lendário. O adversário é o Sport Recife. Já está 2-0 quando a bola bate na mão da defesa e o árbitro marca penalti. Cabe a Romário perpetuar o gol mil com o goleiro Magrão. É gol, e o jogo está interrompido por 16 minutos para a volta olímpica do herói.

Ano, 1994. O Brasil vai à Lua (conquista do Mundial-94) e Pelé abraça Romário no Rose Bowl em Los Angeles, mas o que é isso comparado com os 6-3? Na tarde de 14 de Maio, o José Alvalade enche-se para ver o Sporting vs. Benfica. Um ponto (e um gol) separa os rivais. Cadete desequilibra, JVP empata, Figo imita Cadete, JVP empata e dá a volta. Na segunda parte, Isaías imita Cadete e Figo – para o Benfica! Hélder amplia, Balakov reduz de penalti. Acaba 6-3. Ou 3-6 para os mais exatos.

Como é que esses três eventos estão interligados? Fazem parte das memórias de Luís Fernandes. Quem? Luís Fernandes, o Secretário-Executivo do Ministério do Esporte do Brasil e o chefe da pasta do Mundial-2014 e Jogos Olímpicos-2016. Entre a eleição (25 de Janeiro do ano passado) e todo o trabalho pela frente até ao Mundial-2014, Luís Fernandes curte uns dias de férias em Portugal, de onde é natural o seu pai. Ao telefone, o dirigente brasileiro fala durante 25 minutos e viaja no tempo, desde 1969 (gol de Pelé no Maracanã) até 2014 (gol de ? na final da Copa, no Maracanã).

Rui Miguel Tovar: Já sei que está ligado aos dois maiores eventos desportivos dos próximos anos: Mundial-2014 e JO-2016. Sempre foi ligado ao desporto?
Luis Fernandes: Sempre. Adepto e praticante. Nunca fui um profissional, mas sim um amador, por brincadeira. Mas sempre um fanático por futebol, o desporto por excelência no Brasil e aqui, em Portugal.

Rui Miguel Tovar: Era de ir ao estádio ou ouvir relatos…
LF: Ir ao estádio, sempre.

Rui Miguel Tovar: Qual?
LF: O principal do Rio é o Maracanã. Mas sou adepto do Vasco da Gama.

Rui Miguel Tovar: Ah, dos portugueses e do bacalhau…
LF: Isso, isso (risos). Sempre fui de ir ao São Januário e ao Maracanã quando se trata dos clássicos com Botafogo, Flamengo e Fluminense.

Rui Miguel Tovar: O São Januário tem uma característica única, não é?
LF: Pois é, os bancos de suplentes atrás das balizas. Os treinadores adversários reclamam muito disso, porque é uma posição esquisita.

Rui Miguel Tovar: O Luís lembra-se de algum jogo memorável?
LF: Uiii, com certeza (pensa uns dois segundos), inúmeros (mais dois segundos), assim de repente, dois.

Rui Miguel Tovar: Diga.
LF: O primeiro é o Santos-Vasco do milésimo gol do Pelé. Ganhou o Vasco por 2-1 e o segundo gol do Santos foi justamente o do Pelé, de penalti. O curioso é que os adeptos do Vasco não sabiam muito bem como comemorar, porque era o gol da derrota mas também o milésimo do Pelé. Mas o Pelé teve presença de espírito e vestiu a camisa do Vasco com o número mil nas costas para dar uma volta olímpica ao Maracanã. Aí sim, os adeptos do Vasco aplaudiram. Eu incluído (risos).

Rui Miguel Tovar: Quantos anos tinha?
LF: Onze.

Rui Miguel Tovar: E foi ao estádio com quem?
LF: O meu irmão mais velho.

Rui Miguel Tovar: E o segundo jogo?
LF: Mais recentemente, no São Januário, o do milésimo gol do Romário.

Rui Miguel Tovar: Sério?
LF: É verdade, devo ser das poucas pessoas do mundo a ter visto o gol mil do Pelé e do Romário.

Rui Miguel Tovar: Antes do Mundial, vem aí a Taça das Confederações. Como é o planeamento de uma prova dessas, a começar pelos estádios?
LF: São seis estádios. Dois já foram inaugurados, o Castelão em Fortaleza e o Mineirão em Belo Horizonte. Os outros quatro (Maracanã, Salvador, Recife e Brasília) serão inaugurados até Abril.

Rui Miguel Tovar: E não houve problemas, como greve de trabalhadores…
LF: Greve de trabalhadores nem tem havido muitas. Na preparação para o Mundial-2010, na África do Sul, até houve mais do que no Brasil. Os problemas fazem parte do passado, com a FIFA a reclamar sobre o atraso das obras e até houve uma declaração desagradável do secretário da Fifa (Jérôme Valcke) sobre o Brasil.

Rui Miguel Tovar: Então?
LF: Ele disse qualquer coisa como o Brasil devia levar um chuto no traseiro.

Rui Miguel Tovar: Qual foi a reação do Brasil?
LF: Criou um mal-estar mas ele pediu desculpas e superámos essa crise. Aliás, em Março, tomámos uma medida que espantou a crise e serenou os ânimos: o governo brasileiro passou a integrar o COL (Comitê Organizador Local). Na sequência dessa incorporação, a comunicação flui muito melhor e a FIFA elogia a nossa virada.

