Claudia Jardim: Um outro beta
“Chávez é outro beta porque é a alternativa a tudo que nos oprime. Identificou-se com a gente e queremos nos identificar’ com ele. Antes nos humilhavam. Ele (Chávez) nos viu, disse que somos gente”, conta Manuela Zarate, de 19 anos, uma das líderes do movimento juvenil Outro Beta na cidade periférica de Los Teques, ao sul de Caracas.
Por Claudia Jardim*, na Carta Capital
Publicado 26/09/2012 18:18
Num velho ringue de boxe montado sobre os escombros de uma quadra de basquete, dois meninos lutam para se manter no campeonato entre barrios, como são chamados na Venezuela as favelas ou bairros pobres. Velhos lutadores acompanham a disputa dos pequenos. Na parede ao fundo, uma imagem de Hugo Chávez de boné, camiseta e calças folgadas, com um microfone na mão, vela a disputa. Nos muros das periferias de Caracas, antigas imagens do presidente venezuelano, de 58 anos, se misturam com o Chávez juvenil. Ora de brinco e jeans apertado, ora com cabelo raspado, ou na versão de jogador de basquete. O “comandante” que disputará sua terceira eleição presidencial em 7 de outubro ganhou novo apelido: “Outro beta”.
“Chávez é outro beta porque é a alternativa a tudo que nos oprime. Identificou-se com a gente e queremos nos identificar’ com ele. Antes nos humilhavam. Ele (Chávez) nos viu, disse que somos gente”, conta Manuela Zarate, de 19 anos, uma das líderes do movimento juvenil Outro Beta na cidade periférica de Los Teques, ao sul de Caracas. “Agora ele também tem tatuagem como as nossas, anda em moto, usa brincos como nós. “Beta, na gíria da periferia, é tudo que é ruim ou significa problema. Ser Outro Beta é ser diferente, é ser “o cara”.
Manuela tinha apenas 6 anos quando Chávez ganhou a Presidência, em 1998. A jovem cresceu assistindo a seus discursos pela televisão. “Ele nos transmite rebeldia, por ser crítico e nos ensinar que temos de mudar esse sistema para conquistar a liberdade.” Nestas eleições, será a primeira vez que a jovem irá às urnas. O “velho” é o candidato da juventude, diz.
Público-alvo das candidaturas de Chávez e de seu opositor Henrique Capriles, os jovens representam 7,5 milhões do universo de 19 milhões de eleitores. De acordo com o analista político Luis Vicente León, da consultoria privada Datanálisis, eles formam o grupo de eleitores menos motivados a votar e tendem a ser politicamente não alinhados.
Em Los Teques, o movimento Outro Beta contraria essa tendência. A juventude que ali acompanhava a luta de boxe, embalada pelo som de um “rap revolucionário”, criticava a candidatura opositora “Capriles e seu partido só têm garotos ricos, não sabem o que é ter de levantar cedo para trabalhar ou viver com um salário. Estão desconectados de nossa realidade”, criticou Adolfo “Pepe” Oropeza, de 28 anos. “Se Capriles chegasse ao poder, perderíamos tudo o que conquistamos com Chávez.”
Entre 2002 e 2010, a pobreza na Venezuela caiu mais de 20 pontos, ao passar de 48,6% para 27,8% da população, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal). No mesmo período, a pobreza extrema recuou de 22,2% para 11,5%.
Na opinião do analista político Oscar Schemel, diretor da consultoria Hinterlaces, houve uma mudança na cultura política do país. A oferta de transformação social, de ruptura com o velho modelo político é defendida fundamentalmente pelas classes D e E, bases de apoio do chavismo. Segundo Schemel, a oposição ainda subestima as mudanças, razão pela qual, a seu ver, a campanha opositora não consegue emplacar. “A oposição continua vista como uma ameaça ao modelo de inclusão proposto por Chávez.”
Em diferentes pesquisas eleitorais, Chávez aparece como favorito. Tem entre 12,5 e 18 pontos de vantagem sobre Capriles. Apenas uma das pesquisas aponta a vitória da oposição por 2 pontos de vantagem, razão pela qual a margem de incertezas se mantém.
Apesar do tom triunfalista com que o governo avalia as pesquisas, na prática há sinais de preocupação. A campanha chavista tem batalhado para atrair a classe média emergente e o chamado “chavismo light”, os quais tendem a ter uma visão menos ideologizada e mais crítica da administração pública.
