Pedro Guerreiro: Militarismo; Alemanha sob vigilância

O tribunal constitucional federal alemão determinou que as forças armadas alemãs – Bundeswehr – poderão, face à uma "situação excepcional de natureza catastrófica" e sob determinadas condições, intervir com o seu armamento em território alemão, o que não se verificava desde os tempos do nazismo.

Por Pedro Guerreio* 

Trata-se de uma decisão que contraria outras anteriormente adotadas pelo mesmo tribunal – nomeadamente em 2006 –, que salvaguardavam que apenas as forças policiais poderiam intervir no território alemão, separando claramente o conceito e as operações no âmbito da defesa nacional (da competência das forças armadas) do conceito e das operações no âmbito da segurança interna.

Esta decisão é ilustrativa do incremento do militarismo alemão, que – colocando em causa princípios consagrados na sua Constituição, após a derrota do nazismo, em 1945 –, abriu caminho à participação do Bundeswehr nas agressões da OTAN nos Balcãs, na década de 90, e ao Afeganistão (1), em 2001, e, agora, à possibilidade da sua intervenção (armada) na própria Alemanha.

Uma decisão em linha com as orientações da OTAN e da União Europeia que preconizam a aproximação e junção da defesa e da segurança interna (subvertendo, entre outros importantes aspectos, os objetivos e missões das forças armadas) – orientações que procuram padronizar entre os seus diversos membros conceitos de «segurança» (e decorrentes aplicações) à semelhança dos que foram adotados pelos EUA (2).

Tal como os EUA/OTAN/UE manipulam e instrumentalizam o terrorismo e a dita “luta contra o terrorismo” como “cavalo de Troia” para promover a militarização das relações internacionais, a criação e o exacerbar de tensões e de conflitos, a ingerência e a ameaça ou uso da força contra a integridade territorial e a independência de outros estados, também no que se refere à segurança interna dos estados o “terrorismo” serve de pretexto para a implementação de medidas que, em nome da “segurança”, colocam em causa liberdades, garantias e direitos dos cidadãos e promovem a sua crescente militarização.

A militarização da segurança interna levada a cabo pelos EUA/OTAN/UE é expressão de um processo de militarização mais lato, que abrange igualmente outras dimensões, nomeadamente no quadro das relações internacionais, de que são exemplo a militarização da “ajuda humanitária”, da “cooperação para o desenvolvimento” ou a tentativa de militarização da própria ONU (com a subversão da sua Carta através da dita “responsabilidade de proteger”, isto é, da ingerência dita “humanitária”, eufemismo para a agressão e a guerra).

Com o agravamento da situação econômica e social nos principais centros do capitalismo, quem detém o poder econômico necessita de reforçar os seus instrumentos de controlo e de coação.

O militarismo é intrínseco ao capitalismo e uma das respostas (designadamente dos seus principais pólos – EUA, Alemanha/UE e Japão) ao aprofundamento da sua crise, com o qual, e perante o piorar das contradições e a consequente e legítima resistência dos povos, procuram salvaguardar os seus interesses e impor o seu domínio (dentro e fora das suas fronteiras…).

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(1) Afeganistão, onde segundo uma inadvertida mas genuína declaração de um presidente alemão as forças armadas alemãs estão presentes para defender os interesses econômicos da Alemanha (entenda-se, do seu grande capital), formando para tal o terceiro maior contingente de tropas, após os EUA e o Reino Unido.

(2) Ver posições do PCP relativas à elaboração do chamado “Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional”, conceito que, na continuidade de anteriores conceitos estratégicos e em contradição com o estipulado na Constituição da República, se caracteriza pela submissão à OTAN/UE.

*Pedro Guerreiro é membro do Partido Comunista Português (PCP).

Fonte: Jornal Avante!