Luiz Manfredini: Vidas, veredas: paixão
Por quase 12 meses – entre julho de 2011 e meados de 2012 – esquadrinhei a memória de muitos dos que, nos últimos 30 anos, lutaram contra a ditadura e pela transformação socialista do Brasil nas fileiras do PCdoB. Foram cerca de 40 entrevistas presenciais e mais de 60 depoimentos enviados por escrito e um ingente esforço de pesquisa histórica.
Por Luiz Manfredini*
Publicado 27/11/2012 08:39
Nasceu daí o livro Vidas, veredas: paixão, lançado pela Editora Anita Garibaldi, sob o patrocínio do Departamento Nacional de Quadros da Secretaria Nacional de Organização do PCdoB e da Fundação Maurício Grabois.
Em 260 páginas, o livro descortina amplo mosaico da obstinada luta dos comunistas brasileiros num dos cenários mais dramáticos e complexos da história do nosso país no século 20: a ditadura militar (1964-85), incluindo os anos iniciais da reconstrução democrática. Vidas, veredas: paixão mostra como, ao longo dos 21 anos em que viveu sob o tacão da ditadura, a sociedade brasileira abrigou, em seus subterrâneos, uma vida célere, quase afoita, destilando sonhos, paixão e lutas. Eram, em sua expressiva maioria, “jovens que construíam a resistência à ditadura e a luta pelo socialismo no vasto continente brasileiro, ora aqui, ora a distâncias insondáveis, ora sob as sombras da clandestinidade, ora mais à vista, mas sempre sob riscos”. Eram os comunistas, como de hábito à frente das lutas de resistência e de transformação social.
O que torna o livro verdadeiramente singular é sua abordagem. No cenário da luta revolucionária, ocupa-se menos da análise política e histórica do que das pessoas, das vivências individuais, dos dramas e tragédias de homens e mulheres comuns cuja entrega à luta por liberdade e justiça social as tornou incomuns. Por que foram essas pessoas, com a decisiva carga das suas individualidades, que portaram e aplicaram as ideias revolucionárias de modo bastante peculiar. Tal abordagem não seria possível senão numa narrativa entre o jornalismo e a literatura.
Como afirma Adalberto Monteiro, Fabiana Costa e Walter Sorrentino, organizadores da publicação, “o papel dos indivíduos, ao contrário de certo mito constituído na história do movimento comunista, é determinante; não à moda de ‘homens de aço’, mas de gente de carne e osso. A individualidade é soma e não subtração quando se fala de solidariedade entre os seres humanos. Estender a concepção materialista do mundo à esfera da concepção da natureza humana, do grandioso enredo da vida e da personalidade de cada um, é um aporte enriquecedor. O partido não é um pensamento abstrato, e sim materializado em homens e mulheres determinados, suas estórias pessoais, idiossincrasias, sua humanidade, enfim”.
Assim, das páginas de Vidas, veredas: paixão saltam passagens inusitadas, como a luta do ex-deputado federal Haroldo Lima contra ratazanas no casebre que ocupava na zona do cacau, ou Renato Rabelo, a mulher Conchita e a filha Nina vivendo como camponeses pobres no sertão de Goiás, ou ainda a prisão do casal de filhos de Aldo Arantes no interior de Alagoas, onde ele dirigia uma escola clandestina de formação de camponeses para a luta armada. E mais: Ronald Freitas e Carlos Augusto Diógenes, o Patinhas, enfurnados na selva amazônica do Acre preparando áreas para a guerrilha, ou os 74 dias do suplício de Alanir Cardoso nas prisões da ditadura.
Mas o livro desvenda também situações hilárias, como a breve tentativa de resistência ao golpe militar de 1964 por um grupo de não mais que 20 jovens liderados por Haroldo Lima, em Feira de Santana, na Bahia, dispondo para tanto, além da indignação e o vigor juvenil, de uma Kombi, dois revólveres e uma espingarda. Ou a viagem do jovem amazonense Eron Bezerra à Marabá, no Pará, em busca do PCdoB e da guerrilha do Araguaia, imaginando a cidade coalhada de guerrilheiros, bandeiras vermelhas e hinos revolucionários, quando estava tomada por policiais e militares.
Como afirmam os organizadores de Vidas, veredas: paixão em relação aos protagonistas do relato, “a agulha e a linha que lhes alinhavou os destinos foram a de uma organização política em prol de democracia e progresso social. De vários pontos de partida, com grande força desde a vida estudantil, elas ousaram. Arrostaram rupturas de vida precoces, romperam barreiras culturais, sociais e profissionais, em detrimento de um futuro individual imediato, com a audácia de almejar a revolução do estado de coisas existente”.
Devo dizer, por fim, que ao percorrer essas lembranças, naveguei por minha própria memória de revolucionário, minha vivência pessoal encontrou e identificou-se com a de muitos outros no curso dessa excepcional aventura humana que tem sido o processo da revolução brasileira.
* Luiz Manfredini é jornalista e escritor paranaense, autor de As moças de Minas, Memória de Neblina, Sonhos, utopias e armas e Vidas, veredas: paixão.