Valeria Luiselli, o próximo Bolaño?

No passado, sofria mais o leitor interessado em literatura latino-americana que quisesse ir além dos clássicos autores. Hoje em dia, escritores jovens, recém-publicados e com obras elogiadas não demoram muito a aparecer por aqui. É o caso de Valeria Luiselli, jovem mexicana cujo primeiro romance, Rostos na multidão, conquistou críticos e leitores do mundo inteiro

Por Camila Moraes

Valeria Luiselli

O livro, recentemente lançado no Brasil pela editora Alfaguara, foi apontado como uma das melhores entregas literárias de 2011, e sua autora, como um dos nomes mais significativos e “pra ficar de olho” da literatura produzida atualmente na América Latina. Não é à toa: Luiselli, com uma estreia segura e atraente, figura entre nomes fortes da cena mexicana atual, como Guillermo Quijas, Guadalupe Nettel, Daniela Tarazona e Álvaro Enrigue.

Narrado por duas vozes em dois tempos, Rostos na multidão acompanha as trajetórias paralelas, porém relacionadas, de uma jovem editora mexicana e do poeta Gilberto Owen, também mexicano. Os dois têm no metrô de Nova York seu principal ponto de encontro – imaginário, já que vivem em épocas diferentes – e no fato de estarem ambos “desaparecendo de suas próprias vidas”. Ela, mãe de dois filhos que tenta equilibrar família e escrita, relata seu passado de profissional solteira e errática, quando era obcecada pela figura de Owen. Ele, Owen, narra seu próprio fim, doente e distanciando-se dos filhos e da ex-mulher enquanto vive suas aventuras literárias.

A história tem caráter episódico, anedótico e, sem cair em armadilhas de metalinguagem, explora com profundidade e de maneira moderna a própria arte de escrever. “Interessava-me evidenciar como a ficção modifica a realidade, não só como modificamos a realidade para construirmos uma ficção”, explicou a autora. Ela, mãe de uma filha, nega que a história seja autobiográfica, apesar de assumir que a realidade lhe servia de inspiração, como o fato da personagem feminina se debater entre maternidade e criatividade.

Próximo Bolaño?

Outros aspectos da realidade são tecidos com habilidade no romance de Valeria Luiselli. Um exemplo é o fato de que, em Rostos na multidão, assim como na vida real, fala-se de uma expectativa constante em relação ao “próximo Bolaño”, sempre que o assunto é América Latina.

Incumbida dessa busca é que a protagonista encontra rastros de Gilberto Owen e termina ficando obcecada por ele.

Roberto Bolaño, escritor e poeta chileno radicado no México e morto em 2003, ganhou fama mundial com Os detetives selvagens, romance urbano do final da década de 90 repleto de referências à literatura (em especial, à poesia) e que se destaca especialmente pela forma, que dá complexidade à trama.

Não à toa, o mesmo estilo pode ser atribuído a Luiselli, cuja obra é atenta às mesmas preocupações (realidade urbana, referências à literatura e preocupação com a forma )e não se enquadra na atual tendência mexicana – que é explorar o universo da violência e do narcotráfico.

“A literatura que me interessa é extraterritorial”, diz a autora, que hoje vive entre México e Estados Unidos e diz sentir-se melhor como estrangeira. Será ela mesma, finalmente, o próximo Bolaño?

Fonte: Opera Mundi