Jornalismo esportivo: nem mulheres nem fontes
Ao redor do mundo, o jornalismo esportivo tem o costume de simplesmente ignorar temas como política esportiva, financiamento do esporte, esporte amador e, no caso do Brasil, até os preparativos para os megaeventos que o país vai sediar nos próximos anos. Também não costuma consultar mais de uma fonte para seus artigos e mantém uma hegemonia masculina, tanto nos autores quanto no foco das matérias.
Por Ciro Barros, no blog CopaPública
Publicado 08/11/2012 18:22
Essas são algumas das conclusões da pesquisa “International Sports Press Survey” (ISPS, sigla em inglês para Pesquisa Internacional sobre a Imprensa Esportiva numa tradução livre), feita pelos acadêmicos alemães Jörg-Uwe Nieland, da German Sport University, e Thomas Horky, da Macromedia University for Media and Communication, em parceria com o Danish Institute for Sport Studies (Idan) – instituto de pesquisa esportiva independente, financiado pelo Ministério da Cultura da Dinamarca. No estudo, foram analisadas 18.340 matérias de 81 jornais, em 23 países, de abril a julho de 2011. Os países analisados foram: Austrália, Brasil, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, França, Alemanha, Grécia, África do Sul, Índia, Malásia, Nepal, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Romênia, Escócia, Cingapura, República Eslovaca, Eslovenia, Suíça Francesa, Suíça Alemã e Estados Unidos.
A pesquisa ainda não foi publicada na íntegra, mas alguns dados e conclusões iniciais foram divulgados no último dia 24, no seminário “Mega-eventos e democracia: riscos e oportunidades”, parte da conferência internacional Play The Game de transparência e democracia no esporte.
Segundo o estudo, três assuntos dominaram os jornais analisados neste período: resultados ou crônicas de jogos ou partidas (de futebol ou não); performance esportiva de atletas ou times (quebra de recordes, período de invencibilidade de uma equipe) e prévias de competições (prognósticos a respeito de resultados de um torneio, quem tem mais chances, quem tem menos, etc.). Juntos, chegaram a 77,7% das matérias publicadas. Política esportiva e financiamento do esporte corresponderam a apenas 5,8% do conteúdo publicado em todo o mundo.
O futebol foi a modalidade mais noticiada pelos jornais, com 40,5% das publicações do período. O tênis, segundo esporte mais abordado pelos jornais em todo o mundo, ficou com o índice de apenas 7,6%. Em regiões como América do Sul, Europa e África do Sul, o futebol chegou a atingir índices entre 50 e 85% de predominância em todos os artigos esportivos.
Outro dado importante é que essa cobertura é feita quase que exclusivamente por homens: apenas 11% dos artigos analisados foram escritos por mulheres. E a concentração de gênero não se restringe aos autores dos textos, mas também ao objetivo deles. Cerca de 85% das matérias focaram em um atleta homem.
Segundo a pesquisa, os jornalistas esportivos também não costumam escutar muitas fontes. Em mais de 40% dos artigos analisados, apenas uma fonte foi ouvida e uma em cada quatro matérias não usou fonte alguma. Técnicos e atletas representam quase a metade das fontes ouvidas. Pessoas ligadas ao governo e pesquisadores acadêmicos tiveram índices quase inexpressivos.
No Brasil
A pesquisadora Tatiane Hilgemberg, especialista em gestão do esporte pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), reuniu alguns dados a respeito da mídia brasileira para a International Sports Press Survey. Tatiane analisou três tipos de jornais: um nacional, um regional e um tablóide. Os jornais avaliados foram O Globo (nacional), Tribuna de Minas (regional) e Meia-Hora (tablóide), também no período entre abril e julho de 2011.
Por aqui, o futebol foi tema de 74,6% das matérias analisadas sendo, de longe, o mais abordado. O segundo esporte mais veiculado foi a Fórmula 1, com 3,3%.
“As conclusões preliminares mostraram que o futebol está massivamente presente na mídia analisada, e os temas giram sempre em torno das performances e resultados de partidas”, constata a pesquisadora. “Os preparativos, tanto para a Copa quanto para os Jogos Olímpicos, estiveram presentes na análise, porém ambos perderam espaço para a cobertura do Campeonato Brasileiro ou da Libertadores”, explica. Segundo os dados, 72% das matérias publicadas a respeito de esporte focaram prévias de jogos, competições, torneios, resultados e relatos de jogos ou competições e a performance de jogadores e times.
Mesmo em um momento decisivo na preparação para os megaeventos, alguns aspectos importantes para uma fiscalização correta parecem ter sido ignorados. O financiamento público do esporte, por exemplo, foi um tema que apareceu apenas em 0,9% das matérias esportivas. Política esportiva apareceu em 0,8% dos textos. Juntos, esses temas não chegam nem a dez por cento do que foi destinado a resultados de jogos e de competições. A cobertura específica a respeito dos megaeventos teve um índice de apenas 2,6%.
O modelo se reflete nas fontes utilizadas pelos jornais. Políticos ou instituições governamentais foram ouvidos em apenas 1% das matérias. “Percebi também que a maioria das matérias de esporte não estão assinadas”, completa Hilgemberg. “E as que estão assinadas são, em sua maioria, de autoria masculina.” Nos artigos assinados, 93% eram feitos por um homem e somente 7% por uma mulher. No mundo, o índice foi de 88% das matérias assinadas por homens e apenas 11% por mulheres.
Diante das conclusões da parte brasileira do estudo, a pesquisadora aponta que a imprensa vem deixando de exercer o seu papel de “cão-de-guarda” de um patrimônio cultural, político e econômico tão importante quanto o esporte. “Há pouquíssima informação sobre política, economia ou transparência. Ou seja, a imprensa não tem cumprido seu papel de fiscal”, conclui.
Fonte: Agência Pública