Lejeune Mirhan: Liberdade e justiça para o povo palestino
"E a mídia diz que Israel tem “o direito de se defender”. Os palestinos não teriam esse direito também? Pois claro que têm! E esta na Carta das Nações unidas, que é o estatuto da ONU". Foi o que declarou durante entrevista ao Diário Liberdade, o comunista e sociólogo Lejeune Mirhan, especialista em Oriente Médio e mundo árabe.
Publicado 28/11/2012 09:46
Lejeune representa a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB) na coordenação nacional do Fórum Social Mundial Palestina Livre que tem início nesta quinta-feira (29), na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no Brasil. Nesse evento são esperados cinco mil pessoas de 50 países em apoio e em solidariedade aos palestinos.
Acompanhe a entrevista:
Diário Liberdade (DL): Primeiramente fale de sua vida como sociólogo, arabista e de sua militância pela causa árabe e palestina no Brasil.
Lejeune Mirhan (LM): Sou sociólogo e militante da causa palestina há exatos trinta anos. A marca principal que me motivou a apoiar a causa palestina e estudar aquela realidade árabe e palestina foi o massacre de Sabra e Chatila ocorrido em 18 de setembro de 1982. Eu fazia mestrado na época, era candidato a vereador e já militante comunista desde 1975, que enfrentara a ditadura.
Houve outro elemento importante, ainda que não determinante. Sou filho e neto de sírios. Meu avô chegou a minha cidade natal, Corumbá, MS, em julho de 1913, com então 17 anos. Lá montou base, comércio e teve cinco filhos. Nasci dentro de uma loja. Minha mãe seguiu o ramo do comércio, hoje aposentada e vive comigo em Campinas. Assim, a língua árabe, suas músicas e a culinária fazem parte de meu cotidiano desde minha infância.
No entanto, o apoio à luta dos árabes em geral é pela importância geopolítica que aquela região tem e o conflito com Israel, que é apoiada pelos EUA, uma espécie de enclave sionista em meio a 400 milhões de árabes.
Do lado sociológico, fui professor universitário de sociologia e ciência política por 22 anos, pretendo realizar um doutorado em sociologia árabe em Universidade no Oriente Médio quando as coisas se acalmarem por lá (será?) e tenho seis livros publicados. Colaboro para diversas revistas de sociologia e portais da Internet, em especial o Vermelho e o da Fundação Maurício Grabois.
DL: A mídia ocidental tem colocado que os ataques sobre Gaza seria uma resposta justa do estado de Israel devido à chuva de foguetes que estão caindo sobre cidades israelenses? Isso faz sentido?
LM: Nenhum sentido. Em primeiro lugar o que os palestinos disparam contra cidades israelenses são foguetes e não mísseis. Pequenos artefatos, sem letalidade alguma. Como diz Miko Piled, escritor israelense, as crateras deixadas por um míssil Qassam são do tamanho de uma bola de futebol e no máximo deixam assustadas pessoas das redondezas onde eles caem. Mais pelas sirenes que assustam do que pela sua letalidade. Nesta última guerra em Gaza, houve uma mudança do ponto de vista militar na qualidade dos foguetes caseiros (107 e M75) e dos mísseis enviados pelo Irã. Isso foi a grande surpresa para Israel que imaginava apenas os foguetes tradicionais de baixos impactos.
No entanto, do lado israelense, o revide é completamente desproporcional. As crateras deixadas por mísseis israelenses são do tamanho de um campo de futebol, matam dezenas de uma só vez. São jogados em locais que são os mais densamente povoados do planeta, que é a Faixa de Gaza.
E a mídia diz que Israel tem “o direito de se defender”. Os palestinos não teriam esse direito também? Pois claro que têm! E esta na Carta das Nações unidas, que é o estatuto da ONU. Lá esta bem claro que os povos oprimidos e ocupados por potência estrangeira têm o direito de resistir de todas as formas, inclusive pelas armas.
Mas, a reação e a resistência palestina é “terrorismo” e quando Israel ataca, mata, destrói, esta se “defendendo”. Um desequilíbrio total. Um conflito assimétrico, completamente desproporcional.
DL: O principal líder militar do Hamas, Ahmed al-Jabari, antes de ser assassinado estava trabalhando em um acordo de paz. O que o episódio de sua morte significa?
