Estevam Serrano: Condenação de Ustra abre portas para novas ações
A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de decidir por unanimidade negar provimento ao recurso interposto pelo Coronel Carlos Brilhante Ustra contra decisão de primeiro grau que o condenou em ação declaratória como responsável por crimes de tortura durante o regime militar, no período em que foi um dos comandantes do DOI-CODI.
Por Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP*
Publicado 16/08/2012 15:24
A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de decidir por unanimidade negar provimento ao recurso interposto pelo Coronel Carlos Brilhante Ustra contra decisão de primeiro grau que o condenou em ação declaratória como responsável por crimes de tortura durante o regime militar, no período em que foi um dos comandantes do DOI-CODI.
O coronel reformado Carlos Alberto Ustra, ex-comandante do Doi-Codi de SP. Foto: Sergio Dutti/AE
A ação foi promovida pela família Teles, que teve cinco de seus integrantes torturados nas dependências do Doi-Codi sob o comando de Ustra
A decisão é relevantíssima: pela primeira vez o Tribunal paulista reconhece que um agente público específico praticou crimes de tortura no exercício de função publica contra presos políticos na época da ditadura militar.
O caso oferece ao processo judicial e à inquirição judicial seu papel essencial de forma civilizada de acesso a verdade.
A repercussão da decisão no plano histórico e sociopolítico vai muito além da justa pretensão de reconhecimento judicial da ofensa pela família autora.
Nosso STF teve o pior momento de sua historia recente, após muitas decisões acertadas , quando julgou intangíveis os torturadores e homicidas do regime militar por conta da incidência da Lei de Anistia, contrariando o sentido da própria lei e o disposto em nossa Constituição e em Tratados Internacionais subscritos pelo Brasil.
Das ditaduras sul-americanas das décadas 60 e 70, a brasileira é a única que permanece incólume à ação da Justiça.
As consequência desta impunidade e deste forçado esquecimento, sem identificação das pessoas, dos algozes e dos corpos das vítimas, poderá ser o retorno, no futuro, de um regime político com práticas semelhantes.
Em verdade, tortura e vilipendio ainda é a regra real de conduta do Estado face à maioria pobre de nossa população. O STF tem feito esforços no sentido de ampliar o reconhecimento dos direitos fundamentais de nossa Carta Magna, mas quase nada os Poderes estatais têm feito para efetivamente universalizar estes direitos reconhecidos.
Enquanto criminosos do colarinho branco são presos sem algemas e discretamente (da forma correta e civilizada), suspeitos pobres são seviciados e expostos a público em programas televisivos estimuladores do ódio étnico e de classe.
Neste quadro, a vitória da família Teles – mais do que declarar judicialmente a violência que sofreram – abre portas para que medidas cíveis individuais e de defesa do interesse coletivo possam ser propostas, e com isso, obter ao menos a identificação dos que torturaram e mataram e, quem sabe, auxiliar na localização dos corpos de suas vítimas.
A verdade quanto a nosso passado pode auxiliar para que a ditadura não volte no futuro, e para que os direitos humanos fundamentais, no presente, passem a ser uma realidade para todo o nosso povo.
* é advogado, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP. Artigo publicado na Carta Capital