Os bares de São Paulo: Posilippo

Vi nos jornais que vai entrar em cartaz um filme sobre Hiroito Joanides, que foi considerado o “Rei da Boca”, em São Paulo. Boca, ou Boca do Lixo, era o apelido da região de baixa prostituição localizada num pedaço da rua Aurora e adjacências.

Por Mouzar Benedito

Posilippo

Hiroito era um caso raro: brasileiro sem nenhuma ascendência nipônica com nome japonês. É interessante. Tem brasileiro descendente de índios, africanos e portugueses com nomes ingleses, franceses, espanhóis, suecos, alemães, árabes e judeus, mas não nunca vi nenhum com nome japonês, a não ser o Hiroito, bandido famoso que fugiu de um cerco policial ao treme-treme da Paim digno dos cercos feitos ao Meneghetti em outros tempos. Fugiu vestido de mulher, contaria depois.

Ele era paranaense, e seu nome se deve à admiração que seu pai tinha pelo imperador Hiroito, na época da Segunda Guerra. Franzino, culto, ele se tornaria em São Paulo o mais temido “bandido” na década de 1950.

Já tinha ouvido falar dele, quando apareceu na redação do jornal Versus, em Pinheiros, um irmão dele, com um monte de livros de filosofia. Hiroito estava preso e o irmão, que estava duro, resolveu vender os livros. Eram raridades, vendidas a preço de banana. Eu ainda o preveni: “Não faça isso, o Hiroito vai ficar furioso quando sair da cadeia”. Mas ele precisava de grana e não quis saber. Vi todo mundo comprando belíssimos livros por uns trocados e acabei comprando alguns também.

E vi que realmente Hiroito era mesmo um intelectual. Os livros de filosofia que comprei, daqueles bem grossos, estavam repletos de grifos e comentários escritos a mão em todas as páginas.

Bom, lembrando do Hiroito, lembrei-me também do Posilippo, restaurante que ficava ao lado do treme-treme da rua Paim (pertinho do Teatro Maria Della Costa), onde ele viveu e aprontou algumas.

Era um restaurante histórico, de comida gostosa e farta, por preços razoáveis, infelizmente abandonou sua localização na rua Paim e foi para o Itaim, onde perdeu a graça. Fui lá só uma vez e achei péssimo. Já me disseram que acabou fechando, não conferi.

Nos tempos da rua Paim, de vez em quando eu ia lá tomar vinho, à noite. Aos domingos, ia também, mas às vezes encontrava todas as mesas ocupadas. Seu enorme espaço era lotado por famílias inteiras e por desgarrados moradores do centro.

A localização, considerada perigosa por alguns, era um charme a mais. No treme-treme ao seu lado, de quitinetes simples e quase sempre superlotadas por pessoas pobres, conviviam trabalhadores comuns, estudantes, prostitutas e também alguns marginais. Hiroito deve ter frequentado bastante o Posilippo.

Nas paredes do restaurante, fotos históricas, de personalidades importantes da Pauliceia. Tudo quanto é político paulista, desde o início do século 20, já havia passado pelo Posilippo. Dentro dele, depois da morte dos jovens Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, num protesto contra o governo Getúlio Vargas, em 1932, os estudantes se reuniram para criar o MMDC, com as iniciais dos quatro mortos, e insuflar o povo para fazer a Revolução Constitucionalista. Aliás, essa sigla valorosa para os paulistas não é bem entendida pelos de fora. Quando cheguei aqui, em 1963, passando de ônibus pelo Butantã, vi que uma rua se chamava MMDC e perguntei curioso ao Toninho, meu irmão mais velho:

— Por que essa rua se chama 2.600?

— Como?

— Olha lá, tá escrito 2.600 em algarismos romanos.

Ele deu risada e me explicou o significado da sigla histórica