Nos 3 anos do golpe de Honduras, Zelaya se solidariza com Lugo

Há exatamente três anos, na manhã do dia 28 de junho de 2009, o então presidente de Honduras, José Manuel Zelaya, foi preso em sua residência por policiais e militares hondurenhos. Em cumprimento a uma decisão da Justiça do país, Zelaya foi destituído do poder ainda de pijama e enviado em um avião à capital da Costa Rica, San José.

Em entrevista por telefone à BBC Brasil da capital hondurenha, Tegucigalpa, onde voltou a viver no ano passado após um exílio forçado na República Dominicana, Zelaya reiterou que foi tirado do poder "a bala" e se solidarizou com a situação do colega Fernando Lugo, que deixou a presidência do Paraguai após sofrer um polêmico processo de impeachment.

Para ele, ambos foram destituídos por meio de um "procedimento-padrão" com "muitas semelhanças". "Quando um presidente é eleito para um mandato de quatro anos pelo povo, o povo – e somente ele – é o único que pode destituí-lo", afirmou Zelaya.

Ele acrescentou que não pretende concorrer novamente à presidência do país. Sua grande aposta, entretanto, é sua esposa, Xiomara Castro, que será candidata nas próximas eleições. "As pesquisas apontam que ela está na liderança", disse.

Zelaya foi tirado do poder sob a alegação de que havia traído a pátria e convocado um referendo sem autorização do Judiciário e do Congresso para a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que poderia abrir caminho para sua reeleição.

Em setembro de 2009, ele retornou a Honduras e refugiou-se na embaixada brasileira por quatro meses, até o término de seu mandato, em janeiro de 2010, quando, então, partiu para o exílio em Santo Domingo, na República Dominicana.Veja abaixo a entrevista:

BBC Brasil: Há três anos, o senhor foi forçado a deixar a Presidência de Honduras. Recentemente, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, também teve de abandonar o cargo contra sua vontade. Como o senhor analisa o processo que culminou na destituição de ambos?
Zelaya: Eu e (Fernando) Lugo fomos destituídos do poder em meio a um processo com características diferentes, mas que seguiu um mesmo procedimento-padrão, o de atacar um governo democraticamente eleito. Há, por isso, muitas semelhanças na forma como as destituições foram conduzidas. No meu caso, entretanto, talvez a única diferença tenha sido a de que os militares me tiraram do poder à bala.

BBC Brasil: Mas o senhor considera que o presidente Lugo sofreu "um golpe de Estado"?
Zelaya: (O diplomata e jornalista italiano) Curzio Malaparte (membro do partido fascista, posteriormente expulso por suas críticas contundentes a Hitler e a Mussolini) afirmava, à sua época, que um golpe de Estado consiste na interferência de um poder sobre outro poder.

Trata-se de um atentado que destrói a base jurídica do Estado. Normalmente, tal procedimento se dá através de métodos violentos e opressivos. Quando um presidente é eleito para um mandato de quatro anos pelo povo, o povo – e somente ele – é o único que pode destituí-lo.

Neste sentido, quando o poder judicial ou o legislativo, como o Congresso, suplantam o soberano nas posições que lhe competem, estão interferindo em outro poder do Estado e, para Malaparte, trata-se de um golpe.

No caso de Lugo, entretanto, o golpe não chegou à fase final porque ele não foi tirado do poder da mesma forma que eu, pelos militares e a bala. Mas de resto, foi tudo igual: a criação da crise, a formação do processo gestado no Congresso Nacional; o objetivo era de um poder interferir sobre o outro.

BBC Brasil: Como o senhor avalia a participação de outros países latino-americanos na crise desencadeada no Paraguai?

Zelaya: Quando os presidentes defendem outro presidente estão defendendo a si próprios. Acredito que seja correta a posição dos países do Mercosul, que estão dando ao Paraguai um tratamento de repúdio à condenação pela destituição forçada do presidente Lugo.

BBC Brasil: O senhor acredita que os Estados Unidos terão um papel de mediação de crise no Paraguai igual ao verificado em Honduras?
Zelaya: Os Estados Unidos só têm um papel-chave nos países onde têm interesse. Não se pode generalizar, porque, neste caso, o presidente Obama fala pela parte diplomática do Estado, mas o império atua por outros ramos pouco conhecidos.

BBC Brasil: Depois de três anos de sua saída do poder, como está a situação de Honduras?
Zelaya: A situação em Honduras só piorou com o golpe de Estado. Os direitos humanos não são respeitados, a economia aponta para baixo, a pobreza aumentou e o país se tornou, segundo dados públicos, o mais violento do mundo, com uma taxa de homicídios recorde.

Por outro lado, aqui foi criada uma força popular contra o golpe chamada Resistência Popular, que tomou forma como o Partido Libertad y Refundación de Honduras (Libre). Ele está em primeiro lugar nas pesquisas e nos próximos meses lutará pela conquista do poder, assim como a resistência contra Hosni Mubarak (ex-presidente do Egito que renunciou no ano passado em meio à pressão popular).

BBC Brasil: O senhor planeja voltar à política de Honduras e, quem sabe, candidatar-se novamente à presidência?
Zelaya: Atualmente, sou coordenador do Libre. Não sou candidato à Presidência. Mas há todas as possibilidades de que a candidata à Presidência Xiomara Castro (esposa de Zelaya) possa vir a ser a nova presidente de Honduras e o partido conquistar o poder.

BBC Brasil: O senhor já teve a oportunidade de encontrar pessoalmente Roberto Micheletti (presidente que sucedeu a Zelaya, após sua deposição)?
Zelaya: Não, tenho feito todo o possível para evitá-lo.

BBC Brasil: Quando o senhor teve a ideia de abrigar-se na embaixada brasileira há três anos? E por que o senhor escolheu o Brasil em detrimento de outros países?
Zelaya: Quando cheguei (escondido) a Tegucigalpa, tinha uma lista tríplice de representações diplomáticas às quais ia pedir refúgio político e proteção. O primeiro da lista era o Brasil, seguido por França e Espanha. Essa é a razão.

BBC Brasil: Mas antes disso o senhor fez algum contato com algum diplomata brasileiro?
Zelaya: Jamais. Nunca. Não podia fazer contato nenhum com ninguém. Caso contrário, exporia a minha vida, quando sei que muitas das comunicações são interceptadas pela Central de Inteligência Americana (CIA).

Fonte: BBC