Marabá sedia audiência pública sobre a Guerrilha do Araguaia

O Comitê Paraense pela Memória, Verdade e Justiça e a Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA) realizam na próxima sexta-feira (16) e sábado (17), em Marabá, no Pará, uma audiência pública da Comissão Nacional da Verdade. O evento busca o restabelecimento da verdade em relação aos atos de torturas, desaparecimentos e mortes praticados por agentes da ditadura militar na região durante a repressão à Guerrilha do Araguaia (1972-1975).

Além da participação de camponeses, indígenas e militantes de direitos humanos, integrarão o encontro os representantes da Comissão Nacional da Verdade, Maria Rita Kehl, Claudio Fonteles e Paulo Sérgio Pinheiro. A convite dos organizadores da atividade, a jornalista Mariana Viel, editora de Brasil do Portal Vermelho, viaja até a cidade paraense para acompanhar os relatos e os resultados da reunião.

Em entrevista ao Vermelho, o representante do PCdoB no Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) e um dos organizadores do encontro, Paulo Fonteles Filho, explica que o processo de construção da audiência começou em setembro deste ano — durante o evento realizado em Belém para apuração da repressão política na capital paraense. Desde então, foram promovidos encontros em diversas cidades para mobilizar os moradores locais. “Estamos percorrendo a região e já realizamos grandes reuniões na Palestina do Pará, Boa Vista do Araguaia e São Geraldo. Os camponeses estão bem mobilizados para a atividade”, afirma.

Segundo o presidente da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, Sezostrys Alves da Costa, que também integra a coordenação do evento, a colaboração dos camponeses do Araguaia nos trabalhos de esclarecimento dos crimes cometidos por militares na região tem tido grande destaque. “Além de termos enviado aos membros da CNV vários depoimentos de ex-soldados sobre o processo das Operações Limpeza, colocamos camponeses atingidos pela repressão política naqueles dias de chumbo em contato com Maria Rita Kehl [representante da comissão] quando ela esteve aqui para acompanhar o Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) em outubro deste ano”.

Um dos focos da reunião deste final de semana será a questão dos índios Suruís, que também foram fatalmente atingidos pela repressão. Há relatos de que eles foram obrigados a servir as tropas oficiais como mateiros e que muitas mulheres foram vítimas de violência sexual. “O interessante nos Suruís, que quase desapareceram nos anos de 1960 e 1970, são suas novas lideranças, como é o caso dos caciques Elton e Mairá, bastante jovens, com bom nível político e absolutamente comprometidos com a causa de seu povo”, conta Sezostrys.

“Acontece que a questão dos indígenas no país durante a ditadura permanece como algo invisível. Só agora vamos tomando noção dessas questões, como é o caso dos Waimiri-Atroari, no Amazonas. Segundo denúncias recentes, mais de dois mil índios desapareceram, fruto da utilização de bombardeios de napalm e de agente laranja, crime hediondo praticado pelos generais que deram a quartelada em 1964”, completa Fonteles.

O principal resultado desta mobilização será a criação da Comissão da Verdade Suruí, a primeira do país do ponto de vista indígena. “Todos os envolvidos naquele processo já foram ouvidos e publicados, até agentes da repressão já escreveram sobre aqueles dias, menos os indígenas. É preciso, inclusive, acessar os arquivos da Funai para a necessária comprovação da militarização da questão indígena durante a ditadura. Infelizmente, nenhum indígena no Brasil teve qualquer reparação econômica, apesar do esforço que têm feito a Comissão da Anistia, do Ministério da Justiça”.

Araguaia

O Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) — coordenado pelos Ministérios da Defesa, Justiça e Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, com a participação de familiares, técnicos em diversas áreas, consultores da Unesco, universidades e pelo PCdoB — tem conseguido dar respostas de alto nível a esse clamor nacional sobre a questão dos desaparecidos políticos no Brasil. Tal empreendimento substituiu outro grupo, o Grupo de Trabalho Tocantins, dirigido apenas pelo Ministério da Defesa.

