Unicidade Sindical: pelos trabalhadores, pelo Brasil
“Estabelecer critérios comuns entre as centrais sindicais torna-se fundamental para fortalecer os sindicatos e garantir a luta dos interesses dos trabalhadores”. Foi com esse objetivo que em fevereiro deste ano a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) iniciou a campanha para esclarecer a discussão sobre a dicotomia unicidade sindical/pluralidade sindical.
Por Joanne Mota*
Publicado 24/06/2012 10:28
De acordo com a base teórica da CTB, a atual correlação de forças no interior da sociedade brasileira e mundial, com a ampla ofensiva do capital financeiro, exige um novo projeto nacional de desenvolvimento que tenha como alicerce a valorização do trabalho, a unidade dos trabalhadores e o fortalecimento das instituições. Esse posicionamento não é novo, desde 2003 as centrais empreendem ampla negociação para atingir tais objetivos.
Em 2010, durante o Congresso da Classe Trabalhadora (Conclat), as centrais definiram ampla agenda, na qual ficou especificado que uma das bandeiras para garantir o papel protagonista dos trabalhadores seria a unidade.
“Naquele momento definimos como uma das metas essenciais a consolidação da unidade dos trabalhadores como vetor para a elevação do protagonismo da classe trabalhadora na luta pelo fortalecimento da política nacional. Já está comprovado que as centrais sindicais desempenham um significativo papel neste sentido, e a unidade de ação que construímos, e agora fortalecemos com a campanha da unicidade, está calcada na mobilização e esclarecimento da base e na legitimação das entidades sindicais. Desse modo, acredito que influenciaremos ainda mais no processo de mudança do nosso país”, explicou a Visão Classista o presidente da CTB, Wagner Gomes.
Segundo ele, as entidades que defendem a unicidade sindical se contrapõem ao posicionamento “defendido pelo liberalismo burguês, que permitiria ao trabalhador escolher o sindicato de sua preferência, de acordo com sua própria orientação política e ideológica”.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves (Juruna), explicou que do ponto de vista ideológico essa discussão abre duas frentes, uma individualista e outra coletiva (classista) de encarar a organização sindical.
“A opção individualista está ancorada, desde a época da Revolução Francesa (quando os sindicatos começaram a ser organizados), na ênfase de uma relação contratual, na qual patrão e empregado seriam atores movidos apenas por sua vontade individual soberana e pela defesa de interesses particulares. A ação sindical vista assim deixa de ser um direito e transforma-se num serviço. E o trabalhador, nessa relação, perde a cidadania e veste a máscara do consumidor”, alertou Juruna.
Já a opção coletiva – classista -, versa sobre os interesses dos trabalhadores e o conflito fundamental entre o capital e a força de trabalho.
“Esta concepção considera os trabalhadores em seu conjunto. Neste sentido, a tradição operária aponta para a busca e construção da unidade de ação, ou seja, para a unicidade sindical frente à pluralidade. A defesa e manutenção dos sindicatos é, ao olhar dos que defendem a unicidade, uma tarefa da classe trabalhadora em prol de seus interesses”, ratificou Juruna.
Sindicato Forte é sindicato com representatividade
Lourenço Prado, coordenador nacional do Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST), reafirma que a unicidade se impõe acima de tudo porque ela se configura como uma coisa coletiva, ou seja, ela fala em nome de muita gente. Enquanto que a pluralidade é uma coisa muito individualista e de cunho neoliberal. E é, sobretudo, por este último que a unicidade sindical precisa se manter.
“É preciso lembrar que mesmo com a vigência da unicidade assegurada pela Constituição, o movimento vive hoje uma verdadeira bagunça sindical. Ou seja, presenciamos a criação aleatória de sindicatos sem representatividade. Esse movimento enfraquece a luta. E por que isso acontece? Debito essa bagunça sindical ao enfraquecimento do Ministério do Trabalho, que durante anos serviu apenas para registrar sindicatos e não como órgão mediador, fiscalizador e regulador do setor”, elucida o coordenador do FST.
