Brasil avança no trabalho decente, mas mantém chagas históricas
Um relatório divulgado nesta quinta-feira (19) pela representação local da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que o Brasil evoluiu nos indicadores socioeconômicos do chamado "trabalho decente", mas ainda há muitos desafios a serem superados.
Publicado 19/07/2012 17:42
Entre os fatores a serem comemorados, o estudo mostra que, entre 2003 e 2009, a pobreza no Brasil caiu 36,5%, o que significa que 27,9 milhões de pessoas saíram dessa condição no período. A OIT considera como pobres as pessoas cuja renda fica abaixo de meio salário mínimo mensal per capita. Apesar disso, a extrema pobreza ainda afeta 16,3 milhões de pessoas, 8,5% da população.
Segundo a organização, a redução da pobreza esteve diretamente associada ao crescimento do emprego, ao aumento real dos rendimentos do trabalho, à ampliação da cobertura dos programas de transferência de renda e de previdência e assistência social, entre outros.
Entre os planos sociais e de transferência de renda, a OIT destaca o impacto do Bolsa Família, que em 2004 ajudava cerca de 6,5 milhões de famílias e agora chega a 13,3 milhões, com um investimento que em 2011 foi de R$ 16,7 milhões.
Apesar da crise econômica, o Brasil manteve a trajetória de queda do desemprego, e o emprego formal cresceu de forma expressiva, sobretudo nas regiões mais pobres e com mercados de trabalho menos estruturados. Entre 2003 e 2010 foram gerados no Brasil 15,38 milhões de postos formais de trabalho, configurando um aumento acumulado de +53,6% em um período de oito anos. Ainda assim, calcula-se que cerca de 30% da massa laboral do país ainda prestam serviços de maneira informal.
O relatório atribui às medidas anticíclicas implementadas pelo governo brasileiro a redução dos impactos das turbulências econômicas. De 2004 a 2009 o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 19,3%, com maior taxa no Centro-Oeste (24,9%). Ampliou-se a participação das economias regionais do Norte (de 4,9% para 5%), Nordeste (de 12,7% para 13,5%) e Centro-Oeste (de 9,1% para 9,6%). Mesmo assim, acrescenta a entidade, Sudeste e Sul ainda concentram 71,8% do PIB.
O rendimento médio real dos trabalhadores cresceu continuamente, passando de R$ 896 para R$ 1.071 entre 2004 e 2009, o que representa um aumento real de 19,5% em apenas cinco anos, apesar da crise.
Desigualdades e "chagas" históricas permanecem
Apesar das conquistas, o relatório aponta que "persistem contundentes desigualdades regionais, de gênero e de raça", além de problemas históricos ainda não terem sido eliminados – como é o caso do trabalho escravo e infantil, aponta Joilson Cardoso, secretário de Políticas Sindicais e Relações Institucionais da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
A OIT aponta que o número de crianças e adolescentes ocupados entre 5 e 17 anos de idade reduziu-se em 1,05 milhão entre 2004 e 2009, passando de 5,3 milhões para 4,2 milhões. Em termos percentuais, a incidência do trabalho infantil e adolescente nesse grupo etário caiu de 11,8% para 9,8%, passando a situar-se abaixo de dois dígitos a partir de 2009.
O trabalho infantil diminuiu em todos os grupos etários. Apesar desse declínio, um contingente de 123 mil meninos e meninas ainda estava trabalhando no ano de 2009. A região Nordeste abrigava 46,3% desse total (o correspondente a 57 mil crianças), seguida pelas regiões Sudeste (24 mil ou 19,5% do total) e Norte (20 mil ou 16,2% do total).
"Temos o que comemorar por um lado, mas ainda há chagas históricas como essas que precisam ser abolidas", disse Cardoso, criticando o fato de o país permitir, a partir da Lei da Aprendizagem, o trabalho de jovens a partir de 14 anos. "Acontece que o jovem que trabalha como cortador de cana não tem nada de aprendiz", afirmou, defendendo a mudança na legislação, uma vez que ela provocaria confusão.
