Depois do voto da mulher, a busca é por maior representatividade

Um evento em São Paulo reuniu mulheres em torno de um importante tema neste momento em que o país inteiro escolherá seus representantes municipais: o seminário “Os 80 anos do Voto Feminino, Balanço e Perspectivas”. Promovido pela Secretaria Nacional da Mulher do PCdoB, na sexta-feira (28), o encontro levantou questões históricas sobre o fato e uma discussão sobre a atuação da mulher hoje. Depois do voto, a busca por maior representatividade na política.


Seminário 80 anos do Voto Feminino, Balanço e Perspectivas / fotos: Rafael Neddermeyer -divulgação

A secretária da Mulher, Liege Rocha, abriu o seminário na parte da manhã, fazendo um resgate histórico da trajetória da mulher. Além de nomes importantes como Bertha Lutz que, depois de cursar Biologia na Europa, chegou no Brasil influenciada por ideais iluministas e contribuiu com o movimento sufragista de mulheres.

“A gente não ter a dimensão do significado do que seja votar. O voto é o exercício da cidadania e também da construção da democracia. Como diz Jô Moraes, uma das grandes conquistas das mulheres é o direito de escolha. E pensar nisso naquela época era de fato um pensamento avançado, quando mal tínhamos acesso à educação”, destacou Liege, lembrando que as mulheres já estavam organizadas desde o século 19 pelo direito à educação e que, hoje, dois séculos depois, a mulher tem nível de escolaridade maior que o do homem e é maioria em muitos cursos de graduação. “Por isso que a luta da emancipação das mulheres é a mais longa da história da humanidade”, completou a secretária nacional.

Liege também lembrou a importância de garantir autonomia à mulher, enxergando, por exemplo, a maternidade como função social, lembrando que é papel do Estado.


Legenda: Liege Rocha, secretária nacional da Mulher do PCdoB

“É uma responsabilidade não somente da mãe, do pai, mas também do estado de garantir a creche, o ensino em tempo integral e uma série de questões que garantem a autonomia da mulher”, ponderou Liege Rocha.

Foi no dia 24 de fevereiro de 1932 que o Decreto nº 21.076 foi assinado pelo presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. De lá pra cá, algumas conquistas são relatadas como a primeira mulher eleita deputada federal, Carlota Pereira de Queirós (1892-1982), que tomou posse em 1934 e chegou a participar de trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte.

Entre 1937, com a implantação do Estado Novo, houve uma grande perda das liberdades democráticas , que só foram retomadas na democratização, em 1946. Mas, nenhuma mulher foi eleita para a Câmara. Somente na década de 1980 que o panorama começa a melhorar nesse aspecto. Em 1986, foram eleitas 26 deputadas federais, 32 em 1994, 42 em 2002 e 45 deputadas em 2006 e também em 2010. O número, no entanto, representa 9% dos 513 deputados da Câmara Federal. No cenário internacional, segundo ranking da Inter-Parliamentary Union (IPU), o Brasil está em 142º lugar, perdendo para quase todos os países do continente americano, empatando com Panamá, estando à frente somente do Haiti e Belize. No mundo, o Brasil perde para o Iraque, Afeganistão, além de estar a uma grande distância de outros países de lingua portuguesa como Angola, Moçambique e Timor Leste.

Questões de gênero

O seminário trouxe à tona questões relacionadas à igualdade de gênero, bastante debatidas entre as participantes.

“ Sempre ouvi falar das mães solteiras. Mas e o pai onde está? Talvez esse pai nem seja solteiro, seja casado. Então acho uma violência, uma agressão à mulher esse rótulo. Mãe é mãe”, declarou a aposentada Nélia Matias Joanne, conhecida como Nelly, que aos 81 anos reforça a importância da participação da mulher na política e “na vida”.

Nelly enfrentou uma realidade de preconceito com a mãe, que ficou viúva muito cedo e precisou sair com a filha da cidade natal, em Coroados, próximo de Birigui, no interior do estado de São Paulo para a cidade grande. Aos 12 anos foi para Lins, onde começou a trabalhar em casa de família.

“Comecei a trabalhar de empregada doméstica, era muito mau tratada, e minha mãe também precisou trabalhar depois que meu pai morreu, aos 33 anos. Ela [a mãe] sozinha conseguiu aprender a ler algumas coisas. Por isso, eu sempre quis dar estudo aos filhos”, relatou Nelly.

Com quatro anos de escolaridade, ela votou pela primeira vez aos 26 anos, em 1957, grávida do primeiro filho do casamento que durou 54 anos. “Já era voto obrigatório para as mulheres, mas nunca votei por obrigação. Eu me achei importante e continuo me achando. Quando a mulher vai votar, e eu ainda voto, ela se sente mais poderosa. Mas, antes, no começo, eu perguntava para outras mulheres: em quem você vai votar? E elas diziam: ainda não perguntei para o meu marido”, lembrou Nelly, que é viúva há quatro anos e que compartilhava o sonho de “dar estudo aos filhos” com o marido.

O sonho se realizou e hoje seus dois filhos são pós-graduados e um deles é cientista no Instituto de Pesquisa Federal, em Campinas – interior paulista.

Conquista de todos


Ana Martins durante intervenção no seminário promovido pelo PCdoB

Quando se fala na conquista do voto da mulher geralmente se esquece que foi graças a luta feminista que homens que ainda não votavam até então passaram a participar do processo eleitoral. Quem lembrou disso ao Vermelho foi a comunista Ana Martins, vereadora pela cidade de São Paulo por 10 anos e deputada estadual por um mandato, e atual candidata.

Ana Martins, que sempre saiu em defesa dos direitos da população mais carente, lembrou que os trabalhadores, os ex-escravos não podiam votar até então.

“Naquela época, até 1932, somente homens com grande poder aquisitivo votavam. Os trabalhadores não votavam, os ex-escravos não votavam. Foi a luta da mulher que conquistou o sufrágio universal. Foi uma conquista, portanto, para homens e mulheres, que passaram a votar por direito”, ressaltou Ana Martins, complementando que soldados e analfabetos ainda ficaram sem direito ao voto, só conquistado com o movimento da constituinte em 1988.

Ana deu detalhes de como foi a luta daqueles dias: “Bertha Lutz quando chegou da França, onde tinha se formado no curso superior de Biologia, queria dar aula na rede pública. Mas como não tinha título de eleitor não lhe foi permitido. Inconformada, fomentou mais o movimento que já ocorria. Ela promoveu seminários, debates, abaixo-assinados. E, em 1932 foi para o Rio de Janeiro, com um grupo de mulheres. Seguiram em direção ao Palácio do Catete, sede da presidência, esperando serem recebidas por Getúlio Vargas. Não foram atendidas no primeiro dia. Elas insistiram, rodearam e abraçaram o Palácio, ficaram muitos dias resistindo e insistindo. Acabaram chamando a atenção dos trabalhadores que por ali passavam. Ao serem questionadas sobre o que estavam fazendo, elas respondiam: as mulheres também querem votar. Com isso, criou-se um fato político e o presidente Getúlio Vargas acabou recebendo elas e decide, por fim, garantir o voto as mulheres.”

Mídia

Renata Mielli, do Barão de Itararé, participa do seminário na tarde de sexta-feira (28)

Na segunda parte do evento, no período da tarde, a comunista Renata Mielli, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, falou sobre as questões e gênero relacionadas à mídia, democracia e eleições.

Deborah Moreira
Da redação