LM: Parte do Hamas defende uma solução que passa pelas fronteiras de 1967. Sabemos as circunstâncias históricas em que esse grupo religioso e que funciona também como partido político, foi criado há 25 anos. E sabemos as articulações com os salafistas em que estão metidos na atualidade. Articula-se com o Qatar e a Turquia, para derrubar o governo antiimperialista da Síria.
No entanto, o líder militar do Hamas assassinado, ainda que defendesse acordos globais de paz, era contra o desarmamento do grupo. Isso seria uma capitulação. Negociar sim, mas com o direito dos palestinos de resistirem com suas armas. Isso é assim no mundo inteiro e em toda a história. Esse líder militar do Hamas vivia escondido e protegido havia oito anos. Foi só o emir do Qatar aterrissar em Gaza distribuir quase um bilhão de dólares em “ajuda humanitária”, e não conseguir uma total concordância política dos propósitos da Aliança América do Norte, Israel, Turquia e Qatar, umas semanas depois houve o assassinato. Tudo muito estranho. Na imprensa árabe fala-se abertamente em traição, em delação, entrega.
DL: Atualmente se tem levantado hipóteses de que o ataque sobre Gaza é para encobrir a crise econômica e politica que internamente o estado de Israel vive. O objetivo do governo, com mais este massacre, seria desviar o debate dos principais problemas que o país teria que enfrentar em relação às eleições próximas. Dessa forma haveria um processo de neutralização da oposição progressista e de esquerda e ainda responsabilizaria o “terrorismo islâmico palestino” pela crise. E também a mídia acabou cantando a vitória do Hamas. Como o senhor vê esta questão?
LM: Isso pode ser verdade. Mas, já é tradição em Israel que ataques aos palestinos ocorram até uns dois meses antes do pleito. Israel terá eleições em janeiro próximo e o Likud, a direita israelense é francamente favorita. Eu diria que a esquerda esta em frangalhos em Israel. Grupos como o Mapam, Gush Shalom, Meretz e o PC de Israel, talvez tenham no máximo 15% hoje. A dita social democracia, do Partido Trabalhista (Labor), apoia a direita hoje e tem ministérios nesse governo reacionário de Netanyahu.
Mas, a verdade é que Israel assassinou o líder militar do Hamas, mas não imaginava os desdobramentos. Nunca imaginou a reação militar da ala militar do Hamas. Mas, um novo elemento entrou em cena, que antes não pesava na equação militar. A Jihad Islâmica. Foi ela quem disparou a maior parte dos foguetes contra regiões fronteiriças à Gaza e principalmente os mísseis de médio alcance como o Fajr-5 de fabricação iraniana. Alguns desses caíram nos arredores de Jerusalém e em Tel Aviv e até ultrapassaram essa cidade, que é a capital de Israel. Uma importante parcela das bases de mísseis do Hamas foram destruídas nas primeiras 48 horas e a inteligência do exército de Israel se vangloriou com isso. Foi a partir do terceiro dia, quando as bases desconhecidas repetiram os feitos do Hezbolláh em 2006, que as cidades distantes de Tel Aviv (a 75 Km) e Jerusalém (a 80 Km) e por fim Hertz Elia (a 85 km) foram atingidas por mísseis da Jihad Islâmico.
Se pudéssemos fazer uma análise militar desse episódio que levou a uma trégua – que a mídia chama de cessar fogo – a cidade além de Tel Aviv onde caíram misseis disparados pela Jihad é a mesma onde os mísseis disparados do Sul do Líbano, pelo Hezbolláh alcançam. Como se diz, encontraram-se os mísseis da resistência antissionista.
Israel ficou literalmente apavorado. Teve um helicóptero abatido por foguetes palestinos e outros aviões de reconhecimento não tripulados, no total de sete aviões derrubados, segundo Mahmoud Al Zahar, mas a mídia escondeu esse fato. Um jipe e um tanque foram destruídos com os foguetes Cornet – antitanques . E disparos contra a marinha israelense foram feitos de forma a seus barcos terem que afastarem-se da costa para 25 km (normalmente ficam a 10 km). Uma verdadeira derrota militar. Por isso o que a mídia chamou de cessar fogo em oito dias apenas.
Nesse sentido, se pudéssemos falar em um grande vencedor, eu diria que o Irã venceu. É o país que presta a maior e mais ativa solidariedade aos palestinos em sua luta contra a ocupação. E em seguida, tem os setores palestinos que mantém laços de amizade revolucionária com esse país, como a Jihad Islâmica, a Frente Popular de Libertação da Palestina e o Hezbolláh. Não acho que o Hamas foi vitorioso. No limite, a sua ala militar. A presença de Ramadan Challah, secretário-geral do Jihad Islâmico, nas mesas de negociação ao lado de Khaled Meshaal, era o claro sinal que as negociações não estavam na mão do grupo Hamas apenas e que desta vez, outras frações armadas faziam parte das decisões. Era o Irã ali.
