La Jornada: México, outra eleição incerta
O processo eleitoral programado para ser concluído na noite de ontem (01), com resultados confiáveis e um vencedor indiscutível sendo proclamado como novo presidente por todos os setores da sociedade, longe disso, se encontra em cheque devido às possíveis contaminações por condutas institucionais indevidas da mídia e de agentes dos partidos.
Por La Jornada, em seu Editoral
Publicado 02/07/2012 15:31
Para começar, a eleição foi conduzida de forma claramente parcial por alguns meios de comunicação – sobretudo os eletrônicos -, que promoveram a fabricação de uma candidatura presidencial baseada no gigantesco poder da televisão sobre a opinião pública. Tal processo não se limitou à mera aplicação das técnicas tradicionais de marketing político, e incluiu também campanhas de desqualificação e distorção contra eventuais competidores do candidato do PRI, assim como uma evidente falta de equilíbrio ao se abordar as notícias, o que poderia ser lido com uma espécie de bloqueio. Outro elemento que favoreceu a candidatura de Enrique Peña Nieto foi a elaboração de centenas ou milhares de pesquisas, quase diárias, muitas delas distantes da realidade.
Já na fase das campanhas eleitorais propriamente ditas, o PRI (Partido Revolucionário Institucional) recorreu ao seu arsenal de manobras tradicionais de manipulação e distorção eleitoral: compra de votos, coação eleitoral, intimidação e agressão a simpatizantes de outras instituições políticas, assim como um destacamento inigualável de dinheiro em publicidade, logística e repartição bens ou de valores em troca das vontades da cidadania. Diante de tais práticas indesejáveis e delitivas, tanto o IFE (Instituto Federal Eleitoral) como o TEPJF (Tribunal Eleitoral do Poder Judicial da Federação) se comportaram com uma tolerância que contradiz suas faculdades e obrigações legais.
Na jornada de domingo, proliferaram as denúncias de irregularidades – as mais reiteradas se referiam à compra de votos, mas também houve denúncias de roubo de urnas com violência, agressões contra cidadãos de grupos políticos rivais da candidatura de Peña Nieto e manipulação indevida de documentos eleitorais por supostos operadores do PRI. Entretanto, os representantes da Justiça Eleitoral e Civil, assim como os porta-vozes dos meios informativos, se empenharam em retratar o pleito como “limpo” e a jornada eleitoral como “tranquila”.
Sem ser uma coisa nem outra, a eleição teve, porém, uma notável virtude: uma grande participação cidadã, o ressurgimento do interesse cívico, restabelecendo o vínculo de importantes setores da cidadania com as urnas – e com a política em geral. A expressão mais visível desse fenômeno positivo é o surgimento, no calor da campanha, do movimento estudantil e juvenil #YoSoy132, que teve como elemento articulador primordial a moléstia acumulada diante das misérias de um regime político no qual participam, sem atribuições legais, os poderes fáticos e o de certos meios de comunicação, assim como alguns institutos de pesquisa, que parecem mais preocupados em induzir tendências eleitorais do que em retratá-los.
Conspiração
No final da jornada, quando o PREP (Programa de Resultados Eleitorais Preliminares) apontava menos de 10% das zonas apuradas, o presidente do IFE, Leonardo Valdés Zurita, anunciou em cadeia nacional os resultados de uma pesquisa de boca de urna que diferiam totalmente dos números do PREP, mas que convergiam com os das pesquisas mais questionadas pela opinião pública. Minutos depois, o ainda titular do Executivo Federal, Felipe Calderón, fez uso da mesma transmissão nacional para proclamar o triunfo de Peña Nieto. Tudo isso com o pano de fundo da repercussão unânime dos meios informativos eletrônicos, que não vacilaram em aceitar aqueles números como definitivos, aceitando a vitória do candidato do PRI, o qual não demorou em surgir para pronunciar seu discurso de presidente eleito, apesar de ainda não ser.
Estes absurdos institucionais e informativos são lamentáveis, porque que viciam o processo eleitoral e introduzem incertezas e inclusive suspeitas. Num momento de disputa eleitoral, proclamar vitoriosos quando ainda não estão colocados todos os números sobre a mesa é um risco que pode causar danos irreparáveis não ao meio e sim ao processo eleitoral em seu conjunto.
Por sua parte, o candidato presidencial da esquerda anunciou que esperaria até o final da apuração para assumir uma posição, e pediu a seus seguidores que mantivessem a calma e a civilidade. Não se poderá atribuir a ele, portanto, a paternidade da confusão eleitoral que se gestou, sobretudo, no sistemático esquema televisivo de manipulação, nas seguidas intromissões da administração calderonista, na covardia das autoridades eleitorais e na aplicação d as tradicionais “artes eleitorais” do PRI.
A única certeza é que o país voltará a estar em um cenário de falta de credibilidade, o que poderia derivar em circunstâncias ingovernáveis ou outros seis anos sob mais um governo privado de legitimidade. Resta esperar que nenhuma dessas perspectivas se torne concreta, e que, pelo contrario, o resultado final da apuração e a rápida resolução das impugnações observadas até agora dê maiores certezas sobre o sentido do veredito popular emitido ontem pelos eleitores.