Para alcançar essa fatia do eleitorado, Chávez apostou no incremento do gasto público. Só neste ano foram criados quatro novos programas sociais. O principal deles é a versão venezuelana do programa habitacional brasileiro Minha Casa Minha Vida, com subsídios de até 100% do crédito para a população de baixa renda. Aposentados sem previdência social, mães solteiras e desempregados são outro alvo das novas “missões sociais”.
A “ofensiva” é criticada pela oposição. “Estamos vendo como o governo e seu partido se confundem, como os recursos humanos e materiais são utilizados a favor da campanha governista”, opina o analista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela. “Isso sem dúvida dá vantagem ao candidato Chávez.” Já a falta de transparência na execução do orçamento, a corrupção e a burocracia tendem a minar o voto do eleitor chavista crítico. Outro ponto de desgaste é a ineficiência na gestão de prefeituras e governos estaduais apadrinhados por Chávez.
Há ainda a doença. A imagem construída por mais de uma década no poder de um homem incansável foi abalada pelo anúncio de um câncer, tratado de forma extremamente sigilosa pelos chavistas. Contra os rumores recorrentes a respeito de uma piora em seu estado de saúde, Chávez se manteve na disputa eleitoral. Viu-se obrigado, porém, a moderar seu ritmo. Em disputas anteriores, o presidente podia ser visto em campanha em até três diferentes estados por dia. Agora realiza, em média, dois grandes comícios semanais e tem se valido da tevê e do rádio para convencer os venezuelanos a votar pela continuidade da “revolução bolivariana”. Seus adversários o chamam de “candidato de controle remoto”.
Jesse Chacón, diretor da Consultoria GIS XXI e ex-ministro de Chávez, afirma que, com sua presença física, o presidente conseguiu desviar a atenção sobre seu estado de saúde. “Chávez não está curado, mas tirou da agenda pública o tema câncer. Não é o mesmo votar em alguém que, como dizia a oposição, morreria na campanha ou logo depois.”
Nos comícios, Chávez mantém a defesa do projeto socialista, enquanto se apresenta como o garantidor da estabilidade do país. “Até aos ricos convém que ganhe Chávez. As famílias ricas, que pensam de maneira racional, que têm suas boas casas, seus bons veículos, propriedades, que gostam de viajar ao exterior, convém uma guerra civil?”, pergunta o presidente. “Votem em Chávez, porque Chávez garante paz, estabilidade e crescimento econômico.”
Em meio à disputa, investidores brasileiros com negócios em expansão na Venezuela observam a distância. Em 2005, quando o venezuelano e Lula firmaram uma “aliança estratégica”, o comércio entre os dois países era de 2,4 bilhões de dólares. Neste ano, as trocas comerciais devem alcançar 6 bilhões. O Brasil registra um superávit de 5 bilhões de dólares com a Venezuela.
Fernando Portela, diretor-executivo da Câmara de Comércio e Indústria Venezuelana-Brasileira (Cavenbra), diz que os empresários brasileiros apostam em uma vitória do governo para dar continuidade à crescente relação bilateral. “Uma vitória de Chávez garante a permanência dos empresários brasileiros que estão aqui e o crescimento das relações comerciais com o Brasil, principalmente com a entrada da Venezuela ao Mercosul.”
A expectativa, segundo Portela, é o país passar a respeitar as regras do bloco e privilegiar o comércio entre seus integrantes. O alvo nessa disputa comercial é a China, beneficiária, assim como Brasil e Rússia, da decisão de Chávez de reduzir a dependência comercial dos Estados Unidos. Se Capriles vencer, acredita, a Venezuela voltaria a priorizar as relações com os EUA e a Europa.
Durante a campanha, Capriles prometeu incrementar a produção nacional e reduzir a pauta de importações. “Não quero dar emprego a brasileiros, mas a venezuelanos.” Segundo Leopoldo López, coordenador nacional da campanha opositora, em um eventual governo haverá proteção ao setor produtivo nacional, que, a seu ver, foi afetado pela política externa de Chávez. “Somos o único país do mundo que importa animais vivos, do Brasil. Enquanto isso, o produtor venezuelano está em uma segunda ou terceira opção.” E critica a entrada no Mercosul. “O acordo nos torna mais vulneráveis.”