DL: Desde 2011 a revolução árabe sacudiu a região do Médio Oriente. Ela afetou os aliados do Hamas? Ou seja, externamente quem são os aliados do denominado Movimento Islâmico de Resistência?
LM: O Hamas sai derrotado e vai ficando cada dia mais isolado em toda a região. É o único grupo da resistência palestina – e são 15 no total, dos quais ficaram em Damasco 14 – que deixou a cidade de Damasco, onde sempre manteve escritório de representação política e transferiu-se para Doha no Qatar.
Nunca aceitei as versões da mídia de que o conflito na região é mais religioso. Falso. É político. Estão em jogo duas concepções distintas. Uma que vê com simpatia o imperialismo e sonham com uma possível volta a um califado islâmico e defendem uma natureza mais teocrática para os estados e outra, mais secular, laica, antiimperialista e patriótica árabe.
O primeiro bloco, tenta de todas as formas – com elevado financiamento externo e apoiado diretamente por todos os imperialismos (estadunidense, inglês e francês principalmente) – derrubar o último dos governos patrióticos, nacionais, antiimperialistas e laicos da região que é o da Síria. Assassinaram Saddam Hussein e Muammar Khadafi e hoje tentam fazer o mesmo com o Dr. Bashar Al Assad. Esse bloco de oposição, que tem sede no exterior em Paris, Istambul e Londres, que conta com financiamento do Qatar e Arábia Saudita, defende abertamente uma agressão imperialista da OTAN contra seu próprio país. Isso é inaceitável. E temos visto certos setores, que se autoproclamam de “esquerda”, além de apoiarem os ataques externos, afirmarem que está em curso na Síria uma “revolução”. Quem age nesses ataques contra alvos do Estado sírio são mercenários que recebem altos soldos e têm as armas mais sofisticadas da região. Nunca é demais dizer que um fuzil de assalto, o AK-47, que no mercado negro custava antes do conflito sírio em torno de duzentos dólares hoje não se compra por menos que um mil e quinhentos dólares. O caro são as munições. Cada tiro custa hoje em torno de 3-4 dólares. Muito desse dinheiro é desviado antes mesmo de chegar aos “rebeldes”, pelos próprios intermediários, como Ikab Saqr, declarado colaborador e deputado do parlamento libanês do Partido do Futuro de Saad Al-Hariri.
No Líbano, o bloco “8 de Março” é formado por sunitas, xiitas do Hezbolláh e cristãos (maronitas, católicos e ortodoxos) patrióticos do general Michel Aoun. O Partido Socialista de Jumblat ainda não aderiu ao bloco, mas tem apoiado as ações políticas do grupo, inclusive mantendo-se nos Ministérios destinados ao seu Bloco. O PC Libanês, que não participa do governo, apoia esse bloco. O outro campo, da família Hariri, que se chama bloco “14 de Março”, tem a total simpatia de Israel, dos EUA e declarado apoio da família real Saudita. Perdeu as eleições. Mesmo no Iraque, ocupado até outro dia pelas tropas dos EUA, hoje se afasta da órbita ocidental e aproxima-se do Irã.
Temo que o Oriente Médio (para nós, próximo para os europeus e ocidental para os chineses) vá viver ainda por um tempo muita ebulição. Prevejo crise no Egito, acirramento do conflito na Palestina, levantes das massas árabes nos países das monarquias reacionárias do Golfo. Em meu modo de ver o Irã se fortalece a cada dia, e a Turquia vai se chamuscando cada vez mais pelas posições equivocadas que tem adotada ao apoiar a derrubada de um governo legalmente constituído, como é o da Síria e o reflexo maior é a crescente crise política e militar com os Curdos que se tornou assunto urgente do Governo de Erdogan.
DL: E como está sendo o posicionamento da Fatah e dos outros grupos palestinos sobre a política conduzida pelo Hamas em Gaza? E sobre mais esse massacre?
