Agricultura poderá livrar América do Sul da pobreza
O desenvolvimento da agricultura, associado à aplicação de inovações tecnológicas, servirá para que a América Latina deixe de ser a região mais desigual do mundo, e beneficiará especialmente o Cone Sul, uma das maiores reservas alimentares da humanidade.
Por Fabíola Ortiz, da Terramérica
Publicado 30/10/2012 08:52
“Olha-se para o Cone Sul com muito interesse como reserva alimentar, mas ainda não podemos saber com precisão até onde chega o potencial de nossa região” nesse sentido, disse ao Terramérica o secretário executivo do Programa Cooperativo para o Desenvolvimento Tecnológico, Agroalimentar e Agroindustrial do Cone Sul (Procisur), Emilio Ruz.
Na última década, a população mundial aumentou em mais de um bilhão de pessoas, destacou Ruz. Com o crescimento demográfico, a demanda por alimentos também disparou, bem como a consequente necessidade de geração de energia. “Há um futuro muito estimulante para o Cone Sul americano, porque a agricultura será, pela primeira vez, uma atividade de primeira linha graças à crescente demanda por alimentos. Antes, era apenas a prima pobre da economia”, acrescentou.
A atividade rural é capaz hoje de oferecer condições para melhorar a qualidade de vida dos que trabalham e habitam no campo, assegurou Ruz, que na qualidade de representante do Procisur participa da Segunda Conferência Mundial sobre Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento, que acontece entre 29 de outubro e 1º de novembro, na cidade uruguaia de Punta del Este. O encontro reúne especialistas, técnicos, autoridades e protagonistas do setor, e é organizado pelo Fórum Mundial sobre Pesquisa Agrícola, em colaboração com o Consórcio CGIAR.
Para Ruz, “ainda há uma parte que cabe aos setores políticos, que tomam as decisões, para que essas melhoras se concretizem”. Além disso, e devido aos grandes investimentos, o setor rural na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai é uma ferramenta para a redução da pobreza, ressaltou. Quanto à Europa, tem ocupadas suas áreas agrícolas, enquanto os países asiáticos também apresentam terras praticamente saturadas para o cultivo, além de estarem expostas a constantes desastres naturais.
“Então, resta uma parte da África subsaariana com um potencial importante, e o Cone Sul da América, que ainda possui áreas para poder expandir sua agricultura ou iniciar um processo de intensificação do uso sustentável do solo. Isto é, conta com um espaço para melhorar a produtividade”, disse Ruz. Os países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) ainda oferecem áreas com alto potencial para a produção de alimentos, afirmou.
As possibilidades de crescimento do setor agrícola no Cone Sul são muito grandes e aumentarão nas próximas três ou quatro décadas, prevê o pesquisador brasileiro Sérgio Salles Filho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele trabalha há 12 anos em associação com o Procisur e nos últimos tempos contribuiu com Ruz no estudo Possíveis Cenários para a Pesquisa, a Inovação e o Desenvolvimento nos Países do Cone Sul.
O estudo, que será apresentado no fórum de Punta del Este, buscou traçar o futuro e a tendência da agricultura nos países da região, conhecer o potencial das reservas de alimentos, a evolução das populações rurais e quais são as possíveis vias de desenvolvimento do setor. Países como os do Mercosul, Bolívia e Chile têm na agricultura uma atividade econômica fundamental ao abastecerem os mercados europeus e asiáticos, afirmou Salles Filho ao Terramérica.
A segurança alimentar e a produção agrícola mais sustentável devem passar pela incorporação de inovação tecnológica nas áreas rurais, observou o pesquisador. Atualmente, a região já se tornou um atrativo para esse tipo de investimento. As inovações tecnológicas ocorrem na medida em que avançam as condições econômicas e de mercado, explicou Ruz, e “é evidente que há um processo de inovação na agricultura”, acrescentou.
As áreas rurais atravessam uma transformação em busca de uma “agricultura de precisão” e mais inteligente, que seja capaz de empregar máquinas de última geração, manter um sistema de armazenamento e logística, além de aplicar insumos de acordo com a especificidade de cada terra e utilizar de forma mais eficiente os recursos ambientais. Para conseguir isto, “temos que fazer com que a tecnologia, o uso do solo, das máquinas e das telecomunicações, bem como a biotecnologia conversem entre si”, ressaltou Ruz.
O secretário executivo do Procisur admitiu que ainda é um desafio compatibilizar a produção agrícola e a sustentabilidade, bem como aliar a preservação ambiental com a segurança alimentar. Porém, afirmou que esta compatibilidade “é real”, e enfatizou que “é perfeitamente possível intensificar, otimizar e fazer um uso muito eficiente dos recursos, com alto conhecimento ecológico e mantendo o equilíbrio sem causar uma deterioração muito grande do meio ambiente”.
Entretanto, para que seja viável, é preciso ter contextos institucionais. “Precisa haver uma regulação sobre como manejar estes temas controversos”, opinou Ruz. Também alertou que “os governos devem se preparar cientificamente, com o máximo de informação, e o uso da tecnologia deve ter um apoio técnico, regulatório, sem causar nenhum dano à saúde humana, ao meio ambiente ou à economia dos países”.
Por sua vez, Salles Filho, otimista, vislumbra “uma drástica redução da pobreza graças ao aumento da produção em grande escala, em paralelo ao dinamismo que adquirirá a pequena atividade agrícola profissionalizada e focada em nichos específicos, como a uva e o vinho no Chile, Uruguai e Argentina, e uma pecuária especializada nestes dois últimos países”.
*Título do Portal Vermelho