Jandira Feghali propõe anular a cassação dos comunistas em 1948

A deputada comunista Jandira Feghali (PCdoB-RJ) propõe Projeto de Resolução que anula a cassação da bancada comunista em 1948. Foi um ato arbitrário e antidemocrático que mancha a história da Câmara dos Deputados, argumenta ela.

Por José Carlos Ruy

bancada comunista - Arquivo

A Câmara dos Deputados precisa se redimir de um erro cometido no passado e acertar o passo com a democracia. Este é o sentido do Projeto de Resolução apresentado ontem (8) pela deputada comunista Jandira Feghali (RJ), para declarar “nula a Resolução da Mesa da Câmara dos Deputados adotada em 10 de janeiro de 1948 que extinguiu os mandatos dos deputados do Partido Comunista do Brasil”.

Além de histórica, a correção defendida por Jandira Feghali tem um profundo sentido democrático que é ressaltado na Justificação do Projeto, onde a deputada afirma que aquele ato “foi incoerente e ilegítimo perante a Constituição Federal democrática de 1946 outorgada após o governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945)”. Ele “cassou os mandatos de catorze parlamentares eleitos em 1945, pelo Partido Comunista do Brasil, para a assembleia constituinte de 1946 e cumulativamente para Câmara pelos quatro anos subsequentes”. Eram “personalidades marcantes da história e da cultura brasileira”, como o romancista Jorge Amado e dirigentes comunistas que deixaram seus nomes inscritos em letras vívidas na história republicana e na luta pela democracia. Nomes como Carlos Marighela, Maurício Grabois e João Amazonas, “personagens históricos da luta pela democracia brasileira através de bravas resistências ao Estado Novo e à ditadura Militar de 1964-1985”. E também dirigentes e lideres populares como Francisco Gomes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcêdo de Moraes Coutinho, Gregório Lourenço Bezerra, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, José Maria Crispim, Oswaldo Pacheco da Silva.

Os parlamentares eleitos para a Assembleia Constituinte de 1946 seriam empossados, depois da promulgação da nova Constituição, como deputados ou senadores para cumprir seus mandatos até 31 de janeiro de 1950. Entre eles estavam os 14 deputados comunistas, que tiveram desempenho notável na Constituinte em defesa dos trabalhadores, da democracia, da soberania nacional e do desenvolvimento do país. Foi um punhado de lutadores que se destacou pela coerência e dedicação ao povo e à Pátria num plenário dominado amplamente pelos parlamentares conservadores do PSD e da UDN, onde o anticomunismo era a norma e a resistência ao avanço democrático era uma atitude cotidiana de parlamentares ligados às velhas oligarquias.

A cassação dos mandatos dos deputados comunistas seguiu-se à cancelamento, em 7 de maio de 1947, pelo Superior Tribunal Eleitoral, do registro do Partido Comunista do Brasil, relegado desde então à clandestinidade da qual só saiu quatro décadas mais tarde quando a legalidade foi reconquistada em 1985, depois do final da ditadura militar de1964.

Os dois atos – o cancelamento do registro do Partido e a cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas – foram decisões arbitrárias que, argumenta Jandira Feghali, mancharam o “regime democrático consagrado pela Constituição de 1946”.

Ela lembra também que a lei em que a cassação dos mandatos se baseou, editada em 7 de janeiro de 1948 (que determinava a extinção dos mandatos de parlamentares vinculados à legendas partidárias que tiveram cassadas o respectivo registro), foi sancionada depois da diplomação e posse daqueles deputados. Sendo assim, sua aplicação para cassar os mandatos comunistas era ilegal pois referia-se a atos realizados antes de sua decretação. Dai a inconstitucionalidade do ato ilegítimo da Mesa da Câmara dos Deputados, que infringia o artigo 141, § 3º, da Constituição de 1946 segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” Diante de toda evidência, aquela lei – argumenta Jandira Feghali – “não poderia retroagir para extinguir o mandato dos deputados do partido Comunista do Brasil. A Resolução da Mesa da Câmara, portanto, estava maculada pelo vício de inconstitucionalidade”. “Os parlamentares em questão, conforme já dito, foram eleitos em 1945, diplomados e empossados sem nenhuma impugnação em 1946. O Partido Comunista do Brasil estava legalmente credenciado para disputar as eleições de 2 de dezembro de 1945”.

A Mesa da Câmara dos Deputados rendia-se ao feroz clima de anticomunismo do início da guerra fria. Ambiente em que o notório reacionarismo do então presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, levou-o a se adiantar inclusive em relação à política externa dos Estados Unidos: a controvérsia diplomática aberta em relação à União Soviética, lembra Jandira Feghali, e o governo do general Dutra foi o primeiro no Ocidente a romper com Moscou depois da Segunda Guerra Mundial. Este episódio, diz a deputada na Justificação do Projeto, “foi explorado pela mídia governista da época, incitou a invasão das sedes e destruição de impressoras de jornais populares e o cerco da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que tinha maioria de vereadores comunistas. Foi nesse clima que a Câmara aprovou a Resolução de 10 de janeiro de 1948”.

Este processo, argumenta Jandira Feghali, “configura uma nódoa na história da Câmara dos Deputados. Um estigma à espera de ser reparado”. Os demais poderes da República, lembra ela, já tomaram decisões nesse sentido, faltando apenas ao legislativo desfazer o erro antidemocrático cometido há mais de 60 anos. No Executivo, a correção ocorreu em 23 de maio de 1985 “quando o então Presidente da República, José Sarney, recebeu, no Palácio do Planalto, o Constituinte Comunista de 1946, João Amazonas, acompanhado do então deputado federal pelo PMDB baiano, Haroldo Lima, e ali foi anunciada a volta da legalidade do Partido Comunista”. Ao garantir a ampla liberdade de organização partidária, sindical e social no Brasil, o presidente redimiu o Executivo, diz ela, “da postura antidemocrática assumida em 1948”. Da mesma maneira o Tribunal Superior Eleitoral quando, em 23 de junho de 1988, deferiu a concessão do registro definitivo do Partido Comunista do Brasil. “O Judiciário revogou, assim, o equívoco de 1947”. Resta agora, argumenta ela, iniciativa semelhante, por parte da Mesa da Câmara dos Deputados, e ela diz respeito à correção do erro cometido em 1948 quando os mandatos dos deputados comunistas foram “arbitrariamente extintos”.

Nesse sentido, diz Jandira Feghali, “cabe à Câmara dos Deputados fazer sua parte nesta restituição, anulando a resolução em questão para resgatar in memorian o direito destes parlamentares de estarem registrados no rol dos que legitimamente conquistaram este direito através das urnas, recuperando suas corretas biografias e seus direitos políticos”.