Internet mudou o jeito como as pessoas se relacionam, diz sueco
Rick Falkvinge, fundador do Partido Pirata sueco – o primeiro a ser criado no mundo, em 2006 –, afirmou em Porto Alegre (RS) que a internet modificou a forma como a humanidade colabora entre si e que os políticos ainda não conseguiram assimilar essa realidade.
Por Samir Oliveira, do Sul21
Publicado 30/07/2012 15:19
Ele esteve na capital gaúcha na semana passada (23 a 27 de julho) para participar da 13ª edição do Fórum Internacional do Software Livre. “Eles pensam que entendem a internet, mas não entendem. Vai ser preciso que uma nova geração chegue ao poder para realmente começar a utilizar a internet para o bem das pessoas”, disse.
Rick contou que decidiu fundar o Partido Pirata para politizar temas ignorados pela política tradicional, como a liberdade na internet e o compartilhamento de arquivos e de conhecimento entre os usuários da rede. “Eu comecei a perceber que somente o ativismo não iria fazer diferença. Percebi que era preciso tornar isso uma questão pessoal para os políticos, ou eles jamais iriam se importar.”
Leia íntegra da entrevista:
Sul21 – Por que o sr. decidiu criar um partido político? Hoje em dia a política tradicional e suas instituições, os partidos, estão bastante desacreditados. Muitas pessoas não enxergam nessas instâncias a solução para os problemas de um país.
Rick Falkvinge -Em 2005 eu estava me frustrando cada vez mais com a desatenção dos políticos aos problemas como a privacidade na internet e a cultura do compartilhamento de conteúdos e de conhecimento. Eram assuntos discutidos no trabalho, no cafezinho, nos jantares em família, nas universidades, e, ainda assim, os políticos não percebiam isso. Ao mesmo tempo, tínhamos ativistas muito bem-sucedidos que conseguiam problematizar esses temas na mídia. Mas eu comecei a perceber que somente o ativismo não iria fazer diferença. Percebi que era preciso tornar isso uma questão pessoal para os políticos, ou eles jamais iriam se importar. Originalmente, fundar o partido foi apenas uma maneira de pautar esses assuntos para os políticos, ameaçando o trabalho deles ao expor o desconhecimento que tinham sobre os temas. Eu pensava que se eles começassem a assimilar essas questões, eu poderia voltar à minha vida normal. E não foi bem assim que aconteceu. É preciso desafiar os políticos nas eleições para pautarmos essa agenda. Isso pegou os políticos tradicionais completamente de surpresa.
Sul21 – É possível mudar o modo tradicional de se fazer política sendo parte deste ambiente?
RF – Essa é uma questão fundamental para entender por que o Partido Pirata tem tido tanto sucesso. Estamos levando a cultura da internet, onde as pessoas simplesmente falam com quem quiserem, para a política. Isso tem muito apelo entre as pessoas, pois elas percebem que podem simplesmente vir falar com a gente e serão ouvidas. Elas não podem ser ouvidas nos partidos tradicionais. E nós não nos vemos como políticos, nem a população nos vê assim. Nós nos vemos como cidadãos que lutam pelas liberdades civis e nos quais as pessoas podem votar no dia das eleições. Claro que, uma vez que nós nos candidatamos, somos, por definição, políticos. Mas estamos expandido o espectro político de uma forma tão vasta que ainda temos algumas crises de identidade, porque conhecíamos a política de uma forma e agora não é mais assim, porque nós a modificamos.
Sul21 – O Partido Pirata se considera uma organização de esquerda, de centro ou de direita?
RF – Essas palavras não se encaixam no partido. Com outros grandes movimentos políticos que surgiam, também faziam essa pergunta e sempre diziam que esses rótulos não serviam. Foi assim quando o partido trabalhista surgiu. Eles diziam que não eram conservadores ou liberais, mas trabalhistas. O mesmo ocorreu com o movimento dos verdes, que se diziam sustentáveis. Nós do Partido Pirata não somos liberais, conservadores, trabalhistas ou sustentáveis. Somos tudo o que a internet traz para potencializar a existência humana.
