Meninas indígenas mexicanas condenadas a viver como adultas
Desatendidas pelo setor da saúde e submetidas por práticas machistas, no México as adolescentes indígenas não têm direito de decidir sobre seus corpos, entre as realidades que as relegam e discriminam em matéria de direitos.
Por Guadalupe Cruz Jaimes, da IPS
Publicado 23/10/2012 09:08
Sem informação em saúde sexual e reprodutiva, sem acesso a anticoncepcionais e carentes de oportunidades de estudo, além de sofrerem os “usos e costumes” de seus povos que as tratam como objetos, as meninas indígenas das comunidades rurais são obrigadas a “assumir uma vida adulta, sendo menores de idade”.
No México, segundo denúncias de defensoras dos direitos reprodutivos, há localidades indígenas onde a gravidez de adolescentes quintuplicou em um único ano. Griselda Arroyo, líder da Rede pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos (Ddeser) no Vale do Mezquital, no Estado de Hidalgo, alerta que, na comunidade otomí de Capula, a gravidez prematura aumentou cinco vezes em menos de um ano, passando de oito gestações entre adolescentes de 12 a 18 anos, para 40, até setembro.
Arroyo também alerta que, diante da falta de serviços de saúde que informem sobre direitos sexuais e reprodutivos nas áreas rurais, organizações civis assumiram a missão de orientar as meninas e as jovens para evitar gravidez não planejada. Por isso, promotoras da Ddeser realizam painéis em Capula, de apenas 300 habitantes, no município de Ixmiquilpan.
A cada ano, em nível nacional, há mais de 300 mil partos de jovens de 12 a 19 anos, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia. A taxa aumenta nas comunidades rurais, onde 8,9% das adolescentes têm ao menos um filho vivo, enquanto em áreas urbanas a porcentagem é de 7,2%, segundo o Censo de População e Moradia 2010. Esta situação se deve ao fato de as adolescentes de populações rurais e indígenas terem menor acesso a informações e métodos de controle de natalidade, bem como a oportunidades de educação e trabalho que tenham impacto nas decisões sobre sua vida sexual.
Por ocasião do Dia Internacional das Mulheres Rurais, no dia 15, ativistas mexicanas denunciaram que a falta de educação sexual e os escassos serviços de saúde “amigáveis” – isto é, com atenção adequada – para adolescentes no setor rural limitam o exercício de seus direitos. Arroyo explica que, paradoxalmente, com o agravamento da gravidez precoce em Capula, deixou de funcionar de maneira adequada o Centro de Atenção Rural ao Adolescente, vinculado ao Instituto Mexicano de Assistência Social (IMSS), nessa localidade.
Sem saúde
A líder da Ddeser denuncia que o pessoal do IMSS exige que os jovens estejam afiliados ao Instituto ou à Secretaria de Saúde para serem atendidos. Além disso, “quando vão pedir informação ou anticoncepcional, contam que são informados de que devem passar por um médico clínico”. Mayra Peña, promotora de direitos sexuais e reprodutivos em Capula, explica que, com base em um pesquisa sobre serviço de saúde em quatro estados, persiste nas clínicas os maus-tratos contra a população adolescente.
A pesquisa, realizada em 2011 pelas organizações Ddeser e Igualdade de Gênero, Cidadania, Trabalho e Família, detalha que no Estado de Guerrero há 42 serviços “amigáveis” para adolescentes, e em Hidalgo 24, enquanto em Chiapas e Oaxada há menos de dez. Em 32 clínicas, desses Estados, para atender as adolescentes são exigidos “requisitos necessários”, como estarem acompanhadas por um adulto ou serem beneficiárias do programa Oportunidades.
Em algumas unidades, as jovens devem esperar até três horas para serem atendidas. Além disso, carecem de um espaço onde sua privacidade seja respeitada durante as consultas. “São atendidas na sala de espera diante de outras pessoas, ou em um consultório com a porta aberta”, afirmou Peña. A isso se soma a falta de capacitação do pessoal de saúde, já que metade dos diretores das clínicas afirma que as mães e os pais devem ser informados quando suas filhas e filhos solicitam anticoncepcionais.
O pessoal sanitário também é incapaz de dar informação completa sobre infecções de transmissão sexual e gravidez em adolescentes. E, ainda, fornecem orientação errada sobre métodos como a pílula anticoncepcional de emergência, útil para prevenir gravidez em caso de violação sexual. A situação piora com os “usos e costumes” que são obstáculos aos direitos sexuais e reprodutivos das adolescentes rurais, alertou Peña.
Em Capula, diz a ativista, “ainda há o costume de venda de meninas. Quando uma família tem escassos recursos e há um adulto interessado em uma adolescente, até com 12 anos, os pais fazem com que se juntem”. Em troca a família recebe ajuda econômica para poder plantar. Assim, são violados os direitos sexuais das jovens, “pois nem mesmo podem escolher seu parceiro”. E isto se repete em Guerrero e Oaxaca. Envolverde/IPS
* Este artigo foi publicado originalmente pela agência mexicana de notícias de Comunicação e Informação da Mulher AC, Cimac.