Prazer, poesia
Será publicada ainda este ano a antologia com dez livros que mapeiam a poesia brasileira. Nesta entrevista, o responsável pelo projeto, o editor Sergio Cohn, fala sobre os poetas contemporâneos, o cenário em que eles estão inseridos e a coletânea dos anos 2000.
Por: Thiago Camelo
Publicado 23/11/2012 17:13
Ana Martins Marques, Fabiano Calixto, Angélica Freitas, Marcelo Montenegro. O que têm em comum? São poetas que despontaram nos anos 2000. Será que esses nomes dizem alguma coisa, são reconhecidos ou passam incólumes pela maioria?
Sergio Cohn, criador da Azougue Editorial – e também poeta –, crê na opção mais pessimista: esses autores talvez não tenham ressoado como deveriam. Assim, produziu uma antologia de poetas dos anos 2000, que contará com 16 expoentes da poesia contemporânea. São autores que talvez não tenham ressoado como deveriam.
A obra fará parte de um projeto maior e mais ambicioso: uma caixa com dez livros que pretendem mapear toda a poesia brasileira. O projeto tem como ponto de entrada – e saída – os cantos ameríndios (registrados apenas nos últimos anos, mas com tradição milenar), passa pela poesia colonial, pelo romantismo, pelo modernismo, pelas vanguardas das décadas seguintes, pelos anos 1980 e 1990 e chega, finalmente, aos anos 2000. Boa parte das dez compilações contará com poemas de 16 expoentes de cada período.
O trabalho editorial hercúleo levou dois anos para ficar pronto. Chama-se Poesia.br. Não é por acaso que o nome do projeto evoca um portal da internet. O Poesia.br era para ser mais do que uma caixa com dez livros. Antes financiado com recursos do Ministério da Cultura, tinha como meta, além do lançamento das antologias, a organização de diversos debates sobre poesia ao redor do país e, por fim, a criação de uma página – Poesia.br – que serviria para mapear e discutir a poesia contemporânea do país. Isso foi à época em que Juca Ferreira era ministro. Depois que Ana de Hollanda o sucedeu, conta Cohn, o projeto foi cancelado. Só que, a essa altura, o editor já estava no meio da pesquisa para a coletânea. Resolveu seguir sozinho, bancar os gastos. Os debates e o site ficaram para um segundo momento. “Talvez se alguém resolver investir e se eu tiver estômago para essa ofensiva emocional”, diz.
A caixa, no entanto, sairá ainda neste ano. Custará R$ 89. Menos de R$ 100 por dez livros? “Quis fazer um projeto acessível, é uma forma de permitir a poesia chegar a mais pessoas”, explica Cohn.
A conversa com Sergio Cohn se deteve, principalmente, na antologia dos anos 2000, na (in)existência de espaços no mercado para a poesia contemporânea e nos 16 poetas escolhidos. Não que não haja mais autores. O próprio editor assume que existem muitos outros. “Tentei, na medida do possível, escolher um poeta que representasse um grupo de outros poetas de referências próximas – são 16 pequenos microcosmos, 16 dicções diferentes.”
Sérgio Cohn
Pergunta: Qual foi o critério de escolha dos autores?
Sergio Cohn: Escolhi os poetas mais representativos de certos ambientes. Há campos de força na poesia dos anos 2000, autores que dialogam como amigos e também dentro da própria poesia. Tentei escolher um poeta representativo de cada grupo, de cada campo de força. É uma escolha complicada apontar qual poeta vai representar um tipo de voz, uma dicção. Mas não tem jeito. Se eu não fizesse isso, correria o risco de fortalecer, dentro da antologia, uma das dicções em detrimento de outra. Queria apontar 16 pequenos microcosmos que não se repetissem.
P: Mas na antologia dos anos 2000 alguns autores parecem estabelecer algum diálogo poético…
SC: É claro que tem autores que se somam. Ana Martins Marques e Fabrício Corsaletti se somam. Eles dialogam, por exemplo, pela editora forte que os representa [Cia. das Letras]. Isso dá a eles um alcance de público muito maior. São autores que acabaram dialogando mais com o leitor, tiveram as obras potencializadas. Mas também são diferentes entre si. A Ana é mais sóbria, contida, tem o acabamento perfeito da poesia. Você lê a poesia dela e não vê o que retocar. Há nela um lirismo também. O Fabrício trata tudo com mais irreverência, são temas mais soltos dentro do poema. Ele permite desvios. Está na sua linha de interesse poder errar, fazer um poema com um verso truncado…
Outros poetas também dialogam. Fabiano Calixto e Eduardo Sterzi, Bruna Beber e Angélica Freitas… Mas todos eles têm claras diferenças entre si. É impossível não haver um mínimo de diálogo entre eles, mas tentei ao máximo identificar os campos de força de cada um, a tal ‘voz que representa um grupo’.
