Falta espaço para agenda da mulher nos partidos, diz ativista
A cientista política potiguar Joluzia Batista, 40 anos, é uma das colaboradoras da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), ONG que luta pelo fortalecimento de políticas públicas para mulheres. Em entrevista, a ativista analisa porque a maior parte dos partidos não tem quadros femininos para preencher a cota de 30% – determinada por lei – nas nominatas aos legislativos.
Publicado 11/07/2012 17:39
Para ela, a própria estrutura de organização dos partidos se torna um obstáculo para o ingresso de mulheres, excluindo-as da linha de frente das disputas internas e direcionando poucos recursos para investir em suas campanhas. A cientista defende que as legendas aprimorem a relação com o público feminino e usem mais recursos do fundo partidário para capacitação dos grupos direcionados às mulheres. Acompanhe a entrevista, publicada no Jornal do Comércio, em 4 de julho.
Jornal do Comércio: Por que os partidos têm tanta dificuldade em preencher as cotas para mulheres?
Joluzia Batista: Numa perspectiva mais ampla e teórico-política, é porque a sociedade é de fato machista e o sistema patriarcal é pesado. As agendas das mulheres ou lutas comunitárias das mulheres não são sequer visibilizadas dentro dos partidos. As mulheres estão muito mais para fazer as bases e ser público de manobra, cabo eleitoral, seja em eleição de conselho tutelar, que é uma prática muito similar a eleições de vereadores, em que as mulheres estão na linha de frente das lutas comunitárias, mas na hora H, de chegar e disputar esse poder, elas não contam. Porque é a visibilidade do poder que está na nossa sociedade do homem. Se não for pelo grupo de mulheres organizadas, não conseguem emplacar uma candidatura e muito menos ter dinheiro para sustentá-la. Mas, na maioria dos casos, são mulheres que têm um perfil de luta mais arrojada ou que vêm do movimento sindical. Ou ainda são mulheres ou filhas de políticos, que são “candidaturas-laranjas”, isso principalmente nos partidos de centro e de direita.
JC: Como é possível superar esses obstáculos?
JB: Para uma mulher se colocar como liderança e disputar a chapa majoritária, primeiro ela tem que ter uma pauta de disputa ampliada. Uma mulher nunca vai chegar para disputar uma chapa majoritária com uma agenda restrita ao mundo das mulheres, dizendo vulgarmente. Tem que pensar o partido de forma ampla, heterogênea. E os partidos não conseguem enxergar que elas não podem entrar com essa pauta tão restrita para as candidaturas majoritárias.
JC: Como avalia essa acomodação de última hora de nomes somente para garantir a validação das nominatas?
JB: É fruto da acomodação, da falta de um debate político interno mais qualificado. É também um centralismo e um machismo nessa perspectiva de tentar fazer uma conformação. Além dessa falta de perspectiva mesmo de fazer um debate sobre formação política no interior dos quadros, de ter um programa político ampliado. Alguns partidos de esquerda estão tentando ter pautas mais ampliadas, estão dialogando de forma mais ampla com alguns movimentos sociais. Mas os partidos historicamente consolidados têm até secretarias de mulheres, mas as pautas são muito reduzidas, ficam no âmbito da saúde, da educação, enfrentamento à violência e exploração sexual.
JC: Há falta de referências femininas nos partidos?
JB: Sim, falta presença das mulheres nos cargos diretivos ou no próprio Parlamento, seja municipal ou estadual, que é um ponto limitante. Mas a disputa interna partidária na composição das chapas é violenta. Muitas vezes lideranças femininas de bairro se ausentam desse processo. Não é toda mulher que tem o suporte financeiro, político e, muitas vezes, emocional para aguentar esse embate partidário na disputa por vagas ou para figurar mesmo nas chapas majoritárias. É predominante a forma de fazer política muito masculinizada.
JC: A eleição de uma mulher para a presidência da República pode ajudar a reverter esse quadro?
JB: Sem dúvida. A eleição da presidente (Dilma Rousseff, PT) coloca um elemento na constituição de uma nova cultura política. É um novo parâmetro, mas, antes de pegar isso como exemplo, muita coisa tem que se fazer internamente nos partidos.
JC: A questão da dupla jornada de trabalho e filhos também é um impedimento?
JB: Nessa esfera do âmbito municipal, as mulheres estão muito submissas ainda a esse cuidar da casa e depois da vida pública. Isso já vem de muito tempo: o espaço não é nosso, é uma conquista diária. É interessante observar que nas últimas eleições municipais algumas prefeitas conseguiram, inclusive, se destacar em cima desse conflito, pegando como uma oportunidade. Houve até cenas ridículas, como a de uma candidata que disse que tinha que encerrar o comício para ir para casa cuidar dos filhos. Para dizer “além de prefeita sou mãe”, o que mostra que até de forma institucionalizada a mulher tem que ir acumulando as três jornadas. Isso é uma coisa séria que temos que combater no campo simbólico. Leva também a achar que porque a gente cuida bem da família, vai fazer faxinas ou arrumar a casa no âmbito público, sanear as contas. Tem muito desse imaginário que também está grudado na presidente. Ainda é muito difícil estarmos nesses lugares por nós mesmas, por convicção partidária, por ideologia ou porque somos cidadãs e queremos participar de um projeto.
JC: As cotas ajudam a mudar esse cenário?
JB: Já são um ponto, mas nas próximas eleições teremos que analisar o saldo das anteriores do ponto de vista das punições e advertências aos partidos que não conseguiram cumprir com a formação das mulheres. Saber também se os partidos pensaram na capacitação das mulheres e ainda quantas mulheres negras e portadoras de necessidades especiais foram incluídas. Poderemos fazer uma prestação de contas também de quanto do percentual do fundo partidário foi usado para essa formação.
Fonte: Jornal do Comércio