Adolescentes
De fato, em 2009, 1,15 milhão de adolescentes de 14 e 15 anos de idade estava trabalhando no país, o que correspondia a 16,1% do total de pessoas nessa faixa etária. Destes, apenas 18,6 mil (ou 1,6% do total) eram contratados como aprendizes de acordo com a Lei de Aprendizagem.
Joilson Cardoso destaca a importância do relatório no combate ao trabalho escravo, já que o estudo identifica os locais em que isso ocorre. Entre 2008 e 2011, 13.841 trabalhadores foram resgatados de situações de trabalho análogo ao de escravo pelo Grupo Especial Móvel de Fiscalização.
A região Centro-Oeste respondia pelo maior número de pessoas libertadas (3.592) nesse período (260% do total nacional). Quatro estados concentravam quase a metade (6.454, ou 46,6%) do total de pessoas libertadas: Pará (1.929, ou 13,9%), Goiás (1.848, ou 13,4%), Minas Gerais (1.578, ou 11,4%) e Mato Grosso (1.099, ou 7,9%).
Cardoso lembra que tramita no Senado a PEC do Trabalho Escravo, que prevê punição e até o confisco das terras em que esse tipo de exploração for verificada. "Depende agora da vontade política do Senado para pautar essa questão", obesrvou.
De acordo com o sindicalista, o gargalo do desequilíbrio regional é outro entrave que o Brasil não conseguiu superar, como mostra a OIT. "As regiões brasileiras possuem suas especifidades, então deve haver políticas regionais específicas, de forma a equilibrar o país, sob pena de perpetuarmos um verdadeiro apartheid em um país que é tão unificado. E isso é papel do poder central", avalia Cardoso.
O sindicalista destaca que o trabalho decente está diretamente ligado ao desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social. Ele ressalta que, em um momento em que o país aproxima-se do pleno emprego, com aumento nos empregos formais, a questão da alta rotatividade é ainda um grave problema, assim como a elevada jornada de trabalho.
"No Brasil, trabalha-se 44 horas semanais, que se somam a um grande período gasto com o deslocamento para o trabalho, de cerca de quatro horas diárias. É preciso então conseguir reduzir essa jornada, que além de criar mais empregos, representaria qualidade de vida para a população. O impacto seria de 1,9% para as empresas, que tiveram um lucro de 190%. Seria então uma contrapartida social para esse momento de desenvolvimento que o Brasil vive", defende.
Desemprego entre jovens
O dirigente sindical destaca ainda os dados relacionados ao desemprego entre jovens. "Seguindo uma tendência mundial, em 2009 a taxa de desemprego entre os jovens (15 a 24 anos de idade) era de 17,8%, sendo mais do que duas vezes superior à taxa total de desemprego (8,4%)", diz o relatório. Além disso, em 2009, um expressivo contingente de 6,2 milhões de jovens (18,4% do total) não estudava nem trabalhava. "Essa é uma situação de risco, porque o Brasil pode perder esses jovens para a criminalidade e a violência", lamenta Cardoso.
Ele também chama a atenção para os números sobre qualificação profissional. "Segundo os dados referentes ao ano de 2007, considerando-se a população de 10 anos ou mais de idade, 3,8% frequentavam algum curso de educação profissional e 18,6% não estavam frequentando, mas haviam frequentado anteriormente. Sendo assim, pouco menos de um quarto da população (22,4%) tinha passado por algum curso de educação profissional", afirma a OIT.
"Este é mais um gargalo que precisamo resolver. A qualificação está sendo desprezada em um momento importante. O governo não está dando a resposta necessária com o Pronatec. Não podemos ter ilhas de excelência cercadas por um cinturão de pobreza. Isso é causado pela falta de políticas de qualificação associadas às de desenvolvimento local e regional", conclui.
Por Joana Rozowykwiat, com informações da OIT