P: Há alguma característica comum a todos esses “campos de força”?
SC: A característica mais interessante nos poetas dos anos 2000 é a irreverência. E isso é uma grande virada se formos pegar a poesia dos anos 1990, calcada no bom fazer poético, na erudição. A poesia dos anos 1990 demonstra o tempo todo a capacidade literária, a fatura poética.
Nos anos 2000, chega a Angélica Freitas e fala: “Vamos chutar a bunda da Gertrude Stein”. Dane-se a literatura. Estamos nos anos 2000 num outro jogo. Estamos de volta à irreverência.
O Marcelo Montenegro, por exemplo, faz uma série de referências pop. Ao mesmo tempo, é bastante claro que ele sabe muito de literatura. Ele inclusive brinca um pouco com isso, é irreverente. Em nenhum momento tenta demonstrar o saber. Em geral, os poetas dos anos 2000 não sacralizam a literatura.
P: Há pouco tempo, você fez comentário – quase um desabafo – no Facebook a favor da poesia contemporânea. Chamou críticos de preguiçosos e defendeu a importância do que é dito pelos poetas dos anos 2000. Além da “crítica preguiçosa”, citada por você, há outra razão para essa propalada perda de relevância da poesia brasileira atual?
SC: Essa é uma pergunta complicada. Tento pensar historicamente e, no Brasil, os poetas sempre estiveram no centro de atuação. Peguemos por exemplo dos modernos para cá. Não tem como pensar as artes visuais e a música brasileira sem o Mário de Andrade, não tem como pensar a bossa nova sem o Vinicius de Morais, a tropicália sem o Torquato Neto e o Capinam, a música dos anos 1970 sem Waly Salomão, o rock dos anos 1980 sem o Chacal e o Bernardo Vilhena… E daí, paralisa. De repente, a partir de 1990, a poesia brasileira sai de cena, deixa de ser um ponto de referência, de diálogo com o mundo. Os poetas brasileiros deixam de ter ressonância.
P: Por quê?
SC: A minha impressão é que a partir dos anos 1990 os poetas se tornaram livrescos. Pararam de se pensar enquanto mundo e passaram a se pensar enquanto livro. A poesia se intimidou, se recolheu. Parece que nos anos 1990 os poetas resolveram voltar à torre de marfim. Ficaram herméticos. Não à toa, dois livros representativos desse período manifestam a dificuldade de comunicação no título: Os dias gagos (Claudia Roquette-Pinto) e Colapsus linguae (Carlito Azevedo). É a ruptura total. No fim, alguns poetas voltam a escrever soneto! Esse recolhimento, essa falta de diálogo com o mundo, se estendeu aos poetas dos anos 2000. Não digo isso quanto à temática ou à qualidade, porque eles estão ‘dentro do mundo’, mas critico a postura afastada em relação às outras artes. É possível que Angélica Freitas e Fabrício Corsaletti integrem as frases das agendas escolares no futuro. Mas ao menos atualmente não há o poeta pop, aquele que faz as canções que tocam no rádio. Essa timidez, essa falta de diálogo estético com as outras áreas, e até com as novas tecnologias, é evidente!
P: Você, no prefácio da antologia, diz que é raro encontrar uma poesia, entre os autores surgidos no começo dos anos 2000, que explore recursos sonoros, plásticos, audiovisuais, interativos ou de autoria aberta…
SC: É estranho, né? Até porque a maioria ali começou a escrever em blogues. Parece que não existe diálogo com as novas tecnologias na poesia brasileira. Ou, se existe, é um diálogo escasso. Na música você tem a autoria aberta, o sampler, a vontade de retrabalhar, de se perder em meio a novos trabalhos, perder a própria autoria. Cadê isso na poesia? Cadê a dissolução da autoria? Você tem até experiências de alguns poetas com poesia interativa. Mas não há propostas, por exemplo, de fazer poemas coletivos. Nas artes visuais há trabalhos coletivos maravilhosos. A perda de relevância frente aos outros artistas e frente à sociedade passa por isso, não tenho dúvida.
P: E ainda existe público para a poesia?
SC: É uma questão que deve ser investigada. Eu acho que o público existe. Vários fatores, no entanto, fazem força para o contrário. Veja só a minha questão: para fazer a antologia dos anos 2000, por exemplo, tive que comprar todos os livros. Comprei livros dos 16 autores. Cada livro custou em média R$ 25. Ou seja, só de saída gastei R$ 400. Vamos admitir, pois sou editor e sei: há uma conta errada. Como pedir para o público comprar um livro tão caro? Como querer constituir um público assim?
P: E há solução?