LM: O Fatah é o mais antigo e legitimo movimento de resistência palestina. Data de 1964, portanto existe há quase 50 anos. Foi fundado por Arafat. É um grupo revolucionário, mas hoje prioriza a tática da resistência não violenta. Diariamente, em diversas aldeias palestinas, são feitas demonstrações, passeatas, existem conflitos, mas não há tiros. Israel é que dispara. Não só balas de borracha e bombas de gás tóxico, mas balas letais. Estive pessoalmente e presenciei uma dessas passeatas na aldeia de Nabih Saléh em março passado. Vi a violência e como os jovens a enfrentam. De peito aberto. Pegam as bombas de gás ainda fumegantes e jogam de volta contra as FDI. Fiquei maravilhado com isso. Está tudo registrado e documentado na minha página no You Tube.
Alguns podem se perguntar por que não se armam e atiram em Israel? Porque não usam a luta armada para enfrentar a ocupação da Cisjordânia. Isso, a história poderá mostrar quem esta com a razão. Eu, como brasileiro militante da solidariedade aos palestinos e como estudioso do tema árabe, resta-me apoiar e respeitar as formas de luta desse povo contra o ocupante sionista. Apenas registro que essa tática não é nova. Foi usada por Gandhi na Índia na luta pela independência até 1947. Lá o nome foi Satiagraha. Parece ter funcionado. Mesmo no Irã, em março de 1979, a tática foi insurrecional, levantes urbanos de massas que derrubou o Xá. Não acho que a luta armada seja o único caminho a ser adotado.
Por fim, acho que o Fatah paga um preço natural pelo desgaste de décadas na liderança do movimento e de quase vinte anos para cá, do desgaste natural de ser governo do povo palestino. Apesar de tudo, é o maior grupo da resistência palestina a quem respeito muito e mantemos fortes relações. O Fatah também paga por sua política de Estado laico e nacionalista e isso contraria a ideologia da irmandade muçulmana que prega o poder aos islamistas e não aos nacionalistas.
O Egito, com apoio dos países do Golfo Pérsico e da Turquia, ampliaram o cerco ao Governo de Abbas depois de sua clara intenção de levar à ONU a votação por um Estado da Palestina, ainda que membro parcial da Assembleia (observador). O apoio declarado ao Hamas amplia esta divisão palestina de forma proposital. Israel prefere negociar via Egito e Países do Golfo Pérsico do que encarar o Fatah e a Autoridade Nacional Palestina por maior que sejam seus defeitos e problemas.
DL: E quais os fatores que dificulta a construção de um governo de unidade nacional das principais forças de resistência, tendo como objetivo a criação de um estado palestino, aglutinando Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental?
LM: A construção de um Governo de unidade nacional vai depender de os políticos palestinos optarem pela ideologia e estratégia do poder islâmico ao modelo da Irmandade Muçulmana ou reconhecerem o problema palestino como uma causa nacionalista de ideologia árabe em primeiro lugar e islâmica em segundo plano. Apenas acontecerá uma unidade, se a ideologia islâmica for abandonada em prol de uma causa internacional, laica e nacionalista. Acho difícil hoje um governo de unidade nacional de toda a resistência palestina. Até porque o Hamas se recusa a integrar na estrutura da OLP, organização fundada na década de 1960 que conduziu e ainda conduz a luta pela libertação da Palestina ocupada.
Acho que um governo amplo poderá sim, ser formado, mas a partir de eleições que devem ocorrer em 2013. Não creio que o Hamas vença as eleições como ocorreu em janeiro de 2006. Temos forças de esquerda na Palestina, como o PPP, PC Palestino, FDLP, FPLP entre outras, que cresceram muito e ocuparam seus espaços de direito. Possuem ampla influência nas massas.
DL: Alguns estudiosos tem defendido a solução de apenas um estado onde vivam palestinos, árabes, israelenses e outros. Uma federação israelo-palestina, por exemplo. Como vê esta a questão?
LM: Isso apenas seria possível se houver componentes de um país laico. Dificilmente Israel aceitaria isso pela sua própria concepção e pelas forças crescentes de islamismo, esta possibilidade se torna um sonho. Hoje, apoio a solução que é defendida pela ONU e pelos próprios palestinos e que deve ser votada na Assembleia Geral nesta semana inclusive, que é a de dois estados. Quase parecida com a que foi votada na própria ONU em 29 de novembro de 1947. Israel foi proclamada em 15 de maio de 1948 e o Estado da Palestina nunca saiu e nem foi organizado.
Das terras da Palestina histórica, que na partilha de 1947 48% ficariam com os palestinos, hoje se esse estado fosse criado, envolvendo Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, isso resultaria em 20% das terras originais. Um quinto apenas! Ainda assim, acho que isso deveria ser criado.
