Bresser-Pereira: Eleições brasileiras, cotas, mérito e democracia
Desde a transição democrática, em 1985, a sociedade brasileira tornou-se melhor. Não tanto no plano econômico, onde o progresso foi modesto, mas nos planos social e político, onde os avanços foram grandes.
Por Luiz Carlos Bresser-Pereira*
Publicado 11/10/2012 10:05
Somos ainda uma sociedade injusta, mas a desigualdade diminuiu; somos ainda uma sociedade autoritária, mas agora os eleitores pobres têm voz e são respeitados; somos ainda uma sociedade elitista, mas nos demos conta desse fato, e estamos tentando construir, mais do que um Estado democrático, também uma sociedade democrática.
Talvez a demonstração mais extraordinária dessa mudança de atitude foi a aprovação no Congresso Nacional e a sanção pela presidenta Dilma da lei que estabeleceu uma cota geral de 50% das vagas nas universidades públicas e escolas técnicas federais para os estudantes das escolas públicas oriundos de famílias com até um salário mínimo e meio per capita.
O que imediatamente me ocorreu, ao ver os deputados e senadores aprovarem uma lei com alto conteúdo democrático e humano como é esta, foi que os brasileiros não se deixaram perverter pelo individualismo feroz dos 30 Anos Neoliberais do Capitalismo (1979-2008). Que, não obstante as críticas insistentes que os ricos e a classe média tradicional vêm fazendo à política de cotas, as ideias de solidariedade e de coesão social falaram mais alto no Brasil.
E que seus representantes no parlamento, hoje tão prejudicados em sua imagem, souberam compreender esse fato.
Mas “essa política não considera o mérito”, dizem os críticos conservadores. Mérito medido de que maneira? Mérito medido em exames vestibulares, quando o último IDEB para o ensino médio foi de 3,5 para os alunos das escolas públicas contra 5,7 para as escolas privadas? Essa diferença brutal deixa muito clara a imensa desvantagem dos pobres na competição para chegar ao ensino superior no Brasil. Portanto, em termos de justiça, a política de cotas está corretíssima.
Mas estará essa política correta em termos de eficiência, entendida esta como o melhor uso dos recursos humanos do país? Não estaríamos com ela dificultando que os jovens com maior potencial cheguem à universidade? Pelo contrário, argumento que a política de cotas dá oportunidade aos melhores.
Se supusermos que, em termos de potencial inato, os estudantes das escolas públicas e particulares são em média igualmente inteligentes e criativos, é necessário concluir que os 2% de alunos mais brilhantes dos 80% por cento das escolas públicas são, em média, mais capazes que os mesmos 2% dos 20% das escolas particulares.
Com a política de cotas as universidades que tomaram a iniciativa de adotá-las, os brasileiros, e agora o parlamento brasileiro que as torna obrigatórias não estão sendo apenas democráticos e solidários; não estão apenas pensando em justiça. O argumento da justiça já seria suficiente para justificá-la, mas quando a ele se soma o do mérito associado ao do potencial, a política de cotas ganha plena inteligibilidade e legitimidade.
*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia.
Fonte: Unegro