SC: Não sei se existe uma solução, mas eu tenho algumas ideias. Realmente acho que a poesia não deveria ser vendida de forma industrial no Brasil. Acho que o livro industrial deveria ser o último artifício.
A poesia deveria ser vendida como obra de arte. Deveria adotar sua raridade enquanto valor, e não como empecilho. Se você sabe que um livro de um jovem poeta vende apenas 100 exemplares, faço-o então como obra de arte única – uma edição superbacana, assinada, numerada, ilustrada por um bom artista. Ou então, faça a poesia como pôster, como gravura mesmo. Uma bela impressão, que possa ir para a parede.
Talvez, dessa forma, o poema ganhe espaço numa livraria, vire rentável, aí sim é possível vender a poesia por um preço um pouco mais caro. Terá muito mais leitores do que um livro na estante, que nunca será aberto. A poesia não tem leitores? A poesia deve buscar os seus leitores. Acho que falta isso à geração 2000, essa vontade de se fazer ler.
P: Mas a sua antologia será lançada num formato mais convencional e a preço mais acessível, certo?
SC: É, é convencional. Até porque nem há dinheiro para lançá-la de outra maneira. Mas eu acredito nas antologias. É uma forma também de criar mercado para a poesia. Veja como seria legal se cada poeta lançasse vários livros de arte como esses que estou falando e, alguns anos depois, houvesse uma antologia a preço popular juntando os melhores poemas.
P: E a crítica, como se coloca nesse cenário?
SC: A crítica brasileira sempre teve o hábito de bater, falar mal. Sempre foi uma crítica para afirmar algo por meio da humilhação do outro. Isso desde o início do século passado. Para falar bem do modernismo, teve que se acabar com o barroco, com o romantismo. Hoje é necessário parar e olhar para trás, rever inclusive as críticas feitas a esses estilos. Há coisas lindas no romantismo e no barroco. Não precisamos continuar reproduzindo as opiniões de críticos de quase um século atrás. Nem precisamos, também, ter a postura de certos críticos na década de 1990, que elegeram certos autores com declarações do tipo: “Na época em que ele foi meu aluno, foi o melhor”. Não precisamos de apadrinhamento. Precisamos de críticos que tenham vontade de fazer um mapeamento, um ensaio de peso. Não adianta também criticar, esporadicamente, um poeta.
P: Você acha que as críticas ainda são muito agressivas?
SC: Hoje se critica tão pouco poesia… Quando há críticas, elas aparecem por meio de elogios isolados ou críticas severas. E não há mais necessidade de ser assim. Não precisamos mais escolher uma escola e negar todo o resto, eleger um autor e negar todo o resto. O [professor e poeta] Ítalo Moriconi diz que, depois da morte de João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, a poesia brasileira – e também a crítica – ficou livre. Hoje realmente é possível ler Augusto de Campos de manhã, Ferreira Gullar à tarde e Roberto Piva à noite. Sem ter o que negar com tanta veemência, não há mais razão para ser tão agressivo. A crítica pode ser agora afetiva. Sou a favor de uma crítica menos bélica.
P: Como você enxerga o diálogo da poesia brasileira com o mercado de outros países?
SC: A minha impressão é que, em poesia, estamos 40 anos atrasados em tradução. Diga três autores jovens argentinos traduzidos no Brasil. Três mexicanos? Não há! Temos o plano, e já estamos trabalhando nisso, de lançar uma antologia de poetas de Portugal e depois da Argentina. Queremos fazer no mesmo molde dessa coletânea brasileira, mapear todos os períodos. Existe uma demanda, precisamos conhecer minimamente a poesia desses países tão próximos de nós.
A lista dos 16 poetas escolhidos para a antologia dos anos 2000 organizada pela Azougue:
•Ana Martins Marques (Belo Horizonte, 1977)
•André Dick (Porto Alegre, 1976)
•Angélica Freitas (Pelotas, RS, 1973)
•Bruna Beber (Rio de Janeiro, 1984)
•Camila do Valle (Leopoldina, MG, 1973)
•Danilo Monteiro (São Paulo, 1975)
•Douglas Diegues (Rio de Janeiro, 1965)
•Eduardo Sterzi (Porto Alegre, 1973)
•Ericson Pires (Rio de Janeiro, 1970)
•Fabiano Calixto (Garanhuns, PE, 1973)
•Fabrício Corsaletti (Santo Anastácio, SP, 1978)
•Leonardo Gandolfi (Rio de Janeiro, 1981)
•Luis Maffei (Brasília, 1974)
•Marcelo Montenegro (São Caetano do Sul, SP, 1971)
•Micheliny Verunschk (Recife, 1973)
•Rodrigo Petronio (São Paulo, 1975)
Fonte: Revista Ciência Hoje On-line