Verticalizar é importante, mas não como quer o setor imobiliário
A série de reportagens que a Rede Brasil Atual preparou para lembrar os 10 anos do Plano Diretor de São Paulo levantou uma discussão muito importante para todas as metrópoles brasileiras: o adensamento populacional das áreas centrais é positivo ou negativo para as cidades? Em que termos esse processo deve ocorrer? A verticalização é um fenômeno bom ou ruim?
Publicado 13/09/2012 11:51
Como era de se esperar, as construtoras defendem sua liberdade para construir livremente onde quer que seja, alegadamente para “atender à demanda do mercado”. Os urbanistas apresentam ressalvas e pedem que a regulação, que já existe, continue a existir, para defender a cidade dos excessos construtivos atuais.
Parece até piada afirmar que há uma legislação que impede a verticalização excessiva da cidade. Sim, ela existe, mas é possível aumentar o coeficiente de construção se houver pagamento da outorga onerosa. Traduzindo: pagando bem, que mal tem? A existência da outorga onerosa tem seus méritos, é evidente. É uma maneira de permitir que mais pessoas morem em áreas que tenham boa infraestrutura urbana. Esses recursos, no mundo ideal, deveriam ser usados em benefício da cidade. Aliás, de acordo com o Estatuto das Cidades (artigo 31), o valor arrecadado com a outorga onerosa devem ser investidos nas seguintes áreas:
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
Mas como existe uma inclinação irresistível do setor privado para subverter o princípio das leis e regulações urbanas, o que acabou acontecendo foi o repasse do custo da outorga onerosa para os compradores dos apartamentos, em vez de uma adaptação dos empreendimentos às possibilidades da lei.
Com isso quero dizer que o tipo de construção preferida das empreiteiras não é a melhor para a cidade. São prédios altíssimos, com grande área livre para o lazer particular de seus moradores e também para o estacionamento dos quatro carros que cada família possui. Com esse tamanho todo, essas construções tomam de assalto quarteirões inteiros, colocam muros altos para proteger o patrimônio e a privacidade dos moradores e acabam com a dimensão humana da rua. Dimensão humana não é nenhum conceito muito filosófico, mas sim a sensação de que é tudo grande demais para caminhantes de 1,70 metro em média, que são, dessa forma, desencorajados de passar no local. Sem pedestres, a sensação de insegurança aumenta, o que faz com que os muros sejam cada vez mais altos, num círculo vicioso. Como efeito colateral, a densidade populacional dos bairros que já têm infraestrutura acaba diminuindo, num efeito inverso ao da lei, já que as áreas ocupadas pelos prédios em si são muito menores que aquelas usadas para outros fins.
Quando um quarteirão inteiro é tomado por um só empreendimento residencial, fica óbvio que não há comércio nesse quadrilátero específico. Os moradores devem andar um bocado para chegar ao comércio e aos serviços de todo dia – mercados, padarias, salões de beleza, bancos e afins. Se apenas um prédio desse tipo cresce, a questão é contornável, mas quando esse é o único tipo de moradia que é construída em uma cidade, os problemas coletivos aparecem. Um exemplo que conheço bem desse tipo de desenvolvimento é o Portal do Morumbi, na Zona Sul da Capital. Existem diversos condomínios de prédios que tomam áreas grandes como parques. Quem mora num desses tem que pegar o carro para pegar uma pizza na portaria, sem exageros. Assim, todos usam o carro para pequenos deslocamentos do dia a dia. As consequências são bem conhecidas.
Só que os empreendedores querem continuar construindo assim, sob a alegação de que esse é o desejo dos compradores. Ora, ainda que isso seja verdade (coisa que não sabemos ao certo), o desejo dos compradores não é uma entidade absoluta. A regulação urbana é prerrogativa do poder público e serve para induzir o desenvolvimento da cidade de uma maneira justa e benéfica para a coletividade. Se isso significa contrariar os desejos dos compradores desse tipo de residência, que seja. Não defendo assim uma guerra entre poder público e classe média alta. Acredito – seria muito otimismo? – que uma boa dose de diálogo entre poder público e sociedade possa esclarecer alguns pontos importantes em relação ao desenvolvimento das cidades.
Por fim, talvez os paulistanos se perguntem qual, então, o modelo para substituir a epidemia de condomínios. Não sei se existe uma única resposta, mas a Zona Sul do Rio de Janeiro pode ser um exemplo positivo nesse aspecto. Conheço de perto uma das ruas mais valorizadas e desejadas do bairro de Laranjeiras. Lá, nenhum apartamento de 3 quartos sai por menos de R$ 900 mil, ou seja, são imóveis para a classe média alta. Os prédios mais valorizados são antigos, têm apartamentos grandes, uma vaga na garagem, não possuem área de lazer – a rua está aí para isso – e contam com comércio e serviços no andar térreo, coisa inimaginável em São Paulo hoje. Há, num espaço de 300 metros, dois mercadinhos, uma padaria, um boteco, um restaurante, um centro de fisioterapia, uma academia, uma videolocadora, dois salões de beleza, uma lavanderia e um café. No raio de um quilômetro, há pelo menos 5 escolas infantis e 5 de ensino fundamental e médio. Quem precisa sair de carro em um bairro como esse? Na verdade, esse conceito já foi aplicado em São Paulo. O Copan é um exemplo, o Conjunto Nacional, outro. Hoje, no entanto, não há espaço para tais ideias.
Tenho certeza que, embora não seja o único nem perfeito, esse modelo de adensamento é mais humano, agradável e adequado para se ter como modelo. Mais certeza ainda tenho de que o que acontece em São Paulo é danoso para a cidade.
Fonte: Rede Brasil Atual