Na Grécia em crise, a ameaça nazi que surge dos escombros
No choque, as pessoas perdem os seus antigos pontos de orientação. Elas estão abertas a novas políticas, de direita ou de esquerda”. A frase do filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek no seu livro mais recente, “Vivendo no Fim dos Tempos” (Boitempo), encaixa-se como uma luva na atual conjuntura da Europa em crise.
Por Caio Zinet e Gabriela Moncau, em DiárioLiberdade
Publicado 04/08/2012 12:15
A Grécia, primeiro país a experimentar a austeridade imposta pela Troika (Banco Central Europeu, União Europeia e Fundo Monetário Internacional), vive ao extremo essa realidade. De um lado a Coligação de Esquerda Radical (Syriza) experimentou um crescimento vertiginoso no seu resultado eleitoral, saltando de 4% em 2009 para 27% nas últimas eleições de junho de 2012, quando por apenas 2% não ganhou ao partido de direita Nova Democracia, que conseguiu eleger Antonis Samarás como primeiro-ministro.
Na outra ponta, o partido de ultra direita Aurora Dourada (AD) também teve um crescimento espantoso, saltando de 0,3% em 2009 para 7% nas últimas eleições. Pela primeira vez, o partido conseguiu entrar no parlamento, ocupando 19 cadeiras. Isso sem contar com os nacionalistas de direita, Gregos Independentes, que tiveram 7,51% dos votos elegendo 20 deputados, e os também reacionários do LAOS que tiveram 1,57% dos votos.
O crescimento e a força de partidos de direita não é novidade na Europa. É comum partidos ganharem expressão eleitoral baseando-se numa uma plataforma xenófoba que culpa os imigrantes pela falta de empregos, defendendo a sua expulsão do país e o endurecimento de políticas anti-imigrantes.
Na França, por exemplo, a Frente Nacional de Jean Marie Le Pen e sua filha, Marine Le Pen, obtém expressivos resultados eleitorais desde, pelo menos, 2002, quando teve 19% dos votos e por pouco não ganhou as eleições daquele ano. No último ato eleitoral, que ocorreu esse ano, Marine obteve quase 18% dos votos ficando em terceiro lugar logo atrás de Nicolas Sarkozy e François Hollande.
O que vemos na Grécia, no entanto, parece estar num patamar acima dessas experiências. Para além de palavras e discursos racistas e anti-imigrantes, os membros do Aurora Dourada têm tomado as ruas com práticas violentas. Todos os dias as manchetes dos jornais gregos estampam notícias sobre espancamentos cometidos por grupos de cerca de dez pessoas contra imigrantes (em especial paquistaneses e afegãos).
Na noite do dia da última eleição, em 17 de junho, por exemplo, um imigrante paquistanês foi espancado dentro de uma estação de comboio de Atenas. Testemunhas disseram à polícia que 11 homens vestidos de preto, com uma espécie de uniforme do partido, deram socos e pontapés no imigrante e, de seguida, esfaquearam-no. A vítima foi encaminhada para o hospital, e embora tenha sido muito maltratada, sobreviveu ao atentado.
Militantes de esquerda também têm sido alvo de ataques. Uma barraca do Partido Comunista Grego (KKE) foi atacada no dia 15 de junho, dois dias antes das eleições num bairro mais afastado do centro de Atenas. Na mesma noite, o mesmo aconteceu com um espaço da Syriza.
O Aurora Dourada nega ser o organizador dos ataques, mas vários líderes do partido foram identificados após agredirem pessoas na rua. Além disso, a maioria dos ataques segue um padrão. Um grande grupo, em torno de dez ou mais pessoas, todas vestidas de preto e, na sua maioria, homens de cabeça rapada, no período da noite, cercam e espancam um imigrante.
Poucos foram os agressores presos, e menos pessoas ainda foram condenadas pelos ataques. Uma das razões que explica isso é que se estima que o partido tenha 50% de apoio entre os policiais militares da Grécia.