Rui Miguel Tovar: O Luís dá-se com o Valcke?
LF: De seis em seis semanas, pelo menos. Quando fazemos as nossas vistorias a todos os estádios da Copa.

Rui Miguel Tovar: Que são…
LF: Doze estádios. Aos seis da Taça das Confederações, juntam-se mais seis.

Rui Miguel Tovar:
E o Valcke tem-se portado bem?
LF: Sim (risos), sim. A crise acabou, os estádios estão a ser inaugurados a pouco e pouco e isso gera boa disposição e menos desconfiança.

Rui Miguel Tovar: Por falar nisso, não é o Romário, agora deputado, um dos mais desconfiados?
LF: Conheço o Romário há muito tempo, até porque fui dirigente do Vasco, e gosto muito dele. Como jogador e pessoa. É muito autêntico, sem papas na língua. Em relação ao Mundial, diria que muitas das suas declarações foram sem o total conhecimento de causa, o que às vezes provoca um esclarecimento seguido de um pedido de desculpas. Ele é assim por natureza. Fala muito, é extremamente frontal. Cabe aqui realçar, isso sim, o excelente trabalho dele como deputado. Tem sido uma revelação, não só no desporto mas também noutros assuntos. Como ele tem uma filha com síndrome de Down, organiza iniciativas muitas interessantes e positivas sobre a doença.

Rui Miguel Tovar: Nas suas viagens pelo Brasil, já vê o entusiasmo pelo Mundial?
LF: Muito, muito. O Brasil é um país enorme, quase do tamanho da Europa Ocidental, e o apoio popular e institucional tem sido exemplar. Muito mais do que se lesse apenas os jornais, porque a comunicação social tem uma vertente mais crítica sobre os preparativos. No início, eram os estádios. Como os estádios estão a ser inaugurados, agora viraram-se para as estradas e os aeroportos que podem não ficar prontos a tempo, mas o clima da opinião pública é de expectativa e de entusiasmo.

Rui Miguel Tovar: E pela Taça das Confederações?
LF: Também, repare que o desafio não é só o Mundial. É tudo à sua volta. O desafio do Governo é estruturar políticas públicas com um enraizamento que garanta o desporto como direito à cidadania e também antecipar garantia de melhores condições de saúde e vida. Dou-lhe um exemplo.

Rui Miguel Tovar: Diga.
LF: Os estádios. Todos têm um certificado ambiental internacional, como utilização de fontes renováveis, energia solar, reaproveitamento das chuvas para irrigação dos relvados, várias opções tecnológicas. Se as infraestruturas são boas, o que a rodeia também. A missão do Brasil é surpreender, encantar e emocionar o mundo. Em 2013 na Taça das Confederações, em 2014 no Mundial, em 2016 nos Jogos Olímpicos e por aí fora, sem parar, em crescimento.

Rui Miguel Tovar: E o preço dos bilhetes?
LF: Na Taça das Confederações, o mais barato é 50 reais (18 euros), o mesmo preço praticado no campeonato brasileiro. No Mundial-2014, é um pouco mais elevado mas nada excessivo para a realidade brasileira. E conseguimos junto da FIFA disponibilizar meia entrada para os idosos, por exemplo – lá no Brasil, a expressão é muito generosa, porque é a partir dos 60 anos. Também há meia entrada para estudantes e para os beneficiário da Bolsa Família, um programa social.

Rui Miguel Tovar: E a adesão popular já é visível?
LF: Numa primeira fase de vendas de bilhetes para a Taça das Confederações, os números superaram todas as expectativas. Bateram-se todos os recordes.

Rui Miguel Tovar: Qual foi a sua maior dificuldade?
LF: A complexidade de organização de um evento único num país do tamanho do Brasil. Falamos todos a mesma língua, mas há várias realidades, como Manaus no coração da Amazónia e Rio Grande do Sul que na altura do Mundial tem temperaturas frias, parecido com Portugal agora. Além disso, a própria estrutura política é complexa com Governo de Estado e prefeituras, muito diferentes entre si de cidade para cidade. Articular isso num plano de desenvolvimento é…

Rui Miguel Tovar: Consegue dormir?
LF: Só digo que gostaria de dormir mais [risos]. Daí estas férias em Portugal.

Rui Miguel Tovar: Não sabe quando terá um novo período de férias?
LF: (Risos) Isso, não sei mesmo.

Rui Miguel Tovar: Só mais uma pergunta. Já foi ao futebol em Portugal?
LF: Sim, tenho vindo cá muitas vezes, desde criança. O meu pai é português, do Benfica. Já fui à Luz, Alvalade, Antas, Dragão, Jamor.

Rui Miguel Tovar: Então e… um jogo memorável?
LF: Tem um em que dizem que dei sorte, em Alvalade, o Benfica ganhou 6-3.

Rui Miguel Tovar: Fala-me do Pelé e do Romário e não diz nada dos 6-3?
LF: (Risos) Os 6-3, pois é. Estava numa bancada com muitos sportinguistas mas a meio da segunda parte todos eles já tinham ido embora. Fiquei eu mais cinco ou seis benfiquistas (Risos).