Vinicius Mansur: STF e a democratização da Justiça
Teori Albino Zavascki, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indicado pela presidenta Dilma Rousseff para a vaga deixada por Cezar Peluso no Supremo Tribunal Federal (STF), será sabatinado pelo Senado nesta terça-feira (25).
Por Vinicius Mansur*
Publicado 25/09/2012 11:57
O procedimento, entretanto, é criticado pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), em nota intitulada “Novo ministro, velha escolha”, por acontecer “sem qualquer respeito à transparência ou diálogo social”.
Mais do que uma crítica ao nome indicado, a nota cobra do governo procedimentos públicos para a escolha de um ministro para a mais alta Corte do país. Entre as reivindicações, as entidades pedem que os antecedentes curriculares dos nomes cogitados pela presidência da República sejam disponibilizados na internet; que haja prazo para consulta e audiência pública a respeito dos pré-candidatos; e que haja relatório final justificando a escolha daquele que será submetido à sabatina do Senado.
O presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), José Henrique Rodrigues Torres, segue o raciocínio similar. “Todo ministro do STF foi nomeado em razão de forças políticas. Não há nada de errado nisso, o que me causa espécie é fazê-lo por debaixo dos panos. Ninguém sabe quais são as forças que indicam, que critérios são usados. Por que não se estabelece a participação da sociedade nesta escolha? Na Argentina há a possibilidade de consulta popular. Então, quando o presidente escolhe João ou Maria para subir no cargo, se sabe quais forças políticas o levaram até lá”, propõe. Outra ideia levantada por Torres é o estabelecimento de um mandato para estes ministros, ao invés do atual exercício do cargo até os 70 anos.
A JusDH também critica a tendência do governo Dilma consolidar como critério de indicação a promoção de ministros de outros Tribunais Superiores. Dos três ministros já indicados pela presidenta, dois vieram do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Luis Fux e Zavascki – e uma do Tribunal Superior do Trabalho – Rosa Weber. “Ao indicar três magistrados de carreira, a Presidenta restringe a gama de possibilidades, compromissos sócio-culturais e a criatividade jurídica do STF à esfera de apenas uma das carreiras do sistema de justiça, sistema que já é concentrado em seu aspecto social. A Justiça brasileira estará encerrada, da base ao topo, em uma cultura espiral voltada para si mesma”, critica o representante da JusDH, Antônio Sérgio Escrivão Filho.
De acordo com a nota da articulação, a indicação deveria estar pautada “por uma perspectiva plural de raça e gênero” e por “um compromisso biográfico com a efetivação dos direitos humanos, aliada à erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais”.
A JusDH também crítica a sabatina do Senado, tradicionalmente “um evento de celebração da indicação presidencial e felicitações”, e apela para que às organizações sociais tenham espaço para indagar o candidato sabatinado sobre “temas de extrema relevância para os rumos da sociedade brasileira”.
A oposição ao governo no Senado já sinalizou que pretende quebrar o clima de celebração da sabatina, podendo até obstruí-la. Entretanto, a única preocupação dos oposicionistas é o julgamento do chamado “mensalão”. De acordo com o líder do PSDB, senador Álvaro Dias, a única exigência é que Zavascki assuma o compromisso de não votar nesta Ação Penal. Eles temem que o novo ministro peça vista e paralise o processo em andamento e em pleno uso eleitoral.
Antônio Sérgio informa que as organizações sociais gostariam de ir bem mais além nas indagações a Zavascki e irão enviar aos senadores suas perguntas. As questões pedirão o posicionamento do novo ministro sobre uma longa lista de temas: o papel do Poder Judiciário na correção das desigualdades de gênero no Brasil; a Lei de Anistia e a imprescritibilidade dos crimes da ditadura; o direito à consulta prévia e informada de comunidades impactadas por políticas de governo ou obras públicas e privadas; a aplicação do critério da Auto-Identificação dos povos indígenas e comunidades quilombolas; a supremacia da função social da propriedade sobre a produtividade; o ensino religioso em escolas públicas e a laicidade do Estado; o encarceramento do usuário de drogas; o compromisso com a incorporação de mecanismos de participação social na Justiça; a nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman); a aposentadoria compulsória com recebimento de proveitos como pena máxima administrativa da carreira.
A "natureza antidemocrática" da Justiça
Com a redemocratização do Brasil na década e 1980, a idéia do controle externo do Estado ganhou força em toda a sociedade, mas o poder Judiciário foi o menos permeável da República, consolidando uma forte assepsia social e domínio da “comunidade de notório saber jurídico” em um dos três poderes do Estado.
Assim, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional segue sendo aquela aprovada durante a ditadura militar; a escolha dos altos dirigentes da Justiça segue restrita às altas cúpulas do Judiciário ou da política – como a escolha dos ministros vitalícios do STF; os magistrados seguem com direito a férias de 60 dias, mais o recesso forense; a aposentadoria compulsória segue como pena máxima para magistrados; seguem com os salários mais altos do país no funcionalismo público; entre outros privilégios, mantidos sob a alegação de que controlar o Judiciário seria ferir a independência dos poderes e a própria democracia, uma vez que é ele quem garante as liberdades democráticas. Para o jurista e Procurador do Estado do Paraná, Carlos Marés, isto é uma falácia, pois dentro do sistema a função do Judiciário nunca foi, essencialmente, defender a democracia:
“Sua função, idealmente, é a defesa da ordem. E a ordem não é exatamente a defesa da democracia e da liberdade. Ao contrário, temos visto que o Judiciário é de forma geral um acertador da ordem. Então, ele se presume não-favorável as liberdades democráticas quando elas levam a transformações sociais.”
Frente aos fortes interesses corporativos e políticos que historicamente lutaram para manter a Justiça longe de qualquer controle, a instalação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2005 – fruto de uma tramitação no Congresso que durou de 1996 a 2004 – representou uma vitória para a democracia brasileira.
Antes do CNJ, a correição do poder Judiciário atingia somente os juízes de primeira instância, submetidos a corregedorias estaduais e regionais, comandadas por desembargadores eleitos pelos próprios desembargadores. Assim, ficavam praticamente blindados de qualquer fiscalização órgãos de segunda instância, cúpulas da administração, desembargadores, ministros e, não raro, os próprios integrantes da primeira instância com boas relações com seus superiores.
Entretanto, o CNJ ficou longe do modelo de controle social externo desejado à época de sua criação. Em primeiro lugar, atribuiu-se ao conselho apenas a atuação no âmbito disciplinar. A segunda providência para mitigar o potencial de controle externo do CNJ foi colocá-lo como órgão interno do poder Judiciário. Em terceiro, estabeleceu-se um número de 15 conselheiros, sendo 9 magistrados, 2 do Ministério Público, 2 da advocacia e apenas 2 representantes da sociedade – sempre juristas indicados pelas Casas Legislativas sem qualquer debate social. Por fim, desde 2009, estabeleceu-se como regra o que antes já era acordo: o presidente do CNJ será sempre o presidente do STF.
Para perplexidade geral da nação, ainda com esta estrutura extremamente favorável ao corpo interno do Judiciário, as entidades representativas da magistratura lutaram pelo o esvaziamento dos poderes do CNJ no início deste ano, quando as investigações encabeçadas pela Corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, constataram e divulgaram o fluxo de dinheiro incompatível com o contracheque de alguns magistrados e servidores do poder Judiciário brasileiro.
*Vinicius Mansur e jornalista.
Fonte: Carta Maior