Na guerra entre polícia e PCC, a vítima é o estado de direito
O governador Geraldo Alckmin tem afirmado que nas ações policiais só morre quem reage. Seu secretário de segurança diz que há muita fantasia sobre as atividades do PCC.
Por Marcelo Semer*
Publicado 11/10/2012 10:46
Mas com base no volume de mortes de policiais e de outras tantas aparentes execuções no Estado, a imprensa tem retratado um verdadeiro clima de guerra entre a PM e a facção criminosa.
No meio do tiroteio vai ficar o próprio estado de direito.
Não podemos entender como normal que policiais a nosso serviço sejam assassinados por vingança, nem criar estruturas oficiais ou paralelas de execução por causa disso.
Atenuar a existência de uma quadrilha organizada não faz com que o crime diminua –o próprio PCC já foi dado como extinto outras vezes pelo mesmo governo, sem sucesso.
Mas a violência policial também não é forma legítima para reagir a qualquer espécie de crime –só contribui para aumentar ainda mais a escalada da violência.
Quando o país teve por política o uso frequente de torturas e execuções para proteger a “segurança nacional”, nós nos vimos mergulhados em uma feroz ditadura por mais de vinte anos.
As consequências de toda violência são profundas e irreversíveis, sobretudo para suas vítimas. Mas nenhum crime é capaz de pagar por outro.
Membros da mesma facção criminosa já foram condenados pelo covarde homicídio de um juiz de direito em São Paulo. Agora é a violência policial que vai ao banco dos réus pelo bárbaro assassinato de uma juíza no Rio de Janeiro.
O discurso conservador surfa na onda do medo criado pela alta na criminalidade, estimulado fortemente na mídia. Mas as soluções que propõe são justamente aquelas que produzem os resultados mais desastrosos.
A rigidez trazida pela Lei dos Crimes Hediondos fez dobrar a população carcerária no Estado em dez anos, sem reduzir em nada os crimes que levaram a maior parte dos réus à cadeia.
O severo regime disciplinar diferenciado mais reforçou do que coibiu o fortalecimento das facções –é só ver o que o era o PCC antes e depois da criação do RDD.
A ideia recorrente de que prisão deve ser transformada em um profundo sofrimento e mal-estar (como se atualmente fosse “um hotel cinco estrelas”) só aprofunda a precarização da situação carcerária.
A imensa omissão do Estado na conservação dos direitos dos presos é o grande estimulador dos comandos internos, por meio dos quais líderes subjugam os mais fracos e vendem vantagens e proteções.
A prisionalização excessiva de jovens primários por crimes menos graves fornece, enfim, um enorme exército de mão de obra para vitaminar as facções. O crime organizado agradece.
Em algum momento vamos compreender que a repressão desmedida não favorece a redução da criminalidade, só a aumenta. Que não seja tarde demais.
*Marcelo Semer é juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
Fonte: Terra Magazine
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