“É preciso que se diga que esse esforço é fruto da decisão corajosa da juíza federal Solange Salgado que obriga a União a localizar e identificar os que tombaram naquela imensa luta libertária. Além disso, há a obrigação de saber como se deram essas mortes e os responsáveis pelo desaparecimento de dezenas e dezenas de brasileiros”, ressalta Fonteles.

Os resultados dos trabalhos de buscas pelas ossadas dos ex-guerrilheiros têm avançado desde início das expedições na região. Em 2009 e em 2010 foram encontradas apenas um despojo humano. Já em 2011 foram localizados cinco restos mortais e em 2012, houve o resgate de nove ossadas nos cemitérios de Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA), provavelmente guerrilheiros araguaianos.

O trabalho no Araguaia vai revelando um modus-operandi comum na ditadura brasileira, o sepultamento dos desaparecimentos políticos em sítios mortuários, se é verdade isso no Araguaia é verdade também em Vila Formosa (SP). Uma parcela significativa destes lutadores do povo está sepultada nestes locais, no geral como indigentes. Há indicações que levam a vários outros cemitérios, como em Marabá, Belém, Brasília, Araguaína e São Paulo.

Passados 27 anos do fim da ditadura brasileira, o processo de reconciliação do país não tem ocorrido dtranquilamente. Além do silêncio dos agentes que participaram dos brutais assassinatos e das operações para ocultar os restos mortais, ainda hoje militantes de direitos humanos e testemunhas têm sido ameaçados.

“O processo não tem sido tranquilo. Já houve muita pressão. Desde intimidações até o estranho assassinato de Raimundo Clarindo, o “Cacaúba”, ex-mateiro que em maio do ano passado decidiu informar sobre o que sabia e dois meses depois apareceu assassinado na Serra Pelada (PA). Isso depois de uma reunião do Major Curió naquela localidade. Há um ano deixaram uma vela acesa nos fundos da casa em que eu morava em São Domingos do Araguaia. Durante toda a madrugada rondaram aquela casa, comigo e com o Paulo lá dentro”, conta Sezostrys.

Futuro de luta

Para Fonteles, o sentimento rege os envolvidos nesse processo de busca pela verdade é de que a luta está apenas começando e que deverá se projetar para o futuro. “Para se compreender esse processo é preciso ter em mente que a atuação do PCdoB nesta luta procura realizar três tarefas fundamentais e inadiáveis”.

A primeira delas é contribuir para o avanço da Comissão Nacional da Verdade e as informações sobre os acontecimentos no Araguaia. “Nosso Partido, creio, deve atuar para realizar essa tarefa de dimensão democrática. Devemos atuar sempre em defesa da memória e da história para forjar nas futuras gerações a consciência da importância das liberdades democráticas e das conquistas alcançadas até aqui. Vacinar a consciência dos brasileiros é fundamental para que não haja mais golpes, como de 64. Todos os dias a grande mídia, os lacerdistas destes tempos, procuram derrotar os avanços conquistados durante os governos de Lula e Dilma. Nossa atuação deve preconizar a criação de uma espécie de sistema de Comissões da Verdade, em universidades, em empresas públicas, na imprensa, em municípios e estados. Com mais gente debruçada sobre o tema mais avanços teremos”, defende Fonteles.

A segunda tarefa é da reparação econômica dos camponeses e indígenas no Araguaia. “Travamos uma grande luta para suspender a liminar que inviabilizou, por dois anos, a Anistia dos camponeses. Neste tempo, seis anistiados foram a óbito. Tem gente, como os Bolsonaros, que acordam cedo para nos retirar esse direito, já reconhecido pelo governo brasileiro. Então, devemos acordar mais cedo ainda e fazer a luta acontecer. Há mais de duzentos processos em Brasília aguardando julgamento”, lembra Sezostrys. A expectativa para 2013 é de retomada dos trabalhos da Comissão da Anistia e de sua caravana ao Araguaia.

Finalmente, a terceira tarefa apontada por Sezostrys e Fonteles é de localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos e realizar o direito secular das famílias de sepultar aqueles heróis, famosos ou anônimos, com as honras de nossa época. “A continuidade do GTA é uma necessidade democrática e decisiva para a realização desta tarefa histórica”.

Da redação