Valdemar Filho: A criminalização da política
No final do ano de 2002, em pleno período eleitoral, eu passeava pelos corredores de um supermercado na ensolarada cidade do Rio de Janeiro. As pessoas conversavam sobre as eleições e a vitória do Lula parecia uma possibilidade próxima. Lembro-me que um senhor com cara de poucos amigos empurrava o seu carrinho querendo sair daquele corredor festivo. Disse para ninguém, mas falou alto para que todos ouvissem: Vou votar no Lula para ficar livre dele para sempre.
Por Valdemar Figueredo Filho*
Publicado 15/12/2012 15:29
A lógica daquela retórica furiosa era a aposta de que uma vez diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no dia 1º de janeiro de 2003, Lula deixaria de ser a esperança do Brasil. O sindicalista bom de voto seria eficiente na gestão? O torneiro mecânico tinha condições de assumir o papel de chefe de Estado da República Federativa do Brasil? O senhor mal-humorado via naquele corredor uma amostragem do Brasil: gente crédula que se decepcionaria rápido.
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Entre 1º de janeiro de 2003 e 1º de janeiro de 2011 alguns termos foram acionados com frequência pela “grande” imprensa para interpretar o Governo Lula: messianismo, populismo e lulismo.
Em termos de política externa, o Brasil deixou de ser levado pelos “ventos do mundo” que sopravam preferencialmente para a América do Norte. Diziam os críticos que os camaradas Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia e Samuel Pinheiro Guimarães estavam aparelhando o Ministério das Relações Exteriores com ideologias esquerdistas.
Importante lembrar que a retórica furiosa usava a estabilidade da moeda como o grande trunfo. O Real tinha que continuar dando certo. Quem teria melhores chances de administrar a economia brasileira, os feitores ou os críticos do Real? Durante a gestão tucana, a economia foi blindada da política. Para os consumidores do supermercado, FHC soube com maestria reformar o Estado e reformar a economia sem misturar os corredores. Numa simplória formulação do supermercado desinfetado pelo sopro liberal: deixem os técnicos cuidarem da economia e convém aos bons políticos conterem os ímpetos do Estado.
O fato é que Lula se reelegeu. Findo o seu conturbado segundo mandato, ainda dispunha de capital político para eleger a sua candidata Dilma Rousseff. Nem o mais otimista com a teoria do caos poderia imaginar tamanha importunação. O pessoal da tucanagem fotogênica preferiu não comparar os oito anos de FHC com os oito anos de Lula. Quando na disputa eleitoral em 2010, José Serra, que é bom com os números, preferiu falar do futuro. Ele queria que os eleitores comparassem o currículo dele com o de Dilma Rousseff. Com todas as letras, Serra disse que aquela não era uma eleição polarizada entre FHC e Lula.
Quem tem boa memória há de lembrar-se que o acanhamento do candidato tucano trouxe ressentimentos e críticas dos seus pares partidários. Como assim? Por que o Serra escondeu o passado? Aonde o Serra escondeu o FHC?
Quem tem boa memória há de lembrar-se da estratégia do senhor do supermercado. Deu errado! Não a administração do governo Lula, mas a previsão do caos. A gestão do Lula não foi perfeita, mas foi bem melhor do que os oito anos de FHC.
Ficou difícil comparar politicamente os resultados da gestão de FHC com a gestão de Lula. Tal dificuldade apresenta impactos eleitorais concretos. Ou seja, para não sermos exaustivos, não deu para livrar-se do Lula depois dos seus dois mandatos. Não foi uma gestão que cobriu todas as necessidades nacionais, mas, foi muito melhor do que o seu antecessor. É só perguntar para o José Serra que ele apresenta dados concretos.
Diante do quadro político tão ameaçador para as elites deste país em que as representações políticas, através do finado PFL e do perplexo PSDB, se mostraram frágeis, a disputa foi deslocada. A criminalização do governo Lula é a última cartada? Desloca-se a política das praças enquanto expressão popular e das câmaras legislativas enquanto expressão da democracia representativa. A política é posta sob juízo dos Tribunais de Justiça e principalmente sob o arbítrio da tão aclamada “liberdade de imprensa”.
A ideia fixa de um amplo movimento político brasileiro: Lula. Estamos assistindo a uma campanha sistemática de desconstrução da imagem do ex-presidente. A crença da retórica raivosa é que ao descascar a cebola da corrupção se chegará ao núcleo pobre: Lula e os seus mais chegados. Como já disse, os opositores abdicaram do campo político. Escolheram outro campo para o duelo: partidarização do Judiciário. A criminalização da política neste cenário é o mesmo que pancadaria contra o ex-presidente que continua merecendo dos brasileiros um alto grau de popularidade.
Pois é, o Lula virou ideia fixa da elite raivosa que gostaria de esquecê-lo para sempre.
Em 2002, o homem do mercado não podia prever que, para ficar livre do Lula, a arena política não era o meio mais apropriado. Não seria a voz das urnas a calar a figura grotesca com voz rouca. Em recente pronunciamento, FHC disse que Dilma Rousseff recebeu uma herança maldita. Ele se referia à criminalização da política. Ou seja, fala do campo jurídico e não do político.
Uma das versões da confusão na final da Sul-Americana é que o Tigres pipocou frente a superioridade do São Paulo. O tricolor paulista era tão superior que na bola a equipe argentina não ganharia. Numa tentativa desesperada simularam ou hiperdimensionaram os exageros do São Paulo Futebol Clube afim de ganharem no tapetão. Criminalização do futebol. Os jogadores saem de campo e os advogados entram com recursos nos tribunais.
Acho que os portadores da retórica política raivosa pipocaram. Querem levar a disputa para o campo jurídico criminalizando a política. A esperança é desmanchar os resultados eleitorais e desmoralizar os partidos.
Adoraria ouvir em 2014 que o Lula é candidato. Confusão no hipermercado e obrigação de Aécio Neves e cia saírem dos vestiários e entrarem no campo político. A comparação é ótima para a democracia. Talvez a pancadaria contra o ex-presidente Lula faça dele candidato nas próximas eleições.
*Valdemar Figueredo Filho e doutor em Ciência Política (Iuperj), atualmente leciona no curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ).
Fonte: Revista Fórum