Israel e os EUA discordam da ONU criar o Estado. Na verdade, ela já criou. Só que ele não foi organizado. Os palestinos proclamaram seu estado em 15 de novembro de 1988, na cidade de Argel, na Argélia, portanto há 24 anos. Agora o que pedem é simples: que a ONU os receba como seu 194º estado-membro. Os EUA vetarão se o CS aprovar a admissão. E nem precisariam vetar, pois não há votos suficientes nesse órgão – precisamos de nove votos em 15 – para a vitória. Assim, os palestinos mudaram de tática e vão propor à Assembleia Geral da ONU, que talvez seja votado em 29 de novembro – data simbólica para eles – a admissão, mas como estado-observador, mesma categoria do Vaticano. Já será um grande avanço, pois Israel terá que sair das terras palestinas da Cisjordânia, sob pena de ser acusada de ocupar terras de outro estado, tema esse que poderia levar a um firme posicionamento das Nações Unidas. Essa é a questão central hoje. Das terras.
DL: Nos acordos de paz mais progressistas que Israel tem dado a entender que assinaria as fronteiras se remete no máximo a 1967. Inclusive o Hamas trabalha com essa possiblidade. No entanto, desde década de 1940 os palestinos começaram a serem expulsos e suas terras ocupadas. Isso não seria ceder muito? Até que ponto um acordo desses seria justo para os palestinos?
LM: Justo não é e nunca será. Veja bem. Há três questões centrais que os palestinos não podem abrir mão jamais. Eu diria que são linhas vermelhas que não podem ser cruzadas. Uma delas é o direito de retorno dos seus refugiados. Se vão voltar todos ou uma parte será indenizada, isso pode ser debatido. Mas esse ponto tem que estar na pauta como prioridade. O segundo é o direito de terem sua capital em Jerusalém. Se será em toda a cidade ou na parte Oriental, também é motivo de debate. O último é a questão das fronteiras. Hoje se fala nas fronteiras de 1967 como ponto mínimo para iniciar a construção do Estado. Não quer dizer que não será mais que isso no futuro.
E não é que os palestinos estariam cedendo muito. A análise tem que ser de outra forma. A pergunta é: a correlação de forças ao nosso lado e a nosso favor nos permite algo além do que isso? Na prática, acho que nem isso existe correlação de forças para ser conquistado. Mas, devemos perseverar. Pessoalmente, acho que a criação do Estado, qualquer que seja o tamanho, é a tarefa mais importante da atualidade. Tenho dito para companheiros militantes da causa palestina com que atuamos em SP, que a melhor forma de prestarmos solidariedade a esse povo, é apoiando a criação do seu Estado.
Por fim, acho que, em perspectivas, podemos sim sonhar em um estado único, binacional, onde se falam pelo menos duas línguas e onde se praticam livremente muitas religiões, em especial a islâmica, cristã e judaica. Que seja um estado laico, democrático, com partidos organizados onde participem árabes e judeus. Quem vencer venceu e formará seu governo. Que vivam em paz, como fora na antiguidade da lenda bíblica. É utopia? Pode ser, mas devemos sonhar com isso. Agora se o nome será Israel ou Palestina é tema para depois. Não vejo outra forma. Afinal, são sete milhões de judeus e sete de palestinos. Que vivam em paz. Ironia do destino, quem pregou um estado único, foi o Khadafi. Certa vez escreveu um artigo com o título “Isralatina”, uma combinação de Israel com Palestina ou algo assim.
DL: Esses ataques a Gaza, executados pela extrema-direita que governa Israel, tem alguma relação com os planos de Benjamin Netanyahu de atacar o Irã?
LM: Acho que esse ataque esta cada vez mais distante. Isso é obra de ficção. Netanyahu usou o programa nuclear para fins pacíficos do Irã – atestados por onze agências de inteligência dos EUA – como forma clara de desviar a atenção do mundo do problema palestino e das negociações de paz e da criação do seu estado. Enganou, com apoio da mídia pró-sionismo – o mundo todo ou parte dele. Não se pode enganar a todos o tempo todo. Atacar o Irã precisa ter não só o apoio político dos EUA, mas estes têm que participar com seus armamentos e aviação sofistica. Israel sozinho não conseguirá nunca isso.
Essa solução encontra-se em completo descrédito. Não prospera. Espero que não, sinceramente, sob pena de vermos o OM em completa e total ebulição.
