Oriente Médio: Aumenta o Clima de Tensão
Governo de Israel usa holocausto para justificar ataque ao Irã, mas silencia sobre a existência de uma comunidade judaica no país persa. O primeiro ministro Benyamin Netanyahu pode estar mais próximo de realizar uma aventura bélica contra o Irã. A guerra verbal que já dura algum tempo tem como pretexto uma suposta construção de artefato nuclear por Teerã.
Por Mário Augusto Jakobskind (*)
Publicado 30/06/2012 11:44
Os sucessivos desmentidos do governo iraniano, que alega inclusive a proibição pelo Corão de o país ter uma bomba atômica, e o programa nuclear é para fins pacíficos, não tem sido levado em conta por Netanayhu ou pelo presidente estadunidense Barack Obama.
A diferença entre um e outro governo é que Washington ainda prefere aguardar os resultados das pressões econômicas para dissuadir o Irã a suspender o seu programa nuclear, enquanto Israel prefere agir militarmente.
O recente acordo político entre o direitista Likud, o partido do primeiro ministro israelense, e o centro-direitista Kadima, sob o comando de Shaul Mofaz, nomeado vice primeiro-ministro, resultou na formação de um governo de união nacional, cancelando até mesmo a antecipação das eleições gerais marcadas um dia antes para setembro. Mofaz nasceu no Irã e no governo anterior do Kadima defendeu um ataque às instalações nucleares do Irã.
Analistas políticos entendem que como acordos dessa natureza ocorrem em momentos considerados graves para Israel, é possível que o susposto “perigo iraniano” tenha pesado no entendimento, considerado praticamente impossível pouco tempo atrás, por se tratar de dois partidos rivais.
Potência nuclerar
Os pretextos para o ataque são dos mais variados, mas não resistem a uma análise isenta e mais rigorosa. Enquanto Netanyahu coloca no tabuleiro o “perigo” que representa um Irã nuclear, organismos que acompanham o desenvolvimento nuclear pelo mundo, como o Instituto de Estudos Estratégicos com sede em Londres avalia que Israel possui 200 ogivas nucleares. Jane, uma empresa de defesa e informação, estima em 300 o número de ogivas nucleares, portanto equiparado à capacidade nuclear dos britânicos e franceses. As ogivas nucleares, segundo especialistas, podem atingir os continentes asiáticos e europeus.
Alguns analistas acreditam que mais do que um ataque iraniano, o governo de Israel receia que se um outro país naquela área consiga desenvolver eventualmente a bomba atômica ou mesmo um programa nuclear para fins pacíficos, Israel não reinará mais absoluto em termos militares no Oriente Médio.
Para o cientista político e linguista Noam Chomsky, Israel nuclear representa perigo para o Irã e não ao contrário. Chomsky acredita que as lideranças iranianas, do presidente Mahmoud Ahmadinejad ao aiatolá Khameney, mesmo utilizando retórica agressiva para consumo interno contra o regime sionista, não se atreveriam a atacar Israel, pois a retaliação ocidental seria avassaladora. Mas um ataque de Israel está se tornando uma possibilidade concreta.
Pretexto
Além do suposto “perigo nuclear” iraniano, o governo israelense utiliza também outro tipo de ameaça, chantageando a opinião pública não só de Israel como de países que ainda não superaram os traumas da II Guerra Mundial, entre os quais a própria Alemanha.
Netanyahu volta e meia se vale do que considera “possibilidade de um novo holocausto”, que seria provocado pelo Irã, para unir os israelenses e tentar convencer outras nações a apoiar uma ação militar contra as instalações nucleares.
Este argumento também não resiste a uma análise mais apurada. Ao contrário do que quer fazer crer Netanyahu, o Irã não tem intenção de “acabar com os judeus”, até porque no país persa existe uma comunidade judaica vivendo harmonicamente com os iranianos, inclusive com representação parlamentar.
Três mil anos
Esta comunidade, estimada em mais de 25 mil pessoas, que tem história no país persa de cerca de 3 mil anos, é oficialmente reconhecida como minoria religiosa e elegeu para o Parlamento em 2008 o doutor Ciama Moresadegh, diretor do Sapir Hospital e Charity Center.
Funcionam normalmente, em Teerã e outras cidades como Estahan, uma dezena de sinagogas, bem como muitas escolas e restaurantes judaicos, um asilo para anciãos da comunidade e um cemitério.
A comunidade judaica do Irã desfruta ainda de uma livraria com 20 mil títulos e ainda edita o jornal diário Ofogh-e-Bina, da mesma forma que um centro de pesquisa, com scholars judeus, a Central Library of Jewish Association.
Tais fatos raramente são noticiados e pouco conhecidos em Israel. O governo sionista prefere o silêncio sobre isso ou mesmo criticar os judeus que preferiram permanecer no Irã a emigrar para Israel.
