Angela Patrón: A integração latino-americana está em greve

É possível afirmar que nos últimos dez anos o Brasil tem apresentado significativas melhoras no setor educacional. Segundo dados do Banco Mundial, o país investe em educação 5,4% do seu Produto Interno Bruto (PIB) (1).

Por Angela Garofali Patrón*, especial para o Vermelho

Unila

Desde 2003, o governo federal aplicou R$ 8,4 bilhões (2) na expansão e reestruturação de universidades federais. Naquele momento, o ingresso anual de estudantes a cursos de graduação rondava os 110 mil. Já em 2011, esse número foi ampliado para 230 mil. Além disso, está previsto que para 2014 o Brasil conte com 63 universidades federais distribuídas em mais de 250 municípios, incluindo muitos que nunca tiveram acesso ao nível superior.

Apesar dessas melhoras, o acesso ao ensino universitário público está sumamente restrito. Os pretendentes a uma vaga na educação superior devem concorrer em vestibulares, segundo as universidades e os cursos oferecidos. A situação é bastante diferente do Uruguai e de outros países da região, onde não se realiza uma prova de ingresso e muito menos se estabelece um ranking excludente ao direito à educação. Neste sentido, o Brasil mantém uma enorme dívida com a sua população.

Em junho de 2012 foi aprovado um projeto de lei que reserva 50% dos ingressos aos estudantes que vêm da escola pública. Desse percentual, se assegura a metade das vagas para aqueles que têm renda familiar igual ou inferior a 1,5 salários mínimos per capita.

É interessante observar que apesar do esforço dos últimos anos por “democratizar” o acesso ao nível superior, a inauguração de universidades tem gerado novos obstáculos e desafios, já que existe uma demanda crescente por infraestrutura adequada. Depois de instaladas, as novas estruturas precisam de salas de aula, cadeiras e mesas, restaurantes universitários, residências estudantis, laboratórios, bibliotecas, professores e técnicos administrativos, entre outros.

Greve nacional

Em 2011, foi assinado um acordo entre o governo e os sindicatos de professores que estabelecia a reposição da inflação de 2010. Esse acordo não foi respeitado pelo governo, que assumiu uma postura de desvalorização da carreira docente. Neste sentido, os sindicatos da categoria se declararam em greve no dia 17 de maio por tempo indeterminado. A pauta nacional está concentrada em quatro eixos principais:

– Reposição das perdas salariais acumuladas ao longo dos últimos dois anos;
– Reestruturação da carreira docente;
– Melhoras das condições de trabalho;
– Defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.
 

Atualmente encontram-se paralisadas as atividades em 56 das 59 universidades federais e em cinco institutos tecnológicos federais. Em muitas dessas instituições, funcionários e estudantes se somaram à greve dos professores, com pautas próprias ou somente manifestando solidariedade com as reivindicações do corpo docente. Houve inúmeras reuniões para negociar a situação. Porém a resposta do governo tem sido sempre a mesma: “tudo depende do desdobramento da crise internacional”. Nesse sentido, resulta interessante destacar que uma das principais prioridades do governo brasileiro tem sido gerar superávit primário (3). Durante o primeiro quadrimestre de 2012 foram destinados 5,49% do PIB para o pagamento de juros da dívida pública.

A última proposta apresentada pelo Ministério do Planejamento não contempla minimamente as reivindicações dos professores e foi rejeitada por 90% das universidades em greve. Apenas umas poucas instituições optaram por retomar as atividades. De acordo com o sindicato dos professores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), “a proposta do governo é puramente midiática. Não repõe as perdas com a inflação, o que significa que se a aceitássemos a maior parte dos professores teria uma perda salarial nos próximos três anos”. Apesar da suposta volta à normalidade, a greve continua em todo o país.