DL: Como o senhor analisa as declarações do Brasil, dos países latino-americanos progressistas e dos árabes, historicamente aliados da causa palestina, sobre os últimos acontecimentos?
LM: A presidente Dilma, da mesma forma que o ex-presidente Lula, apoiam com firmeza a causa palestina. Lula reconheceu o Estado da Palestina em 10 de dezembro de 2010. Foi o primeiro país da América Latina. Depois do Brasil, todos reconhecem. Por isso, nossa esperança que a Assembleia da ONU desta semana vença por mais de 140 votos a admissão da Palestina no concerto das nações.
A posição da Dilma no massacre de Gaza também foi decisiva para a trégua, que a mídia chama de cessar fogo, assinado pelos EUA e Egito (repare que nem Israel nem o Hamas assinaram). A voz da presidente é muito respeitada. Por ser mulher, por ser ideologicamente coerente, pelo seu passado e pela sua popularidade. Dilma esta ao lado dos palestinos.
DL: Como está o processo de solidariedade à causa palestina e as vítimas do conflito, atualmente no Brasil?
LM: Como havia dito, no Brasil participamos de um Comitê pelo Estado da Palestina, que foi lançado em SP em 29 de agosto passado, com 200 pessoas e é integrado por 62 entidades, dos quais 30 nacionais. Temos todas às seis centrais legalizadas como membros do CEP, mais os principais partidos políticos de esquerda, como o PT, PCdoB, PSB, PPL e todas as entidades nacionais de estudantes, mulheres, negros, bairros, jovens.
Vamos abrir na cidade de Porto alegre esta semana no dia 29 de novembro, o 1º Fórum Social Mundial Palestina Livre – FSMPL, na qual esperamos cinco mil pessoas de 50 países. Teremos muitas conferências internacionais e mais de 200 autogestionadas. Pela primeira vez um FSM é organizado pelos movimentos sociais e não pelas ONGs. Tivemos pressões dos sionistas para a sua não realização, mas estão todas superadas.
A abertura será na quinta, dia 29/11, a partir das 17h com uma passeata na qual esperamos dez mil pessoas. Na mesma noite desse dia, às 21h, teremos um show com cantores famosos do mundo árabe e de Porto Alegre, na qual esperamos vinte mil pessoas.
Na sexta, dia 30, às 16h30, na Usina do Gasômetro, onde cabem mil pessoas, faremos a nossa Plenária Nacional pelo Estado da Palestina. Presidentes de partidos e centrais sindicais, autoridades como o prefeito e o governador do Estado poderão estar presentes. A OLP mandará representantes e o corpo diplomático também. Esperamos traçar nossa ação para os próximos anos, em especial pretendemos realizar duas missões de solidariedade à Palestina, nos moldes da 1ª Missão que fizemos agora em junho com seis pessoas. A 2ª, já marcada para 24 de março a 2 de abril, deve levar 40 pessoas.
Nossa ideia no FSMPL é debater a necessidade da realização de um 2º FSM específico da Palestina, podendo ter até um Comitê Organizador Internacional. Vamos tirar uma Carta de Porto Alegre. Bem, pelo menos é isso que tenho visto nos debates em curso. Estarei na cidade a partir desta segunda, 26 dando minha modesta contribuição, em nome da CTB a qual represento na comissão organizadora nacional.
DL: Qual o recado que o senhor deixa para os e as leitoras do Diário Liberdade que estão lendo a entrevista e indignadas (os) com situação atual?
LM: Que dediquem pelo menos uma parte do seu tempo à militância da solidariedade aos palestinos. Sei que temos muitas causas justas na humanidade e todas merecem atenção das pessoas. No entanto, talvez a mais antiga e maior da atualidade seja a desse povo sob ocupação do 4º maior exército do mundo, que é Israel, que tem por trás de si o imperialismo estadunidense.
Vale a pena ser solidária e solidário. Organizem comitês de solidariedade, em especial em relação ao pleito do Estado. Ainda mais se ele for criado, precisamos fortalecê-lo ainda mais, estabelecer cooperação internacional com países e governos e mesmo organizações de massa. Ajudar de forma humanitária com educação (docentes) e saúde (médicos). Sindicalistas devem visitar a Palestina como nós pretendemos criar essa “onda de solidariedade”, tal qual fizemos com Cuba na década de 1960 e 1970, onde íamos colher cana, agora vamos ajudar na colheita das azeitonas, entre outras tarefas.
Fonte: Diário Liberdade.
*Entrevista realizada por Sturt Silva para o Diário Liberdade