Segundo ele, “um dos caminhos para se garantir a unicidade e assim acabar com essa bagunça sindical é o fortalecimento do Ministério do Trabalho. Questiono: Por que quando realizamos alguma negociação, esta deva ser feita com a mediação do Ministério da Fazenda e não com o do Trabalho? Somente isso já responde o cenário que vivemos e o quanto ainda precisamos caminhar para atingir um ambiente mais justo. E nesse caso, a meu ver, a unicidade é o caminho”.
Lourenço, que também é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito (Contec), ainda frisou que o novo ministro do Trabalho, Brizola Neto, durante sua posse, salientou que é chegada a hora de se repensar o papel do Ministério que hoje se configura apenas como um cartório.
“É preciso colocar o MTE como protagonista e não coadjuvante nos processos de negociação dos trabalhadores. O ministério precisa assumir seu papel nas negociações e não apenas registrar sindicato. Uma questão que é preciso ser citada, é que o novo ministro já sinalizou que a Portaria 186, que possibilita a proliferação dos sindicatos, possui um texto muito subjetivo. Essa subjetividade faz com que cada um interprete a sua maneira, que gera o ambiente que temos hoje. Então, se o novo ministro já percebeu essa nuances e assumiu que o ministério deve ser re-aparelhado, penso que estamos em um novo caminho, no qual a unicidade tem muito a ganhar”, finalizou o dirigente.
Liberdade sindical: mais um canto de sereia?
Nivaldo Santana, secretário Nacional Sindical do Partido Comunista do Brasil, disse a Visão Classista que não é por acaso que diversos pensadores têm publicizado suas opiniões em torno da discussão da campanha pela unicidade sindical, e que traz consigo a defesa da contribuição sindical.
Segundo ele, esses posicionamentos são construídos a partir dos interesses das forças conservadoras. “O que temos é um ideal forte, classista e que busca garantir desenvolvimento com valorização do trabalho de um lado, e do outro, um sindicalismo de serviços, onde o associado optaria pela entidade que melhor prestasse atendimento, ou ainda o que dispusesse da melhor colônia de férias, ou um amplo porfólio de serviços para mitigar as agruras do cotidiano do trabalhador. Ou seja, esta última passa longe da nossa posição, a qual está preocupada com o fortalecimento do sindicalismo classista, democrático e de luta contra a exploração capitalista”, reflete.
Nivaldo Santana, que também é vice-presidente da CTB, acrescenta que esse posicionamento conservador coloca para o trabalhador uma falsa liberdade. “A unicidade sindical se opõe ao canto conservador, ela busca garantir a existência de um sindicato único na mesma base territorial, com a preservação de suas fontes de custeio, dentre as quais a contribuição sindical, conforme determina o artigo 8º da Constituição Federal”, afirma o dirigente.
Pascoal Carneiro, secretário-geral nacional da CTB, acrescenta que o fortalecimento dos sindicatos passa pelos seus princípios de unidade com liberdade e autonomia, baseados na unicidade sindical. Ele explica que com a Constituição de 1988, “os trabalhadores avançaram nesta conquista, rompendo com a estrutura ministerialista, com o estatuto padrão e ampliaram os direitos trabalhistas, estendendo-os aos trabalhadores rurais, legalizando a organização sindical dos trabalhadores no serviço público e proibindo a intervenção do estado nos sindicatos”.
Ser contra imposto é ser contra os trabalhadores
“A campanha contra o imposto sindical é muito oportunista e não é a melhor ação para quem se propõe advogar os interesses dos trabalhadores”. Foi como resumiu a Visão Lourenço Prado, ao se posicionar em relação à campanha contra o imposto sindical.
Segundo ele, “é incoerente este posicionamento, qualquer um que avaliar percebe a inviabilidade desta campanha. E aí eu pergunto: Sem imposto sindical, como os trabalhadores poderão organizar suas campanhas, garantir suas bandeiras e fazer frente ao patronato?”
Wagner Gomes elucida que na atual conjuntura, a campanha da Central Única dos Trabalhadores (CUT), por exemplo, foi um grave erro histórico, pois desvia a atenção dos trabalhadores das questões principais da pauta nacional e elege como prioritário um tema que, além de secundário, divide e enfraquece os sindicatos.
