Direito Urbanístico: o município e o controle das edificações
Outro dia encontrei um amigo que, indignado, reclamava de suposta falta de coerência e diligência do Departamento de Urbanismo de Campinas, SP, que depois da ação do Ministério Público passou a ser “mais realista que o Rei”, pois tem sido, segundo ele, extremamente exigente com o setor da construção civil na aprovação de projetos e expedição de alvarás, mas "estranhamente" paciente quando a construtora, ou construtor, buscam regularizar ou adequação de projetos ou edificações irregulares.
Publicado 05/01/2013 08:03
Por Pedro Benedito Maciel Neto*
Bem, a doutrina ensina que o controle das construções urbanas é atribuição específica do município, não só para assegurar o ordenamento da cidade em seu conjunto, como para certificar-se da segurança, da salubridade e da funcionalidade de cada edificação, individualmente considerada.
Este é o chamado controle técnico-funcional da construção, referente ao seu uso individual, que é diferente do chamado controle urbanístico, o qual cuida da integração do edifício, considerado individualmente, na cidade, visando harmonizá-lo com o complexo urbanístico.
O controle das construções deve ser exercitado pela Administração Municipal observando o aspecto coletivo, ou seja, no contexto do ordenamento urbano e do interesse público e também sob o aspecto individual, ou seja, observar a adequada estrutura da obra à função declarada.
Daí porque toda a construção urbana, e especialmente a edificação (edificação tem semântica técnica-jurídica própria, esta relacionada àquelas construções destinadas ao uso humano) fica sujeita a duplo controle, o urbanístico e o estrutural.
O controle estrutural é aquele relacionado a previa aprovação do projeto pela prefeitura, com subsequente expedição de alvará de construção e, posteriormente, do alvará de utilização, mais conhecido e costumeiramente denominado "habite-se"; ainda no campo do controle estrutural temos como atribuição da municipalidade a fiscalização da execução da obra, o que lhe possibilita embargo ou até mesmo demolição quando realizada em desconformidade com o aprovado, se impossível à adequação e regularização da edificação.
O controle estrutural deve ser feito pelo Código de Obras, o qual, segundo o professor Hely Lopes Meirelles, pode ser aprovado por decreto, justificando tal forma na facilidade à adequação das frequentes adequações que a evolução técnica exige da Administração Pública. O Código de Obras do Município deve tratar, exclusivamente, das obras no seu aspecto estrutural e funcional, deixando outros aspectos para leis de zoneamento.
Já o controle urbanístico tem outro enfoque. E para falar nele, creio, é necessário conceituar urbanismo como a "ordenação espacial da cidade e do campo.", conforme Gaston Bardet in Mission L`Urbanisme, 1950, p. 39.
Quando falamos em urbanismo falamos em buscar o desenvolvimento integral dos recursos da cidade, de forma planejada, visando harmonia, equilíbrio entre a natureza o homem, assim como na construção de espaços que permitam a convivência entre as pessoas.
Urbanismo é arte e é ciência. É arte porque como ensina Luiz de Anhaia de Mello, procura "criação de novas sínteses", e é Ciência porque "estuda metodicamente os fatos". E é ainda filosofia com sua escala própria de valores.
Mas, juridicamente, urbanismo como ensina o professor Hely, “… é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade”.
E por espaços habitáveis é necessário entender todas as áreas em que o Homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação e recreação. Esse conceito remonta da Carta de Atenas, um repertório de recomendações aprovadas em 1933 em Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.
Daí porque o Departamento de Urbanismo pode, e deve ser zeloso, pois não há nada de estranho nisso. O controle urbanístico tem por tarefa desenvolver-se visando oferecer o maior bem para o maior número de pessoas. Dentro dessa concepção as imposições urbanísticas orientadas por regras jurídicas tem o escopo de buscar o bem estar social e o desenvolvimento, a funcionalidade, o conforto, a estética da cidade, o racional uso do solo, a harmonia enfim. Há o chamado Direito Urbanístico, ramo do Direito Público destinado ao estudo e formulação de princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no campo e na cidade.
Por isso acredito que o Administrador Público deve realmente ser bastante exigente na aprovação de projetos e na expedição de alvarás, pois as imposições urbanísticas são de Direito Público.
Contudo, quando o Administrador Público vê-se diante de situações consumadas e consolidadas pelo decurso do tempo e, havendo interesse público, ao invés de embargar uma edificação ou determinar a sua demolição, é seu dever buscar a regularização, até porque "a falta de alvará de conservação ou de "habite-se" não tipifica qualquer crime ou contravenção penal, sendo mero ilícito administrativo" (RT 537/36).
Mais ainda, se o Departamento de Urbanismo identifica diligência na regularização, e verifica também que a edificação é passível de adequação e isto lhe emprestará as indispensáveis condições de respeito às normas de Direito Público.
A Jurisprudência dominante do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido que "as construções sem projeto devem ser mantidas quando estejam em conformidade com as exigências edilícias ou forem a elas adaptadas".
Por tudo isso discordo do meu amigo e não tenho qualquer temor em afirmar que havendo possibilidade de regularização deve o Departamento de Urbanismo buscá-la, reside na regularidade e na regularização o interesse público.
A regularização "a posteriori" não é seria um "prêmio" aqueles que edificam irregularmente, pois a manutenção de construções e edificações realizadas sem a aprovação de projeto, a manutenção provisória de seu funcionamento até a expedição dos alvarás ou "habite-se" vem acompanhados de taxas e altas multas, às quais a municipalidade não pode renunciar, e o que se busca, repito, é o interesse público, através da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa (art. 170 da Constituição Federal).
* Pedro Benedito Maciel Neto é advogado e colaborador do Vermelho