Bertotti faz balanço de sua gestão e participação dos comunistas
Em entrevista ao Portal Vermelho, Bertotti faz um balanço da experiência, apresenta alguns dos caminhos percorridos pela SCTDE e fala da participação dos comunistas na gestão municipal do Recife.
Publicado 26/12/2012 14:27 | Editado 04/03/2020 16:56
Nascido em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, José Antônio Bertotti Junior mora no Recife desde 1997. Pai de duas filhas pernambucanas, já se considera recifense de coração. Formado em química industrial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é também pós-graduado em gestão pública e ingressante no mestrado de Engenharia de Produção da UFPE. Em 2009, no governo do prefeito João da Costa (PT), foi indicado pelo PCdoB para assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico (SCTDE), tornando-se um entusiasta do papel da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento e a conquista da soberania do país.
José Bertotti
Vermelho – Quais foram os desafios enfrentados ao dirigir a pasta de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico no Recife?
Bertotti– Nosso partido considera o desenvolvimento econômico um dos principais motores das transformações em nossa sociedade. Ao aceitarmos a tarefa, tínhamos então a convicção de que essa secretaria poderia desempenhar um papel estratégico, mas o primeiro desafio era materializar o programa de governo. Era preciso que a Prefeitura articulasse os instrumentos que viabilizam a política de desenvolvimento econômico e que enxergasse o desenvolvimento de Pernambuco, fruto de empreendimentos estruturadores que fazem com que o nosso Estado cresça a uma taxa mais elevada que o Brasil, a partir de pesados investimentos, principalmente públicos.
Um estaleiro, uma refinaria, são políticas públicas que resultam de macro decisões da política nacional. Foi a decisão do Presidente Lula que permitiu que a nova refinaria a ser construída no Brasil fosse localizada no Nordeste, que os navios da Petrobras, contratados em licitações internacionais, seriam construídos no país, e hoje há navios sendo construídos em vários estaleiros. Pernambuco tem aproveitado essas oportunidades e tomado um rumo de desenvolvimento diferenciado, ancorado fundamentalmente por elevadas taxas de investimento público.
O Recife precisou formatar uma política de desenvolvimento que acompanhasse essas mudanças. A cidade, dentro das suas vocações, pois tem 82% do seu PIB baseado numa economia de comércio e serviços, mas tem também uma indústria que representa 35% daquilo que é produzido na Região Metropolitana, buscou acelerar seu ritmo de crescimento e aproveitar as vantagens comparativas, como ter no seu território grandes universidades, centros de pesquisa e um dos melhores parques tecnológicos do Brasil, que é o Porto Digital. Isso nos dá a possibilidade de construir um modelo de desenvolvimento sustentável, baseado no conhecimento e na inovação tecnológica que contribuem para um adensamento das cadeias produtivas já instaladas em Pernambuco e das novas cadeias que estão sendo criadas a partir da mudança em curso da matriz industrial de nosso estado.
Diante disso, a gente viu que faltava criar sinergia entre os instrumentos que permitem o desenvolvimento econômico, naquilo que é competência do governo municipal. E o que não estivesse ao encargo do município, que se buscassem parcerias com o governo do estado, governo federal e iniciativa privada. Esta secretaria precisava ser a porta de entrada para negócios com potencial de inovação, criando ambientes favoráveis para novos empreendimentos. Foi pensando assim que a gente procurou construir a linha essencial da SCTDE, criando instrumentos para gerar um ambiente amigável e em consonância com o desenvolvimento econômico do Brasil.
Vermelho – Quais são esses instrumentos?
Bertotti– Um dos instrumentos é a política fiscal. Consta no programa de governo que a Prefeitura deve fazer uma política fiscal para gerar mais emprego e renda.
Outro instrumento é o controle urbano. Porém, ainda não há um zoneamento que direcione os negócios para determinadas áreas da cidade, de acordo com o espaço físico disponível e a característica da economia daquela área. Por isso é importante que o empresário chegue até a secretaria de desenvolvimento econômico, e possamos auxiliá-lo.
A infraestrutura urbana também é um instrumento de desenvolvimento econômico. De um tempo para cá, há um esforço grande de construção de infraestrutura viária, de transporte, de saneamento, e mesmo de criação de áreas verdes na cidade. Isso acontece em função de projetos que são captados e ainda não leva em consideração onde estão os bens e serviços produzidos na cidade e a logística de seu deslocamento.
Na área da Ciência e Tecnologia identificamos a necessidade de criação de uma política de inovação nas cadeias produtivas gerando negócios mais qualificados e competitivos. Além da necessidade de um Fundo Municipal de Ciência Tecnologia e Inovação que possa captar os recursos disponíveis para novos investimentos em C&T e Inovação articulando a produção local de conhecimento e as oportunidades de negócios existentes.
Vermelho – Quais foram as ações desenvolvidas para superar os desafios?