Sul21 – Quando o sr. fundou o partido, acreditava que essa ideia pudesse se espalhar pelo mundo?
RF – Eu tinha certeza que iria se espalhar, mas fui pego de surpresa pela velocidade com que isso aconteceu. Eu tinha feito os cálculos, sabia que poderíamos ser vitoriosos na Suécia. Meu palpite era que teríamos 225 mil votos. Nós conseguimos 225.915 votos. Essa precisão toda foi um pouco de sorte, claro, mas eu imaginava que precisaríamos vencer na Suécia primeiro, antes nos espalharmos pelos outros países. Era preciso mostrar que essa ideia podia prosperar e, então, outros fariam o mesmo. Tivemos cinco partidos piratas na primeira semana de existência do nosso partido. Aparentemente, era preciso somente que alguém dissesse: “É preciso politizar esses assuntos”.
Sul21 – E qual a influência que o partido está tendo sobre os políticos da Suécia?
RF – Não há nada que faça os políticos prestarem mais atenção a uma questão do que o risco de perder votos. Se você faz os políticos perderem votos por causa de questões como liberdades civis na internet, então eles começarão a ligar para isso. Ao conseguirmos votos e, mais do que isso, assentos nos parlamentos, todo o espectro político se volta para a nossa direção, pois os partidos tradicionais querem evitar a perda de mais votos para nós. É assim que a política funciona e é uma maneira muito eficiente de se mudar os rumos de um país.
Sul21 – Os governos vêm utilizando a internet da forma mais adequada em suas políticas públicas?
RF – Infelizmente, ainda há muito a ser feito nesse aspecto. Muitos problemas vêm do fato de que os políticos no poder não entendem realmente o que é a internet. Em muitos países, eles têm seus e-mail impressos por suas secretárias. Eles pensam que entendem a internet, mas não entendem. Vai ser preciso que uma nova geração chegue ao poder para realmente começar a utilizar a internet para o bem das pessoas. Mas uma coisa é bem clara: isso irá possibilitar uma nova era na participação popular. A internet mudou o modo como a humanidade colabora entre si enquanto espécie.
Sul21 – O senhor é um entusiasta do papel do Brasil nos debates relacionados à internet. Por quê?
RF – Os Estados Unidos e a União Europeia estão muito preocupados em impedir a inovação e a criatividade. Eles chamam isso de “proteger empregos”. Proteger empregos que são obsoletos não ajuda a economia, os cidadãos e os empresários. Se analisarmos as cinco maiores economias emergentes, veremos que o Brasil tem a posição mais avançada no entendimento da importância do software livre, de uma internet livre e de um governo transparente e colaborativo. A Rússia tende a reprimir os discursos livres para coibir dissidências internas. A China tende a copiar a estrutura monopolista dos Estados Unidos e a também reprimir as manifestações internas. E na Índia, os lobbys têm tido bastante sucesso em tornar o país suscetível aos monopólios. O Brasil não caiu nessa armadilha e está indo numa outra direção. Acredito que o Brasil pode estar muito próximo de atingir um ponto ideal que possibilite uma reação em cadeia na geopolítica global a favor da internet como um instrumento livre.
Sul21 – Na sua avaliação, o monopólio do copyright não é um problema financeiro, mas de liberdade individual?
RF – Com os canais de comunicação digital, podemos enviar mensagens, chamadas telefônicas, e-mails, etc. E podemos usar esses canais também para enviar músicas e filmes uns aos outros. Isso significa que a única forma de o monopólio do copyright proibir isso seria acessar todos os dados que circulam entre os computadores pela internet. Para poder classificar algo como legal ou ilegal, seria preciso verificar todas as mensagens enviadas entre os usuários. Estamos numa encruzilhada. Ou se proíbe a comunicação privada enquanto um conceito, ou nós, enquanto sociedade, manifestamos que o conceito de comunicação privada é muito mais importante do que o monopólio de distribuição de indústria do entretenimento.
Fonte: Rede Brasil Atual