Será o fim da era nuclear?
A indústria nuclear “está em declínio”, a era do “renascimento nuclear” invocada por alguns lobbies do setor “não passa de desejos tomados como realidade” e “a era das energias renováveis caras e do nuclear barato passou”, conclui o relatório World Nuclear Industry Status de 2012.
Publicado 10/07/2012 15:11
A indústria nuclear “está em declínio”, a era do “renascimento nuclear” invocada por alguns lobbies do setor “não passa de desejos tomados como realidade” e “a era das energias renováveis caras e do nuclear barato passou”, conclui o relatório World Nuclear Industry Status de 2012 (20 anos depois da primeira edição) dos consultores independentes Myele Schneider e Anthony Frogatt. O documento fundamenta as conclusões num vasto conjunto de dados nacionais e internacionais divulgado pela agência francesa Mediapart.
O “declínio da indústria nuclear” decorre da sua perda de competitividade no mercado energético perante a subida das indústrias renováveis, principalmente a eólica, mas também a fotovoltaica (solar), e ainda da oposição cada vez maior da opinião pública. Esta tendência, que já não é recente, acelerou-se com o desastre de Fukushima e pela conclusão assumida segundo a qual apesar dos fenômenos naturais “o desastre foi causado pelo homem”.
O relatório enumera os recuos atuais de numerosos países em relação à energia nuclear, mesmo de alguns que têm feito desse recurso uma componente energética estratégica.
Relatório diz que "sistemas nucleares deixaram de ser competitivos"
A China congelou todos os seus projetos nucleares a seguir a Fukushima; a Alemanha, a Bélgica, a Suíça e Taiwan anunciaram o abandono planeado da energia nuclear; Egito, Itália, Jordânia, Kuwait e Tailândia renunciaram aos projetos existentes; Bélgica e Japão abandonaram os reatores em construção, Brasil e Estados Unidos desistiram de projetos de novas construções; e na França, superpotência da energia nuclear civil, uma das primeiras decisões do novo chefe de Estado, François Hollande, foi a de congelar o projeto de Penly.
Entre 1 de janeiro de 2011 e julho de 2012, informa o relatório dos dois consultores, entraram em funcionamento 11 novos reatores enquanto 21 deixaram de estar em atividade. Dos 54 reatores existentes no Japão apenas está em funcionamento um, prevendo-se que um segundo deva entrar proximamente em linha.
Só o Irã se lançou como estreante na energia nuclear, indústria em que 71% da produção é dominada apenas por seis países: Alemanha, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia e Rússia. A parte da energia nuclear na produção energética mundial era de 17% há 20 anos e desceu agora para 11%; a produção global nuclear em 2011 ficou 5,3% abaixo do recorde de 2006.
“A era das energias renováveis caras e da energia nuclear barata já passou”, afirmam os autores do relatório fundamentando a conclusão em dados comparativos.
Em 2011, revelam, a produção eólica já atingiu um oitavo da energia total produzida no mundo, o que significa que a taxa de crescimento foi multiplicada por 50 vezes em apenas cinco anos. Hoje a indústria eólica já representa 30% do total de energia produzida na China, um país que produz tanta quantidade de energia a partir do vento como a França a partir do nuclear.
Schneider e Frogatt afirmam que a “paridade na rede” das indústrias renováveis, isto é a capacidade competitiva com os preços de outras fontes de energia, se tornou cada vez mais equivalente em países como a Alemanha, a Dinamarca, Itália, Espanha e regiões da Austrália, com base sobretudo na produção eólica.
Um estudo divulgado recentemente nos Estados Unidos, segundo os dois autores, revelou dados aterrorizadores para os lobbies nucleares. O preço médio por Megawatt/hora nuclear varia entre 77 e 114 dólares e o da energia eólica entre 48 e 95 dólares. O mesmo trabalho que prevê que a energia fotovoltaica, ainda um pouco mais cara, pode disparar em termos de competitividade no espaço de três anos.
E, entretanto, acrescentam Schmeider e Frogatt, os custos do nuclear nos últimos cinco anos aumentaram 60% nos Estados Unidos e foram multiplicados por quatro na França – dois países de referência no domínio do nuclear.
“Os sistemas nucleares começaram a deixar de ser competitivos”, concluem os autores do World Nuclear Industry Status Report, que desde 1992 trabalham com os dados indicadores da situação no sector com independência em relação às pressões dos lobbies. A perda de capacidade de competição do nuclear perante indústrias em progressão constante e bem acolhidas pela opinião pública é a marca “do declínio”, salientam.
Fonte: Revista Fórum, publicado originalmente em Mediapart