O diretor da Braskem para a América do Sul, Sergio Thiesen, afirma que a “intimidade” entre os países transmite confiança aos investidores brasileiros. Mas não acredita em prejuízo ao Brasil caso a oposição vença. “A estrutura da relação bilateral é mais forte do que as posições políticas que possam existir.”
Capriles insiste: o governo Chávez estaria com os dias contados. “Aqui se trata de tirar o ‘R’ de revolução e converter em evolução para o nosso povo.”
O presidente venezuelano, por sua vez, sentencia: sua terceira vitória eleitoral é “inevitável”. “Quando o candidato da burguesia sair ao ringue, não vai durar nada. Será um nocaute fulminante.”
A luta entre os meninos de Los Teques ainda não havia terminado quando Fulgencio Obelmejias, campeão sul-americano dos pesos médios, fez sua aposta: “O homem (Chávez) já não se mexe tanto no ringue, mas continua a bater forte e ainda aguenta muitos golpes. Não vai ganhar por nocaute, mas por decisão unânime”.
Capriles é o FHC da Venezuela
Jovem e progressista. Assim Henrique Capriles, adversário de Chávez, se apresenta aos venezuelanos na tentativa de vencer a eleição presidencial. Capriles surfa no melhor momento da oposição desde que Chávez chegou ao poder em 1998, na opinião de analistas políticos.
"Comprometo-me a governar para todos, sem exclusões e com o único propósito de que cada venezuelano, cada família, cada comunidade, tenha uma vida melhor", afirmou Capriles durante a apresentação de suas propostas de governo.
Seu maior desafio é conquistar os eleitores do “chavismo light” com a promessa de dar continuidade aos programas sociais do atual governo, antes criticados pela oposição.
Ele promete desempenhar uma gestão pública eficaz para combater a violência, gerar empregos e reindustrializar o país.
No início da campanha, Capriles se disse “admirador” de Lula, mas mudou de discurso após o ex-presidente brasileiro declarar apoio a Chávez. “Lula foi um bom presidente para seu país e um mau presidente para a América Latina, onde privilegiou os políticos ideológicos sem privilegiar a democracia e os direitos humanos, no caso particular da Venezuela”, criticou López. Irritado com a pergunta sobre se Capriles ainda pretendia ser o “Lula venezuelano”, o chefe da campanha de Capriles admitiu que seu modelo é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O que Henrique (Capriles) disse foi mal interpretado. No caso brasileiro (o modelo) originou-se não com Lula, e sim com Fernando Henrique (Cardoso).”
Apoiado pelos principais empresários venezuelanos, grandes banqueiros e por meios de comunicação privados, o oposicionista luta para se livrar do rótulo que o cataloga como um político conservador. No país da “revolução bolivariana", nenhum político admite ser de direita.
De origem judaica polonesa, sua família representa uma das mais tradicionais e ricas da elite venezuelana. Proprietária da filial da Kraft na Venezuela, o clã dos Capriles comanda ainda uma cadeia de cinemas, meios de comunicação, indústrias e imobiliárias.
A projeção política de Henrique começou no estado de Miranda, do qual foi governador. O líder opositor esteve preso durante quatro meses, em 2004, acusado de promover atos de violência contra a embaixada de Cuba em Caracas, durante o fracassado golpe de Estado contra Chávez, em 2002. Na ocasião, era prefeito do município de Baruta, ao leste de Caracas.
Com a agenda social no centro do debate político, Capriles teve sua campanha ofuscada depois de um suposto programa de ajuste macroeconômico elaborado por sua equipe tornar-se público. Chamado de “pacotão neoliberal”, o documento foi exposto por um ex-governador e por um deputado opositor, que se desligaram da coalizão. Eles acusam Capriles de ter uma “agenda oculta” para desestabilizar a nação.
"Atrás de sua mensagem de progresso está o mais selvagem pacote neoliberal conhecido na história da Venezuela", criticou Chávez.
Capriles e seus aliados negam a existência do programa e acusam o governo de empreender uma “guerra suja”.
* Claudia Jardim é jornalista brasileira que atua na Venezuela desde 2003 como repórter e editora de internacional na televisão pública ViVe, onde se especializou na cobertura de América Latina.
(subtítulo original alterado por redação do Vermelho)