Bertotti– Baseado na necessidade de formatar uma política de estruturação das cadeias produtivas na cidade, realizamos um importante estudo que contou com o apoio do então ministro de C&T, Sérgio Rezende, para identificar aquelas cadeias com potencial de inovação e as oportunidades de negócios existentes.
Precisávamos conhecer o potencial de inovação para fazer uma conexão entre a produção acadêmica de ciência e tecnologia e a necessidade do empresariado. Principalmente para gerar empregos mais qualificados, uma produção com maior valor agregado, em consonância com o esforço nacional de melhorar a pauta de exportações do Brasil.
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do Ministério da Ciência e Tecnologia tinha metodologia para fazer pesquisas do tipo e realizou estudos no âmbito do nordeste, do Brasil, mas para uma cidade nunca havia feito. Foi necessário que eles fizessem uma adaptação à metodologia já existente. Nesse sentido, criamos um paradigma para a efetivação de políticas municipais de C&T. Não são comuns no Brasil políticas municipais de ciência e tecnologia, mas isso já começa a mudar, com a criação de leis municipais de inovação. No Recife, nós formulamos a política municipal e a lei municipal de inovação.
Mas tínhamos dúvidas de por onde começar o trabalho. Seria estimulando o Porto Digital para incluir a economia criativa dentro dos incentivos fiscais já ofertados para a TI? Ou atendendo a uma demanda do ParqTel para apoiar o Parque de Eletroeletrônica da cidade do Recife? Debatendo com os empresários do setor de saúde a criação de uma política fiscal que torne os seus negócios mais competitivos?
Antes de tomar as iniciativas, era necessário identificar as cadeias produtivas consolidadas e em perspectiva de consolidação, a partir da mudança da matriz produtiva de Pernambuco, e criar condições para que elas possam se desenvolver no Recife e adensar os serviços integrados a essa cadeia.
Vermelho – Esse estudo redundou em ações concretas para a economia do Recife?
Bertotti– Tivemos a oportunidade de colocar em prática a nova política de desenvolvimento econômico oriunda desse estudo quando concedemos para a cadeia produtiva da economia criativa o mesmo incentivo fiscal que já beneficiava outros setores do Porto Digital e quando definimos uma área da cidade, localizada no quadrilátero de Santo Amaro, para a instalação do novo cluster da Economia Criativa, criando infraestrutura urbana que favorece a atração e consolidação de novos negócios.
A cadeia da economia criativa tem a capacidade de transformar todo o caldo cultural do Recife com toda sua produção intelectual e criatividade em bem econômico. Isso é fundamental para o Recife. E está acontecendo num ambiente como o Porto Digital, que já é considerado o melhor parque tecnológico do Brasil, com excelência na tecnologia da informação e com know how na geração de ecossistemas de negócios, tendo sido reconhecido em 2012 pelo INPI o seu perímetro como local para denominação de origem para produção de software, algo inédito no mundo para o setor de serviços. Podemos dizer que temos aqui em Recife a nossa Bordeaux do software!
Isso foi materializado numa lei que concedeu a ampliação do incentivo fiscal para Tecnologia de Informação que era restrito ao Bairro do Recife e já enfrentava problemas de espaço físico para novas empresas, ampliando para Santo Amaro e incluindo além do núcleo de tecnologia da informação o cluster da economia criativa. Essa política, nas palavras do cientista chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.), Sílvio Meira, no ato de sanção da Lei, significou a “refundação’ do Porto Digital.
Outro exemplo é o do setor de eletroeletrônicos, também identificado na pesquisa de cadeia produtiva como um setor portador de futuro, embora já exista há 20 anos um distrito industrial no Recife com 17 empresas na área de eletroeletrônica. Empresas que produzem equipamentos eletrônicos e hardwares para soluções na área de mobilidade urbana e informática.
No início deste ano, o Governo do Estado inaugurou, com recursos do governo federal, uma unidade operacional para o parque tecnológico que vai agregar laboratórios de universidades e terá um núcleo de gestão que, junto com as empresas e universidades, resultará na criação de um ecossistema na área de eletroeletrônica.
Esse será o segundo parque tecnológico do Recife, aproveitando as vantagens comparativas da cidade: as universidades que produzem ciência nessa área da eletroeletrônica e empresas como a Chesf que tem volumes vultosos para aplicar na área de inovação tecnológica, mas ainda aplica uma pequena parcela desses recursos no Recife.
Vermelho – Que outras realizações da SCTDE nesses quatro anos você pode destacar?
Bertotti– Não poderia elencar aqui todos os dados, mas vou tentar apresentar os mais significativos. Uma importante conquista para o Recife foi a implantação do Observatório do Trabalho, em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em agosto de 2011. Ele tem o objetivo de produzir e acompanhar indicadores sobre o mundo do trabalho, capazes de subsidiar a construção de políticas públicas de emprego, trabalho e renda. A secretaria também é responsável pelo Sistema Público de emprego trabalho e renda, que intermedia vagas no mercado de trabalho e nele captamos cerca de 20 mil vagas para os recifenses nesses quatro anos. Vale salientar que aproximadamente 60% delas para o setor de serviços, o que confirma a vocação da cidade.