“Eu já estive em manifestações no Brasil, na Av. Paulista, por exemplo. Vi muito repressão policial. Mas quando vem uma ordem de cima a dizer para eles pararem, eles param. Aqui isso não acontece. Eles atuam por iniciativa própria, porque gostam de combater as pessoas, estão convencidos ideologicamente contra a esquerda, contra os pobres, contra os imigrantes”, afirmou Kriton Iliópulos, tradutor, membro do coletivo Alana e da revista que leva o mesmo nome, e que morou no Brasil durante cinco anos.
Partido neo-nazi
O Aurora Dourada foi fundado em 1993 e intitula-se um "movimento popular nacionalista". Michaloliakos descreve a Aurora Dourada como um movimento oposto ao Iluminismo e à Revolução Industrial . O partido também se diz opositor do Marxismo e do Liberalismo. O partido nega ser nazi, no entanto, várias evidências apontam para tal filiação ideológica.
A começar pelo próprio símbolo do partido, inspirado na suástica utilizada por Hitler na Alemanha Nazi. Em segundo lugar, o grupo também faz uso de gestos similares aos do nazismo. Michaloliakos fez a famosa saudação com braço estendido ao entrar na câmara pela primeira vez após ser eleito vereador de Atenas em 2010.
O partido tinha pouca expressão social até o estouro da crise da dívida na Grécia e o subsequente pedido de resgate à Troika (FMI, União Europeia, Banco Central Europeu) acompanhado das medidas de austeridade que fizeram despenhar a qualidade de vida do povo grego.
O desemprego que, em 2007, era de 8% saltou para 22,6% no primeiro trimestre desse ano. Entre os jovens, o índice é de 52,7%. A realidade é ainda mais forte do que os dados oficiais, que não contabilizam nas estatísticas aqueles que desistiram de procurar emprego, ou que trabalham, mas não recebem. O salário mínimo foi cortado em 22%, funcionários públicos foram demitidos e tiveram os seus salários cortados em 40%.
Nesse cenário, o partido encontrou um ambiente propício para crescer. Adotando um discurso anti-austeridade, e de que é necessário retomar o orgulho de ser grego, o partido foi aos poucos ampliando a sua base de apoio no meio de um tecido social destruído por conta da crise e das medidas de austeridade.
“Vamos livrar o país do mau cheiro”. É esse o slogan do Aurora Dourada num anúncio televisivo, em referência aos que entram ilegalmente no país. Baseados no discurso nacionalista, os partidários do AD voltam os seus pontapés e palavras de ódio contra o alvo mais frágil da sociedade grega: os imigrantes. A principal proposta política do partido para o problema da imigração é a colocação de minas terrestres nas fronteiras do país.
A Grécia se tornou uma grande porta de entrada para a Europa para imigrantes africanos, e especialmente asiáticos. Estimativas apontam que, entre 500 mil e um milhão de imigrantes, vivam na Grécia. O número é altíssimo, tendo em vista que cerca de 12 milhões de pessoas moram na Grécia.
“A imigração é um problema para toda a Europa, mas principalmente para os países do sul, como Itália, Espanha e Grécia. Todas as ondas de imigrantes vindas da África ou da Ásia passam pela Grécia para chegar ao resto da Europa. Muitos ficam presos aqui”, afirmou Thomas Tsalabadis, poeta e colunista de alguns jornais na Grécia.
A combinação de crise económica com o alto índice de imigração permitiu que o discurso nacionalista do AD, fundamentado na ideia de que os imigrantes roubam os empregos dos gregos, encontrasse solo fértil para florescer. Nesse cenário, a violência do partido não foi acidental. O ritmo de agressões inclusive cresceu entre as eleições de maio e junho.
O jornalista Yorgos Mitralias escreveu um artigo em que defende a tese de que a violência foi um elemento importante para explicar o crescimento do AD nessas eleições, pois isso permitiu que se diferenciasse de outros partidos de ultra direita, como o LAOS e Gregos Independentes.
“A Aurora Dourada é muito diferente do seu precursor, ou seja, o partido de extrema-direita LAOS, que era "sistémico" quanto às suas opções políticas e interclassista na composição da sua base eleitoral”, afirmou.
