Emir: Derrota de Obrador seria duro golpe em movimentos do México
Na véspera da eleição presidencial mexicana, que acontece neste domingo (1º), o Vermelho publica uma entrevista com o sociólogo Emir Sader. Na conversa – que aconteceu por telefone há duas semanas – , ele avaliou que o candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, teria que enfrentar não só a máquina do PRI a favor do seu adversário Enrique Peña Nieto, mas também a oposição da mídia e o fantasma da fraude eleitoral – da qual já foi vítima em 2006.
Publicado 30/06/2012 13:05
Segundo Emir Sader, caso se confirme uma vitória de Peña Nieto – que está à frente das pesquisas -, o movimento social do país sofrerá um duro golpe. Para ele, poderá significar o fim de uma alternativa popular nas eleições mexicanas. O sociólogo destaca ainda a importância do surgimento do movimento #YoSoy123, encabeçado por estudantes. Leia abaixo:
Portal Vermelho: Qual é a situação no México hoje? Depois de pelo menos 30 anos de governos neoliberais, o candidato da esquerda, Lopez Obrador, cresceu nas pesquisas e aparece em segundo lugar. Como é este cenário?
Emir Sader: Na verdade, esta é a terceira vez que tem um risco de os dois partidos tradicionais perderem o controle do Estado. Duas vezes houve corrupção, um evidente falseamento dos resultados eleitorais. A primeira vez foi contra Cuauhtémoc Cárdenas, nos anos 1980, e a segunda foi quando [Felipe] Calderón perdeu a eleição para Lopez Obrador, há seis anos, e falsificou os resultados. E agora desta vez. Essa possibilidade [de vitória de Obrador] existe, mas não é fácil.
Teria sido mais fácil ganhar na eleição passada, porque o PAN estava desgastado do governo [Vicente] Fox e o PRI estava muito enfraquecido. Dessa vez, a dificuldade do Lopez Obrador é que, bem ou mal, para a opinião pública em geral, o PRI do Peña Nieto e Lopez Obrador disputam a oposição ao PAN. [Disputam para ver] quem é a mudança.
Não temos a menor dúvida de que o PRI seria uma continuidade. Mas, para a opinião pública em geral, ainda mais com uma máquina nacional de governadores e um monopólio da imprensa muito violento… Então o Peña Nieto tem possibilidade de vencer. Mas diminuiu muito a diferença [entre Peña Nieto e Obrador], está na casa dos dez pontos, segundo as pesquisas.
Vermelho: Essa campanha começou há pelo menos seis anos. Desde que Obrador perdeu a disputa passada, ele começou esse processo de percorrer o país e conversar com as pessoas. Da mesma maneira, começou também uma campanha de difamação contra ele. Há chance real de mudança deste cenário, inclusive com a ascensão do movimento #YoSoy132?
Emir Sader: Foi uma corrida do Lopez Obrador contra o tempo e agora contra a fraude. Começou a diminuir a diferença [entre os dois] exatamente a partir do momento em que passou a haver mobilizações populares, protestos dos estudantes em torno do tema do privilégio evidente que a mídia dá ao Peña Nieto – o que aliás foi confirmado por documentos revelados pelo jornal inglês The Guardian. O debate presidencial, por exemplo, é muito diluído [na mídia]. Então as diferenças, de alguma maneira, não aparecem.
Outro tema é a fraude. Da outra vez, [eleição de 2006], Obrador ficou à frente das pesquisas até o final, com uma diferença pequena. Então se considera que, se ele conseguir ficar na frente, mas com uma diferença não muito significativa, poderia de novo haver fraude. Então a possibilidade existe [de ele vencer], as pesquisas sempre mostram que diminuiu a diferença, mas agora congelou.
Vermelho: Na questão do México, há esse ponto importante que você mencionou, que é a questão da mídia. Lá, como aqui, há um monopólio midiático. Que impacto isso pode ter no resultado eleitoral?
Emir Sader: De fato, criou-se uma imagem dele desde a eleição anterior. E a rejeição dele era um dos principais obstáculos. Ele partia de um piso alto por ter sido candidato, durante seis anos circulou pelo país dizendo que era um candidato legítimo, formulando programas, mas tudo isso com uma rejeição forte. Essas denúncias [dos estudantes] reverteram isso, de certa forma. Hoje a rejeição do Peña Nieto é até um pouco maior que a dele, mas a partir de um patamar de votação que é muito alto.
