Astrojildo e Lênin
Quando os editores de marxismo21 me pediram um artigo de Astrojildo Pereira para publicar neste blog, recordei-me imediatamente de um pequeno texto publicado na revista O Debate de julho de 1917.
Por José Luiz Del Roio
Publicado 05/09/2012 14:52
Em 1911, Astrojildo tinha aderido às ideias anarquistas depois da desilusão com o movimento civilista de Rui Barbosa e o horror às injustiças. Naquele momento ficou golpeado com a repressão da Revolta da Chibata e a execução, na Espanha, do criador da Escola Moderna, Francisco Ferrer.
Numa aventurosa viagem a Europa tomou contato com “agitadores sociais” e encheu sua pobre mala de livros anarquistas. Ao voltar, jogou-se com todo o vigor de sua juventude inteiramente à causa que havia aderido; desde então tornou-se um ponto de referência para os militantes em todo o pais.
Quando eclodiu a I Guerra Mundial, fez denúncias contra aquela mortandade; em 1915, organizou um Congresso pela Paz. Mas o horizonte parecia totalmente obscuro. Um brilho surgiu com a revolução de fevereiro de 1917, na Rússia, que liquidou a monarquia dos Romanov. Os anarquistas brasileiros festejaram, mas suas análises sobre o grande evento eram frágeis e confundiam os seus desejos com a realidade.
Astrojildo moveu-se de forma diferente. Muito importantes eram os acontecimentos que se passavam naquele longínquo país para não entendê-lo em profundidade e ver quais ensinamentos poderiam ser úteis.
Com os poucos materiais que podia contar à época, estudou com afinco; escreveu inúmeros artigos, polemizou com seus companheiros e com a imprensa reacionária. Nesta labuta afastou-se do anarquismo e chegou ao marxismo, sendo o principal artífice da construção da seção brasileira da Internacional Comunista – o partido comunista – em 1922.
Vladimir I. Lênin
O artigo acima (Veja em A Revolução Russa) representa o inicio de seu percurso que, como se pode ver, já é muito consistente. A linguagem é anarquista, mas os conceitos já são incrivelmente “leninistas”. O núcleo do artigo é a afirmação de que existem dois poderes no bojo da revolução russa: a Duma burguesa e o Soviete de operários e soldados. Que estes são antagônicos e entrarão em conflito total e que o Soviete deverá vencer, pois tem também o poder das armas, nas mãos dos soldados. Genial percepção, pois foi isso mesmo que aconteceu na Rússia em outubro, poucas semanas depois.
Em 20 de abril, Lênin publicou no Pravda suas teses sobre a revolução, conhecidas exatamente como “Teses de abril”, embora no calendário gregoriano (vigente no Brasil) fosse já o dia 4 de maio. Ali o líder bolchevique colocou a questão dos dois poderes. Teria Astrojildo tido acesso a este escrito? Pode ser. A pista está na frase “(…) no meio do cipoal dos telegramas e correspondências e outros documentos mais raros (…)” Pode ser, mas é difícil acreditar. A tecnologia da comunicação era atrasada; a Europa estava em guerra e a censura dominava. Além do mais, Lênin ainda não era o nome que seria aclamado pelo proletário mundial poucos meses depois; era pouco conhecido. Sabe-se que no texto de abril, Lênin dizia que os bolcheviques eram poucos. “O nosso partido é pequeno e por enquanto é uma ínfima minoria na maior parte dos sovietes dos deputados operários (…)”
Se Astrojildo leu o escrito de Lênin, teve a imensa capacidade – naquela situação política confusão e totalmente isolado – de compreender os rumos corretos da revolução russa. Naquele momento foi, no Brasil, o único que teve essa clareza e capacidade de compreensão. Fato que comprova a sua sede de buscar, pesquisar, estudar e criar.
Se não leu o escrito de Lênin, só me cabe repetir, foi genial. De qualquer forma, o marxismo tinha dado um passo de gigante no áspero terreno do Brasil.
José Luiz Del Roio é escritor, comunista, fundador do Arquivo Histórico do Movimento Operário Brasileiro (Unesp) e ex-senador da República Italiana (Partido da Refundação Comunista).
Fonte: marxismo21