Pauta local da Unila

A Unila é um projeto inédito na América Latina, marcado pela preocupação com a multiculturalidade, o bilinguismo e a interdisciplinaridade, em seus três pilares: ensino, pesquisa e extensão. É uma universidade que dirige o seu olhar para dentro do continente, orientada pelo princípio da cooperação solidária. Criada por uma comissão de implantação em 2007 começou a receber os primeiros estudantes no segundo semestre de 2010 e já conta com mais de mil discentes, sendo 50% brasileiros e 50% naturais dos demais países latino-americanos.

Entendemos que seja normal enfrentar problemas e dificuldades nesse período inicial. Da mesma forma, consideramos natural e necessário que existam pressões pela continuidade das melhorias. Praticamente dois anos depois da sua entrada em funcionamento, a Unila ainda não possui um campus próprio. Dois prédios de vinte andares, anfiteatros e espaços de convivência para os 10 mil estudantes esperados em 2017 estão em processo de construção. O projeto do renomado arquiteto Oscar Niemeyer avança dentro do terreno de Itaipu. As aulas têm sido realizadas nos espaços físicos da empresa binacional, que conta com refeitório e biblioteca.

Com a chegada de novos estudantes de diversos países e regiões do Brasil, no início de 2012 esperava-se transferir alguns cursos para um edifício alugado no centro da cidade. No dia do início das aulas, em março, o prédio não estava terminado, não havia cadeiras, mesas e banheiros disponíveis. Como saída alternativa, a administração optou por alugar salas de aulas de uma universidade privada. Desde poucos dias antes do início da greve, as atividades já estavam sendo realizadas no edifício central, que até hoje não conta com serviços elementares.

No dia 24 de maio, em Assembleia Geral com a presença de 75 dos 110 professores da Unila, os docentes aderiram à greve nacional. A pauta local gira em torno de três eixos:

– Definitiva institucionalização da universidade (criação dos institutos interdisciplinares e estabelecimento do Conselho Universitário e regulamentação dos demais órgãos superiores);
– Infraestrutura: assegurar condições de trabalho e de estudo, como laboratórios, salas de aula adequadas e equipadas, escritórios e espaço de trabalho para os docentes (a biblioteca tem um acervo limitado e os cursos de engenharia e ciências da natureza ainda não contam com laboratórios);
– Regularização da carreira docente (atualmente 60% dos docentes da Unila são contratados sob a forma de professores visitantes, com vínculo de no máximo dois anos).
 

A educação pública, gratuita e de qualidade é um direito de todos e um dever do Estado. Nesse sentido, cada um dos setores das universidades estenderá a paralisação das atividades acadêmicas ou dos serviços em defesa dos benefícios coletivos. Entendendo a educação como um fator chave para o desenvolvimento e a transformação do povo brasileiro, e no caso da Unila, como elemento importante para o processo de integração regional, a luta por condições dignas e pela valorização da carreira docente é o mínimo que podemos reivindicar. Portanto, a luta continua. Sempre.

(1) Este dado o último que figura na página web do BM e corresponde ao ano 2008. O gasto público em educação compreende o gasto corrente e de capital em educação e inclui o gasto do governo em instituições educativas, tanto públicas como privadas. Fonte: http://datos.bancomundial.org/indicador/SE.XPD.TOTL.GD.ZS Acceso día 15/06/12. É importante destacar a desproporcionalidade existente entre o investimento no nível superior e nos demais níveis do sistema educativo, priorizando o primeiro.
(2) Com a taxa de câmbio atual (1 dólar – 2,04 reais), podemos dizer que o investimento expressado na divisa estadunidense equivaleria a 4,11 bilhões de dólares, aproximadamente.
(3) O superávit primário é o resultado das receitas (impostos diretos e indiretos) menos os gastos do governo. No entanto, esses gastos não incluem o pagamento dos juros da dívida pública, tanto interna como externa. Por isso, se denomina primário como forma de diferenciá-lo do total, que sim inclui o pagamento de juros. Neste sentido, o superávit primário geralmente significa sacrifício social.

Título do Vermelho, do original: Integração em greve

* Estudante uruguaia do terceiro semestre do curso de Economia, Integração e Desenvolvimento, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).