Estados Unidos: Novas ameaças, velha hegemonia

Embora admita que “não pode ser uma solução de longo prazo”, Washington insiste em potencializar as forças armadas do restante da América para enfrentar “novas ameaças”, incluindo a insegurança social. Porém, ativistas alertam que é apenas outra forma de manter a velha supremacia. A nova estratégia dos Estados Unidos é bem conhecida de muitos ativistas.

Por Raúl Pierri, da IPS

ministros de defesa - Raúl Pierri/IPS

“O que busca o governo desse país é utilizar as forças armadas latino-americanas como sempre usou: para seus próprios interesses e não para a segurança do povo”, disse à IPS o defensor dos direitos humanos argentino, Adolfo Pérez Esquivel, em conversa telefônica desde Buenos Aires.

Antes, Washington esgrimia o fantasma do comunismo, e agora, em uma região com grande número de governos de esquerda, usa como pretexto problemáticas comuns, como o narcotráfico, para garantir seu predomínio, afirmou o ativista, ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1980. Desse modo, Esquivel se colocou contra o exposto pelo enviado do governo de Barack Obama à 10ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, realizada este mês em Ciudad del Este, que defendeu a nova política militar norte-americana para a região, que contempla garantir alianças bilaterais e multilaterais com seus vizinhos.

“Nas últimas duas décadas nossos povos, nossas economias, nossas culturas e nossos valores se tornaram mais conectados, não apenas por sermos vizinhos, mas porque somos uma única família no Hemisfério”, afirmou na sessão inaugural da Conferência o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta. E todos os membros de uma família devem colaborar diante dos desafios comuns, que agora se apresentam “multifacetados e maliciosos”, acrescentou.

A nova Política de Defesa do Hemisfério Ocidental, divulgada no dia 3 deste mês, traça os planos norte-americanos para enfrentar o narcotráfico, o terrorismo, o crime organizado internacional, os crimes no ciberespaço e os desastres naturais. Esquivel encabeça a campanha “América Latina e Caribe, uma região de paz: fora as bases militares!”, que se colocou contrária à Conferência de Punta del Este e à estratégia norte-americana. Seus defensores rechaçam a política de envolver as forças armadas no controle da insegurança social.

“Os assuntos de segurança interna são de absoluta competência da polícia, por isso devem permanecer sob sua órbita, com estrito controle e respeito aos direitos humanos”, destacou a Campanha em uma declaração. O próprio Panetta admitiu na cúpula do Uruguai que “o uso de militares para realizar tarefas de manutenção da ordem civil não pode ser uma solução de longo prazo”. No entanto, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos prometeu continuar apoiando as forças militares dos diferentes países da região para combater as “novas ameaças”, até que os corpos civis estejam capacitados para assumir esse papel.

O embuste do narcotráfico

O secretário acrescentou que, “na qualidade de sócio, os Estados Unidos farão tudo o que puderem para cobrir as brechas de capacitação entre as forças armadas e as forças da ordem”. Sobre a ação militar contra o narcotráfico, Esquivel afirmou: “Nunca encontram os grandes negociantes, os grandes traficantes da morte, que são os que realmente manejam o problema da droga. Então, é preciso ver o que acontece. Aí também há cumplicidade dentro das forças armadas com o tráfico. Vimos isto na Colômbia, no México e em outros países”.

No México, o governo conservador de Fernando Calderón enviou mais de 60 mil militares para combater o narcotráfico. Contudo, organizações humanitárias afirmam que essa campanha, apoiada por Washington, é um fracasso, custou a vida de 70 mil pessoas e forçou outras 250 mil a abandonarem suas casas. Os Estados Unidos também apoiam desde 2000 o Plano Colômbia, antidrogas e contrainsurgente. E em Honduras o governo direitista de Porfirio Lobo leva adiante um projeto para criar a Tropa de Inteligência e Grupo de Resposta Especial de Segurança (Tigres), no contexto de uma estratégia para militarizar a luta contra o crime.

Nesses três países proliferam as denúncias contra militares por violações dos direitos humanos. “Em matéria de segurança, o que se pede ao Estado é que vele pelos direitos humanos das pessoas que vão receber essa segurança”, disse à IPS a diretora-executiva da Anistia Internacional Uruguai, Mariana Labastie. “O que se cobra é a observação do devido processo, que não ocorram detenções ilegais e que a lei vigente não vulnere os direitos das pessoas, como a liberdade de reunião, a liberdade de expressão ou a livre circulação”, destacou.

Independência

Entretanto, a pressão norte-americana para concretizar seus planos estratégicos não encontrou a receptividade esperada entre as nações latino-americanas. As delegações dos 28 países presentes, dos 34 que integram o fórum, não conseguiram consenso em vários temas. Inicialmente, havia coincidência quanto à necessidade de propor passos concretos para reformar o sistema interamericano de defesa e suas instituições, que datam da Guerra Fria, mas os ministros se limitaram a pedir à Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratar do assunto “de forma categórica”.

Não houve acordo sobre o futuro da Junta Interamericana de Defesa (JID), de 1942, que os Estados Unidos queriam reformar, nem sobre o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), criado cinco anos mais tarde e agora questionado por Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela, e abandonado pelo México em 2002. Entretanto, houve unanimidade quanto às missões de paz. A Conferência propôs a integração de civis, que sejam contemplados assuntos de gênero e melhor treinamento das forças que participarem delas.

Também foi aprovada por maioria, e após duro debate, a criação de um Sistema Cooperativo de Assistência Humanitária diante de desastres naturais, iniciativa chilena apoiada por Estados Unidos e Canadá. A participação neste mecanismo terá caráter voluntário. O tema que causou debate mais intenso foi a reclamação argentina pelas Ilhas Malvinas e sua denúncia das operações marítimas da Grã-Bretanha. Finalmente, na declaração final da Conferência, os países da região, com a reserva de Canadá e Estados Unidos, se comprometeram a promover a paz no sul do Oceano Atlântico e apoiaram o chamado da OEA no sentido de se buscar uma solução diplomática para a disputa.

*Intertítulos do Vermelho