“A Aurora Dourada fez uma opção muito consciente de aumentar o nível de violência – ataque diário a imigrantes em atos públicos de violência, agressão por parte do número dois do partido contra duas deputadas de esquerda ao vivo num programa de TV, agressões contra militantes de esquerda – (…) A violência da Aurora Dourada contra os imigrantes e os militantes de esquerda, não diminui, mas aumenta a sua influência e a sua capacidade de atração, por um lado, de determinados extratos sociais de deserdados e, por outro, da burguesia e do patronato grego”, completou.
Quem apoia o Aurora Dourada?
O Aurora Dourada tem apoio entre os desempregados, onde o índice de voto foi de 12,2%. Cerca de 20% dos votos dos empresários gregos também foram para o partido. A parcela de votantes do partido é maior entre os moradores de grandes cidades entre 24 e 45 anos. Trabalhadores precarizados também votaram em peso no partido neo-nazi.
Não é mera coincidência notar que os principais apoios ao Syriza tem o mesmo perfil social, com exceção dos empresários, por razões óbvias. O apoiante médio da Syriza também é jovem, precarizado ou desempregado, e morador das grandes cidades gregas. Isso evidencia a polarização dos setores que foram mais afetados pela crise. Não é à toa que a previsão dos caminhos que o país traçará nos próximos anos é ainda bastante nebulosa.
“Os neo-nazis gregos não estão só a instalar-se de forma duradoura no coração da paisagem política grega, como constituem, com a Syriza, a segunda força organizada e em plena expansão, disputando o espaço onde se vai decidir o futuro do país: nos grandes centros urbanos e entre a população mais ativa e mais dinâmica”, escreveu Yorgos.
Outro elemento importante para explicar o crescimento eleitoral do AD é a descrença da maioria do povo grego na política tradicional, e nos principais partidos políticos que dominaram a cena grega durante os últimos 30 anos, PASOK e Nova Democracia. Parte significativa da sociedade grega, em especial a mais atingida pelos cortes, associa os membros desses dois partidos a uma imagem de corrupção e ineficiência. Além disso, há um sentimento de que os partidos passaram a tomar decisões a despeito daquilo que a maioria da população acreditava ser o melhor.
Durante a campanha, o Aurora Dourada conseguiu passar imagem de que é um partido duro, não corruptível e capaz de tomar decisões de maneira ágil e firme, ao contrário do PASOK e Nova Democracia, que são corruptos e foram os responsáveis pela atual situação do país. Conseguiu, portanto, captar parte do sentimento contra o Estado e contra os dois partidos que até então dominavam a política grega.
A sociedade grega parece cada vez mais dividida pelos dois extremos da política com pessoas dispostas a ir às últimas consequências para a sua causa. Dessa forma, o desenlace da situação grega está longe de ser definido. O nazismo cresce e polariza cada vez mais a política grega. Essa ameaça não pode ser ignorada nem subestimada.
“O que falta à esquerda grega, para que ela possa compreender, enfrentar e combater eficazmente a peste negra (ascensão do Aurora Dourada) que começa a levantar a cabeça, é a memória e a compreensão do que aconteceu na Alemanha – mas também na Itália – nos anos vinte e trinta. Sem a experiência e as lições dessa época, a esquerda grega está condenada ao improviso e a não enfrentar o rosto dos neo-nazis que dão já mostras de se moverem cuidadosamente, seguindo escrupulosamente as orientações do manual do nacional-socialismo”, salientou Yorgos, para quem a situação atual grega mostra cada vez maiores semelhanças com a Alemanha na fase final da República de Weimar, com a ascensão de Hitler ao poder:
“Parece incrível, mas infelizmente é verdade. Por isso, enquanto não se compreender o fenómeno Aurora Dourada, como sendo um produto da sua época (da crise económica, social e política terminal), este ‘fenómeno’ continuará o seu desenvolvimento rápido e fulgurante sem problemas. Então, cuidado: estamos apenas no começo desta história que promete um futuro com pesadelos, se a esquerda grega continuar a ver na Aurora Dourada um simples ‘anacronismo’ passageiro, condenado a desaparecer quando as pessoas perceberem sua natureza retrógrada e perigosa”, escreveu Yorgos.
Fonte: Esquerda.net