Qualificamos mais de nove mil recifenses através de parcerias com o governo federal em três programas, o PlanteQ, o PlanseQ e o Projovem Trabalhador. Os cursos foram voltados para o mercado recifense, levando em conta o potencial e a vocação econômica da cidade.
Na área de promoção de atividades econômicas, podemos destacar a ação em parceria com o Sebrae de formalização de empresas, com destaque para o Empreendedor Individual. Essa é uma nova pessoa jurídica instituída de trabalhador autônomo com renda bruta de até 36 mil reais ao ano. Uma maneira que o governo federal encontrou para criar as condições para os trabalhadores informais se legalizassem, e, assim, passassem a fazer parte do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, proporcionando facilidades na hora de abrir uma conta bancária, pedir empréstimos, emitir notas fiscais e participar de licitações públicas. Concedeu tratamento diferenciado e simplificado nas compras de bens e serviços do município para pequenas e micro empresas e permitiu, através de um decreto, a inserção dos Empreendedores Individuais no Cadastro Mercantil do município e que seu IPTU permanecesse no valor do residencial, e ainda criou o Fórum Municipal das Microempresas, Empresas de Pequeno Porte e Empreendedor Individual do Recife.
O modelo do Recife deu tão certo que foi reproduzido pelo SEBRAE para outras cidades. A cidade conta hoje com mais de 24 mil empreendedores individuais. Com isso o Prefeito recebeu em 2011 o primeiro lugar em Pernambuco do Prêmio Prefeito Empreendedor na categoria estímulo ao empreendedorismo.
Nesse período também houve a concepção e início da construção do Parque Científico e Tecnológico do Jiquiá, que terá um museu de ciência, planetário e a restauração completa da única torre de atracação do Zeppelin existente no mundo.
Vermelho – Diante desse balanço e da participação em outros espaços institucionais, como você avalia a contribuição do PCdoB ao projeto político em curso no Recife?
Bertotti-Desde a eleição de 2000, quando João Paulo e Luciano Siqueira passaram a liderar essa versão moderna da Frente Popular do Recife, o PCdoB tem contribuído decisivamente para as transformações em curso na cidade. Assumiu, através de seus quadros, inúmeros postos de comando no executivo municipal, a exemplo das Secretarias de Assistência Social, Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, da Autarquia de Saneamento e do Instituto de Assistência Social e Cidadania e de outros espaços na área de Saúde e Direitos Humanos.
O PCdoB esteve ininterruptamente representado no Legislativo municipal. Além disso, nosso partido também contribuiu para o atual estágio de desenvolvimento vivido no Recife, participando ativamente das lutas sociais, seja pela Reforma Urbana, nas lutas sindicais e estudantis, pela melhoria da qualidade de ensino, ou mesmo nos inúmeros processos de Conferência Municipal que indicaram o rumo das atuais políticas públicas em curso na cidade.
O PCdoB abriu, juntamente com PT, o caminho para a retomada da presença de forças progressistas no comando da gestão das principais cidades de Pernambuco, que são Recife e Olinda. Com isso, impulsionou essas gestões a darem sustentação em Pernambuco à chapa vitoriosa de Lula e José Alencar que, de maneira inédita na história do Brasil, levou um operário à presidência da República, com um programa de desenvolvimento baseado na geração de empregos e distribuição de renda. E que, quatro anos depois, permitiu que essas mesmas forças elegessem e depois reelegessem Eduardo Campos(PSB) governador, apoiado por um vigoroso programa de investimentos no estado de Pernambuco.
Temos acompanhado as mudanças na matriz produtiva, com forte crescimento da indústria, que permitem que o Recife hoje tenha não só uma economia moderna de serviços, mas uma das menores taxas de desemprego da nossa história. Aqui está sendo constituída uma nova geração de trabalhadores e trabalhadoras que precisam da ação decisiva do PCdoB, ajudando na sua organização e defendendo um modelo de desenvolvimento baseado no desenvolvimento das forças produtivas e na melhoria da qualidade de vida do nosso povo, através de melhores níveis de educação, moradia, saúde e construindo cidades mais humanas.
Foi nesse espírito que o PCdoB deu sua contribuição para as conquistas alcançadas nesses quatro anos da gestão do Prefeito João da Costa, mas não se furtou de participar ativamente das articulações que permitiram eleger Geraldo Júlio prefeito e Luciano Siqueira vice-prefeito, unindo a maioria esmagadora dos partidos da Frente Popular, para continuar a governar o Recife com base num programa de governo ainda mais qualificado para enfrentar os desafios de uma cidade tão complexa como o Recife.
Do Recife,
Renata Stadtler.