A imprensa está menos excludente com relação a ele até por causa das mobilizações populares. Principalmente porque há pessoas conhecidas, intelectuais que o apoiam. Mas ainda assim ele paga o preço da imagem negativa que foi criada no período anterior.
Mesmo na internet há uma disputa grande. Não tem necessariamente uma vantagem dos setores mais dinâmicos estudantis que o apoiam. Ele tem a seu favor 2 milhões de pessoas organizadas em comitês, que eles contam que vão poder funcionar bem no controle das fraudes. Vamos ver nessa reta final quanto pode pesar.
Portal Vermelho: Com relação às fraudes, o movimento estudantil #YoSoy132 pleiteou participar como observador no processo eleitoral. Existe algum movimento internacional que possa coibir essa prática, já que existe um histórico de fraudes?
Emir Sader: Existe a formação de um comitê de controle eleitoral, mas que até agora não teve, por exemplo, participação de gente que tem participado em outros lugares. E, mesmo assim, em um país do tamanho do México, com governadores do PRI muito fortes, em grande quantidade dos Estados do país, não é fácil fazer esse controle.
Ainda mais que o Instituto Eleitoral Federal tampouco é muito confiável. Mas existem organizações de comitês de vigilância nacional, inclusive por parte de outros candidatos também, então pode ser que algum grau de controle possa existir.
Portal Vermelho: Ainda há um bom número de indecisos no país. Entre o PAN e o Obrador, esses indecisos teriam qual tendência?
Emir Sader: Existe o voto duro de cada partido, que dificilmente é removível. Há seis anos, o PRI não tinha nenhuma chance, [estava] na casa dos 20% o tempo todo e se imaginava que uma parte do PRI pudesse se deslocar para Lopez Obrador, mas nunca se deslocou, continuou firme lá.
Em geral, se não há mudança na opinião pública, os indecisos acabam se somando quase na mesma proporção, ou seja, não costumam mudar a correlação de forças entre eles.
O [Vicente] Fox, que é do PAN, se pronunciou abertamente pelo Peña Nieto, com grande rejeição do Obrador. Essas coisas podem afetar um pouco, desqualificar a candidata Josefina, e aqueles que efetivamente são anti-PRI podem eventualmente se deslocar.
Agora tem também uma margem dos estudantes. Mas não sei quantos votariam. Uma parte deles não tem idade para votar ou não está registrada. Eles sim poderiam mobilizar setores que não estão interessados, porque o voto não é obrigatório. Esse poderia ser um diferencial, mais do que os indecisos.
Portal Vermelho: Considerando uma possível vitória de Peña Nieto, esse movimento estudantil que está organizado, fazendo protestos inclusive contra ele, poderia ter um impacto na política mexicana a partir da mobilização social que alcançou? Poderia pautar de alguma maneira a política dele?
Emir Sader: O importante é que a mobilização anterior dos jovens foi feita a partir dos zapatistas. Essa linha isolacionista dos zapatistas, de ficarem no Sul, não participarem do processo eleitoral, não apoiarem ninguém, também esvaziou a solidariedade com eles. Houve mobilizações locais em certas províncias, mas essa [o movimento estudantil] é uma novidade de setores que se mobilizam em uma espécie de pós-zapatismo. Pode ser significativo.
Agora uma [eventual] derrota [de Obrador] vai ser muito dura, porque não tem segundo turno. Então alguém pode ganhar até mesmo com fraude, como há seis anos, com 30% de votos, e governar o país pelos próximos seis anos. Então vai ser um golpe duro, porque pode ser que termine a era López Obrador.
Então tem o governador do Distrito Federal, que é um candidato mais moderado, que disputou com ele para ser o candidato do PRD e talvez seja então a vez dele. E isso vai ser um outro tom. Ele até faz um balanço de que a campanha de Obrador deveria ter alianças mais ao centro.
Vai ser duro porque serão seis anos, o Peña Nieto é do PRI, que é um partido que aparentemente está fora do poder, derrotado, e talvez encerre um ciclo de candidatura popular, como é o caso da do Lopez Obrador. Não vai ser tão fácil para o movimento social mexicano caso se confirme a vitória do Peña Nieto.
Portal Vermelho: E caso ocorresse uma vitória do Obrador?
Emir Sader: Teria um impacto psicológico muito forte, muito favorável. É capaz que ele aumentasse todo o apoio a ele muito rapidamente. Mas ele teria alguns obstáculos.
O maior deles seria um Congresso majoritariamente contrário a ele e com dificuldade de aliança na parte dele, porque tem uma certa rigidez partidária e além do mais, ele também é meio rígido com alianças.