A África e o eterno sonho com a ONU
Após 20 anos de negociações sobre a ampliação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), mandatários africanos questionaram que não se responda à sua intenção com dois assentos permanentes nesse organismo do poder mundial.
Por Thalif Deen, da IPS
Publicado 19/10/2012 10:19

Quando os mais de 40 governantes africanos subiram, em setembro, ao pódio nas sessões da Assembleia Geral da ONU, uma esmagadora maioria deles criticou o fato de os postos permanentes do Conselho de Segurança continuarem apenas nas mãos de China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.
A demanda africana de contar com pelo menos duas cadeiras permanentes com poder de veto e cinco não permanentes, acordada por seus líderes em março de 2005, é um sonho ainda mais distante da realidade. “A formação e as relações de poder do Conselho de Segurança são anacrônicas e desiguais”, disse à IPS Kwame Akonor, professor-adjunto de ciência política na Seton Hall University, dos Estados Unidos, que escreve sobre a política e a economia do continente africano.
Qualquer reforma significativa que aspire mudar a constituição do Conselho ou seus procedimentos enfrentará feroz resistência dos cinco membros permanentes, que têm poder de veto, advertiu Akonor, também diretor do Centro para os Estudos Africanos e do Instituto para o Desenvolvimento Africano, com sede em Nova York.
Ao falar na Assembleia Geral, a presidente de Malawi, Joyce Banda, lembrou que a África constitui a maior região dentro da ONU e que uma proporção muito significativa dos assuntos debatidos no Conselho de Segurança lhe diz respeito. Mas a histórica demanda da África ainda está no limbo, acrescentou.
O presidente de Zimbábue, Robert Mugabe, foi um dos mais enfáticos ao reclamar a representação no Conselho de Segurança. “Quanto tempo mais a comunidade internacional continuará ignorando as aspirações de todo um continente de 54 países?”, perguntou. “Isto é boa governança? Isto é democracia? Isto é justiça? Não nos subornarão com promessas vazias, nem aceitaremos alguns ajustes cosméticos do Conselho de Segurança disfarçados como reforma”, questionou.
O presidente de Gâmbia, Yahya Jammeh, declarou: “Nossa segurança coletiva continuará sendo prejudicada por considerações geopolíticas até encontrarmos a coragem para reformar o Conselho de Segurança”. A reclamação por uma representação permanente no Conselho também constou do discurso de outros líderes da África, como os da Guiné Equatorial, República Centro-Africana e Tanzânia.
Em reunião realizada em março de 2005 na Etiópia, a União Africana (UA), que representa praticamente todos os Estados do continente, adotou uma resolução reclamando duas cadeiras permanentes e cinco não permanentes no Conselho. Mas a UA não identificou os dois países que ocupariam os postos permanentes porque esse era, e continua sendo, um assunto controvertido. Essas cadeiras são reclamadas por África do Sul, Nigéria e Egito, entre outros Estados.
Vaga permanente e poder de veto
A resolução apresentou as seguintes condições: apesar de a África ser contra, em princípio, ao veto, considera que, mesmo com ele existindo e por uma questão de justiça comum, deveria estar disponível para todos os membros permanentes do Conselho de Segurança. Em segundo lugar, a UA deveria ser responsável pela escolha de representantes africanos no Conselho de Segurança. E, o mais importante, os critérios para a seleção desses delegados deveriam ser determinados pela UA, considerando representatividade e capacidade dos escolhidos.
Akonor explicou à IPS que, para a África, o assunto é mais tenso porque parece não se chegar a um acordo sobre qual país, ou países, deveria representá-la no Conselho de Segurança. “A paralisia entre os dirigentes africanos no tocante a como o continente será representando contribui para marginalizá-lo dos debates sobre qualquer medida plausível de reforma”, destacou. Uma solução, prosseguiu, é que os Estados africanos levem a sério o conceito de pax africana e dependem de si mesmos na hora de estabelecer, aplicar e consolidar sua própria paz e segurança.
Segundo as negociações atuais, há quatro países, do G-4, que estão na primeira linha para as cadeiras permanentes: Brasil, Índia, Alemanha e Japão. Um observador político de longa data, que acompanha as negociações, afirmou à IPS que a resposta simples é que o G-4 nunca assumiu com os países africanos um compromisso firme de que haveria duas cadeiras africanas (com poder de veto). Posteriormente, o G-4 abandonou sua aposta pelo poder de veto, tendo acesso a uma nova categoria de “cadeiras permanentes sem poder de veto”. Mas isto não é aceitável para o grupo africano.
Se os africanos tivessem se colocado ao lado do G-4, teriam obtido a maioria necessária, de dois terços na Assembleia Geral, para impulsionar sua cobrança por duas vagas permanentes, observou Akonor. Gabriel Odima, presidente do Centro da África para a Paz e a Democracia, afirmou à IPS que, sem dúvida, o Ocidente marginaliza o continente africano. E também culpou os líderes africanos pelo statu quo. A pobreza e os conflitos são as ferramentas básicas e as forças econômicas que sepultam a África há anos, opinou.
“A corrupção em países como Uganda, Nigéria e Quênia são uma oportunidade para que os principais atores no Conselho de Segurança impeçam a África de ocupar as duas vagas permanentes”, ressaltou Odima. A falta de democracia, os abusos contra os direitos humanos e a má governança continuam prejudicando os esforços da África para ter um papel importante no cenário mundial, segundo Odima.
“Como seriam possíveis (as vagas permanentes no Conselho) quando o continente não conseguiu impedir o massacre na República Democrática do Congo, as violações dos direitos humanos em Uganda e a crise que se avizinha no Quênia? Como isto seria possível, quando os líderes africanos não conseguem lidar com seus próprios assuntos dentro de seus países?”, questionou.
A comunidade internacional deveria ajudar a África a deixar de lado o estigma do legado colonial para passar a ser uma sociedade viável onde a fome já não seja uma ameaça à existência humana, onde as listas de votação substituam as armas e onde os ditadores sejam levados à justiça e condenados pelas atrocidades que cometeram contra seus povos, enfatizou Odima.
Fonte: Envolverde/IPS