George Monbiot: O custo oculto dos presentes de natal
Não há nada de que precisem, nada que já não possuam, nada até que eles queiram. Então você compra para eles uma rainha acenando, movida a energia solar; uma escova para o umbigo, um suporte prateado de sorvete para a banheira; um “hilário” andador inflável; um produto de plástico com funções eletrônicas chamada Terry, a tartaruga que xinga; ou – e de alguma forma eu acho isso relevante – um mapa-mundi de parede para eliminar os países já visitados.
Por George Monbiot*
Publicado 24/12/2012 17:26
Eles parecem divertidos no primeiro dia de Natal, idiotas no segundo e vergonhosos no terceiro. Até o décimo segundo eles estão no aterro. Por trinta segundos de entretenimento duvidoso, ou um estímulo hedonista que não dura mais do que um trago de nicotina, comissionamos o uso de materiais cujos impactos vão ser sentidos por gerações.
Fazendo pesquisa para seu filme “A História das Coisas”, Annie Leonard descobriu que dos materiais que circulam na economia de consumo, apenas 1% permanece em uso seis meses após a venda. Mesmo os bens que poderíamos ter esperado manter, logo são condenados à destruição, seja por obsolescência programada (quebrando rapidamente) ou obsolescência percebida (se tornando fora de moda).
Mas muitos dos produtos que compramos, especialmente para o Natal, não podem se tornar obsoletos. O termo implica uma perda de utilidade, mas eles não tinham utilidade desde o início. Uma camisa eletrônica que simula sons de bateria, um cofrinho falante do Darth Vader; uma capa de iPhone em forma de orelha, uma latinha que resfria embalagens individuais de cerveja, um decantador de vinho eletrônico, uma chave de fenda sônica que também é controle remoto; creme dental de bacon; um cão dançante: não se espera que ninguém os use ou mesmo olhe para eles após o dia de Natal. Eles são projetados para provocar agradecimentos, talvez um risinho ou dois, e depois serem jogados fora.
Por James Provost, via Flickr (Creative Commons)
A fatuidade dos produtos é acompanhada pela profundidade dos impactos. Materiais raros, eletrônicos complexos, a energia necessária para a fabricação e transporte é extraída e refinada e combinada em compostos de inutilidade total. Quando você leva em conta os combustíveis fósseis cujo uso comissionamos em outros países, a fabricação e o consumo são responsáveis por mais da metade de nossa produção de dióxido de carbono. Estamos ferrando o planeta para fazer termômetros de banho movidos a energia solar e enfeites de mesa de bonequinhos golfistas.
As pessoas no leste do Congo são massacradas para facilitar atualizações de smartphones de utilidade marginal sempre decrescente. Florestas são derrubadas para fazer “tábuas de queijo personalizadas em forma de coração”. Rios são envenenados para a produção de peixes falantes. Este é o consumo patológico: uma loucura coletiva epidêmica que consome o mundo, tornada tão normal pela publicidade e pelos meios de comunicação que mal percebemos o que aconteceu conosco.
Em 2007, segundo o jornalista Adam Welz registra, 13 rinocerontes foram mortos por caçadores ilegais na África do Sul. Este ano, até agora, 585 rinocerontes foram baleados. Ninguém está inteiramente certo por quê. Mas uma resposta é que pessoas muito ricas no Vietnã estão agora espalhando chifres de rinocerontes em sua comida ou cheirando-os como se fossem cocaína, para exibir sua riqueza. É grotesco, mas pouco difere do que quase todos nos países industrializados estão fazendo: destruindo o mundo vivo através do consumo inútil.
Esse boom não aconteceu por acidente. Nossas vidas foram encurraladas e moldadas a fim de incentivá-lo. As regras do comércio mundial forçam os países a participar do festival de lixo. Governos cortam impostos, desregulam negócios e manipulam as taxas de juros para estimular o consumo. Mas raramente os engenheiros dessas políticas param e perguntam “gastar em quê?”.
Quando cada desejo e necessidade concebíveis forem cumpridos (entre aqueles que têm dinheiro disponível), o crescimento depende da venda daquilo que é totalmente inútil. A solenidade do Estado, o seu poder e majestade, são aproveitados para a tarefa de entregar Terry, a tartaruga que xinga, em nossas portas.
Homens e mulheres adultos dedicam suas vidas à fabricação e comercialização deste lixo, e sacaneiam a ideia de viver sem ela. “Eu sempre tricoto os meus presentes”, diz uma mulher em um anúncio de televisão para uma loja de eletrônicos. “Bem, você não deveria”, responde o narrador. Um anúncio para o mais recente tablet do Google mostra pai e filho acampando na floresta. Sua fruição depende das características especiais do Nexus 7. As melhores coisas da vida são de graça, mas nós encontramos uma maneira de vendê-las para você.
O crescimento da desigualdade que tem acompanhado o boom de consumo garante que a maré econômica ascendente não levante todos os barcos. Nos EUA, em 2010, notáveis 93% do crescimento nos rendimentos foram acumulados para o 1% mais rico da população. A velha desculpa, que temos que destruir o planeta para ajudar os pobres, simplesmente não cola. Para algumas décadas a mais de enriquecimento para aqueles que já possuem mais dinheiro do que sabem como gastar, as perspectivas de todos os outros que viverão nesta terra são diminuídas.
Quando o mundo enlouquece, aqueles que resistem são denunciados como loucos. Asse um bolo, escreva um poema, dê um beijo, conte uma piada, mas pelo amor de Deus, pare de destruir o planeta para dizer a alguém que você se importa. Tudo o que você mostra é que não se importa.
* George Monbiot é jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Texto traduzido de sua página oficial www.monbiot.com