Perseguição: jornalista paraguaia é demitida por olhar fotografia
Durante a apresentação do relatório da OEA, nesta terça-feira (10), o secretário-geral da entidade, Miguel Insulza, declarou que no Paraguai “a situação está normal [tanto] agora [quanto] no desenvolvimento da crise. Não há sinais de violência e tudo funciona com normalidade”. Por sua vez, o chanceler do Paraguai, Hugo Saguier, declarou que não há e não haverá perseguição política no país. Os fatos, no entanto, contradizem as declarações.
Por Vanessa Silva, do Portal Vermelho
Publicado 10/07/2012 17:46
Após o golpe de Estado que destituiu o presidente legitimamente eleito, Fernando Lugo, fui enviada pelo Portal Vermelho a Assunção para acompanhar o desenvolvimento da crise. Para viabilizar o projeto, entramos em contato com pessoas que lá pudessem me hospedar pelo período de uma semana. Muito gentilmente, a jornalista Fátima Rodríguez me abrigou em sua casa durante esse período e com ela pude acompanhar a angústia e as incertezas que o processo político em curso acarretava em sua vida.
Na quinta-feira (5) Fátima estava com dengue e, portanto, deveria permanecer em repouso, mas estava em casa aflita porque havia descoberto que seu nome estava na lista de pessoas que seriam despedidas da TV Pública. Embora funcionária concursada da Usina Binacional de Itaipu, ela trabalhava na TV e coordenava um projeto com camponeses e indígenas. Fez diversas ligações para tentar “livrar sua cabeça”, mas não conseguiu.
Nesta terça-feira (10) ela publicou uma carta em que denuncia o processo que culminou em sua demissão. A justificativa é, no mínimo, risível: ela e outros companheiros observavam uma foto em que estava escrito: “Federico golpista”. Vale atentar que não foi demitida porque estava com o cartaz, ou porque tirou a foto, mas porque a estava observando. Segue a íntegra da carta que publicou:
Pensava que o Partido Liberal tinha lutadores contra a ditadura e pelos Direitos Humanos, mas hoje confirmo que estava equivocada e que hoje, esses que levam a bandeira de lutadores contra a ditadura, são os que repetem a mesma prática do Partido Colorado na época de Strossner.
Se trabalhar pelas políticas públicas pelo direito à comunicação para todos e todas, incluindo principalmente as comunidades indígenas e rurais, é ser socialista, então sou socialista. Se isso é ser bolivariano, sou bolivarina; se isso é ser de esquerda, sou de esquerda!
Talvez eu não tenha estudado nos Estados Unidos, nem na Europa, como seus filhos e filhas, senhores. Sou camponesa, meus pais não tiveram a mesma oportunidade que vocês – senhor Sanemann, senhora Judith, senhor Franklin – de me mandar estudar no exterior como fazem com seus filhos, mas fiz um mestrado na Argentina que paguei limpando pisos e cuidando de crianças, com muito orgulho!
Em 5 de abril de 2010 entrei em Itaipu como estagiária, sendo profissional e tendo mestrado. Entrei como estagiária após ter participado de um concurso de seleção em março de 2010 no qual fiz provas de redação e conhecimento sobre política energética nacional. Trabalhei quatro meses sem ganhar nada. Depois, após uma avaliação, pelo desempenho atingido, em 1º de novembro de 2010 fui promovida à categoria de aprendiz, nível em que estive até que fui promovida por meus méritos a funcionária plena em 20 de junho de 2011. Desde a minha entrada em Itaipu desempenhei meu trabalho profissional como jornalista na Área da Imprensa, na [secretaria de] Comunicação Social.
Em agosto de 2011, a Secretaria de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento solicitou meu comissionamento para colaborar com as políticas públicas com enfoque em Comunicação para o Desenvolvimento, tendo em conta minha expertise na área, já que desde então eu também exercia a atividade de professora na Universidad Nacional de Pilar no curso de Comunicação para o Desenvolvimento em sua sede em de Filadelfia, Chaco.
Em 4 de julho de 2012, após o golpe, o senhor Martín Sanemann, ministro do novo regime, me encontrou em ‘flagrante delito’ de estar observando uma fotografia de uma pessoa que tinha um cartaz onde se lia ‘Federico Golpista’. O senhor Sanemann disse, na ocasião, que era democrata e que chamaria para ‘conversar’ todos os que pensávamos que havia sido um golpe. Dois dias depois, em 6 de julho, me chamaram no Recursos Humanos para me dizer que “temos um documento para você assinar’. E nada da conversa.
Se isso não é uma perseguição ideológica e política, o que é? Se isso não é ditadura, o que é? Tenho a consciência tranquila e o compromisso por lutar por um Paraguai para todos e todas. Onde todos e todas tenhamos as garantias de nos expressar livremente. Viva o Paraguai democrático. Não à ditadura! Nunca mais”.
Fátima Rodríguez
C. I. 3.421.263