José Reinaldo: A renúncia de Samuel Pinheiro do Mercosul
O alto representante do Mercosul, o diplomata brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães, renunciou nesta quinta-feira (28), em reunião do bloco em Mendoza (Argentina), às vésperas da cúpula dos chefes de Estado, que se realiza nesta sexta-feira (29) e em meio a intensos debates sobre a punição que o bloco imporá ao governo golpista do Paraguai.
Por José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho
Publicado 29/06/2012 11:56
A mídia a serviço dos monopólios, das classes dominantes e do imperialismo está aproveitando o fato para desqualificar o embaixador, figura de proa do Itamaraty, um dos melhores quadros da diplomacia brasileira e sem dúvida um dos fundadores da nova política externa iniciada em 2003, com o primeiro mandato do ex-presidente Lula, brilhantemente executada por ele próprio na condição de secretário-geral do Itamaraty, e pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Os círculos imperialistas e seus defensores no Brasil e na região não perdoam o fato de Pinheiro Guimarães ser anti-imperialista e um dos mais enérgicos defensores da integração latino-americana. Muito antes de assumir o posto de secretário-geral do Itamaraty, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, Samuel Pinheiro se opunha à Alca – a famigerada Área de Livre Comércio das Américas, projeto anexionista e neocolonialista concebido em Washington para subordinar política e economicamente os países latino-americanos. Aliás, foi por se opor à Alca que o governo neoliberal de FHC o demitiu do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais.
Felizmente, a Alca não vingou, graças à mobilização contrária dos povos e à firme posição adotada por alguns governos latino-americanos, nomeadamente os de Cuba, Venezuela e Brasil. A posição de nosso país foi construída com os argumentos científicos do diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, que possui também sólida formação acadêmica em economia.
As razões apresentadas pelo embaixador para sua renúncia ao cargo de Alto Representante Geral do Mercosul se referem à não implementação de ideias e projetos que julga indispensáveis para o êxito do bloco sul-americano.
Samuel tem uma análise aguda sobre as vulnerabilidades das economias sul-americanas diante da crise internacional, da prevalência de normas neoliberais na Organização Mundial do Comércio, do protecionismo dos países ricos e desenvolvidos e da desindustrialização. Por isso, argumentou que está convencido de que se não forem tomadas novas medidas de defesa das economias do Mercosul, “este poderá sobreviver mas sobreviverá sempre claudicante e não se transformará em um bloco de países capaz de defender e promover, com êxito, seus interesses neste novo mundo que surgirá das transformações e das crises que vivemos”, acentuou o diplomata, conforme relatório que apresentou ao Conselho de Ministros do Mercosul. Samuel Pinheiro Guimarães considera ainda que é necessária “a transformação do Mercosul de uma simples união aduaneira e área de livre comércio imperfeitas em um esquema de desenvolvimento regional equilibrado e harmonioso dos quatro Estados”, como escreveu no citado documento.
Não está claro se a renúncia de Samuel se deveu também à intrincada questão das relações do bloco com o Paraguai, país que sofreu na semana passada um golpe de Estado. São evidentes as diferenças de tom entre as suas opiniões sobre o episódio e a posição oficial do Iamaraty. Este condenou o “rito sumário” em que se deu o impeachment de Fernando Lugo, sem entretanto qualificar o afastamento do presidente de golpe.
Por seu turno, Samuel Pinheiro Guimarães não teve dúvidas em afirmar que foi golpe o que ocorreu no Paraguai. Em sua opinião, difundida por meio de entrevista à Folha de S. Paulo nesta sexta-feira (29), as classes dominantes promovem um neogolpismo na América do Sul e a democracia está em risco na região. Na sua opinião, essas classes, diante da vitória de candidatos progressistas, constroem toda uma teoria de que foram eleitos, mas não governam democraticamente; de que fazem políticas populistas; de que são contra a liberdade de imprensa e assim por diante.
O diplomata ressaltou que através da mídia, essas classes difundem o mito de que os governos progressistas são ditaduras e criam o clima para sua derrubada, com auxílio muitas vezes externo.
Em reiterados editoriais e artigos assinados, a mídia brasileira tomou posição abertamente favorável ao golpe no Paraguai e está agora defendendo a tese de que o Mercosul está sob “influência chavista”. Concentra seu ataque na presidenta Cristina Kirchner da Argentina, que estaria assumindo “ares bolivarianos”, e no presidente venezuelano Hugo Chávez. Os defensores do golpe estão raivosos porque a Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América (Alba), bloco de países anti-imperialistas, tomou posição enérgica contra o golpe no Paraguai e não reconhece o governo ilegítimo de Federico Franco.
No campo da política partidária, vozes neoliberais e conservadoras do ninho tucano se pronunciam a favor dos golpistas.
Mais uma vez a política externa passa para a ordem do dia como um tema de disputa política interna. Numa ocasião como esta, reafirmamos a luta por uma orientação independente, soberana, integradora, a favor do fortalecimento da América Latina e oposta aos interesses imperialistas na região.