Chile: arquivos secretos revelam rede de espionagem na ditadura
Milhares de arquivos secretos da ditadura chilena sob o comando do general Augusto Pinochet (1973-1990) foram revelados à agência de notícias DPA e divulgados nesta sexta-feira (3). Guardados por décadas como confidenciais, os documentos indicam que os órgãos de repressão do Chile trocavam correspondências quase diárias com outras autoridades da época para coordenar operações em todo o mundo.
Publicado 03/08/2012 15:57
De acordo com esses arquivos, a polícia secreta do ditador liderou uma rede de espionagem dentro e fora do Chile que cruzou informações com Vaticano, FBI, e outras ditaduras da América Latina.
As documentações, extraídas dos órgãos repressores Dina (Direção de Inteligência Nacional) e seu sucessor, o CNI (Central Nacional de Informações), revelam também a perseguição e o monitoramento a centenas de jornalistas que trabalhavam como correspondentes dentro e fora do país sul-americano.
Os arquivos revelam o esforço da ditadura Pinochet em desacreditar seus opositores e ganhar aliados, operação que envolveu o atual deputado Alberto Cardemil, da Renovação Nacional, mesmo partido do atual presidente Sebastián Piñera. Cardemil, que já foi ministro do Interior na ditadura, enviou para seus aliados informações sobre a ONG defensora dos direitos humanos "Vicariato da Solidariedade" com o objetivo de lançar um o programa para desacreditá-la.
Os documentos indicam que os militares se preocupavam com a opinião dos outros países sobre o Chile, em especial sobre denúncias contra os direitos humanos. Ante as críticas, a Dina chegou a elaborar e distribuir, em 1976, um ofício para as embaixadas em todo o mundo em que pretendia ressaltar a imagem de Pinochet como um “soldado estadista”.
De acordo com uma circular da Dina datada de 1975, Manuel Contreras que, como diretor da entidade planejou atentados nos Estados Unidos, Argentina e Itália, tinha autoridade suficiente para investigar todos os funcionários do Estado. "Vossa Excelência (o presidente) dispôs que, a partir desta data, nenhum funcionário público será contratado sem que previamente a Dina verifique seus antecedentes em respeito às atividades que o interessado possa vir a ter realizado", informou o então ministro do Interior, general Raúl Benavides.
As equipes de inteligência enviavam ao governo detalhes inclusive de debates em centros de estudo no país, classificando-os como “ativismo intelectual".
Os textos mostram ainda diálogos com o Vaticano para neutralizar setores da Igreja que criticavam as violações dos direitos humanos.
Em 1976, os poderes da DINA foram ampliados. Além de investigar os antecedentes na hora da contratação, o órgão passou a ter poder para investigar qualquer funcionário. Seu diretor poderia inclusive dar ordens a ministros.
A iniciativa, denominada Plano de Operações Épsilon, tinha 11 páginas e foi planejada em junho de 1975 por Contreras, diante de uma visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao país. A estratégia foi distribuída a ministros e chefes de serviços da ditadura e tinha como missão "realizar uma campanha de ação psicológica aberta e clandestina" para neutralizar no mundo as denúncias por violações aos direitos humanos.
A coordenação entre a polícia secreta e os ministros continuou inclusive depois da dissolução do órgão, em 1978. A CNI, que substituiu a DINA, impulsionava desde sua criação as operações na Bolívia, Argentina e Brasil, por meio das embaixadas chilenas que enviavam informes periódicos sobre a atividade dos exilados, os meios de comunicação e os organismos humanitários.
Outra peça-chave importante são os “Informes de Apreciação Sociológica da Armada”, preparada pela Junta Militar nos últimos anos do regime, onde eles mesmos delineiam a entrega do poder e as características que o regime democrático deveria adotar, onde os militares não tivessem de ceder o “princípio da autoridade”. As mudanças foram acordadas com a oposição de centro-esquerda.
Fonte: Opera Mundi