Há casos inclusive de judeus iranianos que depois de passar um tempo em Israel retornaram ao país de origem porque optaram por “viver na paz e não na guerra e voltar a falar o seu idioma”, segundo revelou em recente palestra na Associação Brasileira de Imprensa o embaixador iraniano no Brasil, Mohammad Ali Ghanezadeg Ezabadi.
Uma das poucas referências sobre a comunidade judaica do Irã foi publicada na edição de 23 de fevereiro de 2009 no The New York Times, em matéria assinada por Roger Cohen sob o título “What Iran’s Jews Say” (O que dizem os judeus do Irã?). Cohen comenta inclusive que, ele mesmo, um judeu, nunca tinha sido recebido tão calorosamente, como em Teerã, onde havia uma comunidade judaica, que lá trabalhava e praticava o seu culto com relativa tranquilidade.
O mesmo articulista assinalou que em Estahan, outra grande cidade iraniana, na Praça Palestina, em frente a mesquita Al-Aqsa, viu uma sinagoga, com um cartaz na entrada com os dizeres “Congratulações da Comunidade judaica de Estaphan pelo 30° aniversario da Revolução Islâmica”.
Morris Motamed, em 2009 deputado judeu no Parlamento iraniano, confirmou a Cohen que, de fato, sentia no Irã “uma profunda tolerância com relação aos judeus”.
Argumentos como os de Cohen no The New York Times são pouco divulgados pela mídia de mercado brasileira e integralmente ignorados pelas lideranças sionistas.
Vozes discordantes
Mas mesmo em Israel há vozes discordantes em relação a uma possível ação militar contra o Irã. É o caso de Yuval Diskin, ex-chefe do Shin Bet, o serviço de segurança interno israelense, entre 2005 e 2011.
Além de enfatizar que não confia em Netanyahu ou no Ministro da Defesa, Ehud Barak, possíveis formuladores do plano de ação militar, Diskin alertou que um ataque israelense ao Irã pode “acelerar dramaticamente” o projeto nuclear iraniano.
No entender o ex-chefe do serviço de segurança interno de Israel, os líderes do país apresentam ao público um “quadro incorreto sobre a questão iraniana, tentando criar a impressão de que se Israel não agir, o Irã terá uma bomba atômica”.
Para Diskin trata-se de uma visão totalmente equivocada, pois “o que os iranianos fazem hoje devagar e silenciosamente, (depois de um ataque) terão legitimidade para fazer muito mais rápido”. Na mesma linha de pensamento crítico, o ex-chefe do Mossad, o serviço secreto israelense, Meir Dagan, considerou o plano “estúpido”.
Também o chefe do Estado-Maior do Exército israelense, general Benny Gantz, discordou de uma possível operação militar contra o Irã ao afirmar não acreditar que o Irã vá produzir armas nucleares. Entende o militar que o governo iraniano é “racional e sabe que seria um erro enorme produzir armas nucleares”. E ainda por cima, segundo ele, “as sanções econômicas contra o Irã “começam a dar resultados”.
As próximas semanas podem ser decisivas. O Presidente Barack Obama já se manifestou em várias ocasiões que, no momento, é contra um ataque ao Irã, pois isso esvaziaria todos os esforços diplomáticos já feitos em prol de uma solução pacífica para o conflito.
Além disso, em plena campanha eleitoral para a sua reeleição, Obama teme também que um conflito agora poderá ter reflexos nefastos e que poderão por em risco a sua empreitada eleitoral, em função da provável subida astronômica do barril do petróleo que aconteceria com o fechamento pelos iranianos do Estreito de Ormuz, onde passam os petroleiros com o combustível para o Ocidente.
Já o governo Netanyahu, parte do lóbi sionista nos Estados Unidos vinculada à linha-dura republicana apoia uma ação militar já. Outros possibilidades que afetariam sobremaneira a Israel não se descartam. Uma delas, e que provoca maior temor, é uma reação do grupo Hezbollah, que, segundo o analista internacional e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, possui 20 mil mísseis escondidos em residências particulares em Beirute e outras cidades libanesas, e se acionados atingiriam o território israelense.
Resta saber como se comportaria a França pós Nicolas Sarkozy, agora sob o comando do socialista François Hollande, em caso de uma ação militar israelense ou mesmo numa etapa posterior se as pressões contra o Irã não produzirem resultados que levem a suspensão do programa nuclear.
A Alemanha, que ainda guarda complexo de culpa pelas atrocidades cometidas contra judeus, ciganos, homossexuais e populações da Europa Oriental que resistiram aos nazistas, de um modo geral, seja sob o comando da conservadora Angela Merckel ou mesmo o SPD, o partido social-democrata, se alinha quase que integralmente à política dos sucessivos governos israelenses.
(*) Mário Augusto Jakobskind é jornalista, e teve parte dos familiares assassinados na 2ª Guerra Mundial pelos nazistas na Polônia.
Fonte: Carta Maior