“Nossa expectativa é que os dirigentes cutistas façam uma reflexão crítica e autocrítica sobre o assunto e tenham a sensatez de compreender os prejuízos políticos que a ênfase na ação diversionista causa ao sindicalismo nacional e à classe trabalhadora. Queremos a CUT ao lado das outras centrais na árdua batalha para concretizar a agenda da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat)”, frisa o presidente da CTB.
Papel dos sindicatos
Para as centrais o verdadeiro papel dos sindicatos vai além da defesa dos interesses imediatos dos trabalhadores (salários, condições de trabalho, duração da jornada de trabalho, etc). Os sindicatos, sobretudo, servem para formar cidadãos e estabelecer a coesão dos trabalhadores em defesa de seus interesses. Seja na vitória de suas bandeiras, seja na participação direta na construção do país.
Juruna afirma que a estrutura sindical tem contribuído muito para as lutas dos trabalhadores, esse cenário deixa claro a importância de se garantir, na base, um sindicato unitário. “Graças ao movimento sindical 90% dos acordos coletivos firmados foram negociados pelos sindicatos e conseguiram garantir aumento real nos salários, além disso, é bom lembrar que o Brasil possui um índice de sindicalização superior ao da Europa. Tais fatores só reforçam nossa luta pela unidade dos trabalhadores no sindicato”, explica o dirigente.
Nivaldo Santana lembra que o Brasil vive um período sem paralelo na sua história republicana. “A terceira vitória consecutiva das forças progressistas, com a eleição de Dilma Rousseff, teve no movimento sindical unificado um ator de primeira grandeza. Para o sindicalismo continuar a ser protagonista, as centrais precisam apostar na luta e na unidade. Este é o maior desafio para o aprofundamento do projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho”, reafirma.
O coordenador da FST, Lourenço Prado destaca disse não ter dúvidas do papel do movimento sindical na história. “Enfrentamos ditaduras, participamos de uma constituinte, elegemos um metalúrgico e uma mulher para a presidente. Porém, como em muitos setores temos problemas e precisamos saná-los. Penso que a formação de quadros é o caminho, construir politicamente o ambiente sindical, dotar o trabalhador de armas fortes para a disputa na arena política. E a unicidade sindical é uma das trincheiras que favorecerá essa preparação”, justifica.
Nesse sentido, diz Wagner Gomes, “os sindicatos servem para garantir a regulação da ação do capital, o estabelecimento de leis de proteção contra a ganância do lucro máximo e, em última instância, o despertar dos trabalhadores para novas formas de sociabilidade que superem as limitações do grosseiro economicismo vigente na sociedade capitalista e garanta que o sujeito-cidadão influencie diretamente no destino de sua nação”.
Campanha da Unicidade: primeiros resultados
Eduardo Navarro, secretário Nacional de Comunicação da CTB, destacou que defender a unicidade sindical é defender os interesses da classe trabalhadora. “Desde os primórdios do capitalismo, com seu nível brutal de exploração, que os trabalhadores desenvolvem as mais diversas formas de luta de resistência, ora para reduzir a jornada de trabalho ou melhorar o salário, ora para combater o próprio capitalismo. Em todos estes momentos a luta exigiu a unidade entre todos os trabalhadores para enfrentar a violência do capital. Nesse sentido, diferentemente de alguns segmentos, entendemos a unicidade pode ser entendida como cimento para a luta dos trabalhadores”.
No que se refere à campanha iniciada em fevereiro, o secretário destacou como positivo os resultados até o momento alcançados. “A campanha conseguiu abrir o debate sobre o assunto no meio do movimento sindical. Os sindicalistas já ouvem a mesma pregação sobre liberdade sindical há 30 anos, de forma limitada e parcial. Com essa campanha nós apresentamos ao público argumentos sobre o verdadeiro sentido da liberdade de lutar, mostrando a importância da unidade dos trabalhadores e os interesses que se escondem por traz de um discurso liberal”, esclareceu.
Segundo ele, a primeira etapa da campanha de divulgação nacional já foi atingida. “Após o primeiro momento, com a campanha nacional, chega a vez das seções estaduais e dos sindicatos repercutirem a campanha em suas regiões. Nesse sentido, a veiculação de materiais, realização de debates sobre o tema e, o mais importante, com o contato direto com os trabalhadores na porta de fábrica, nas lojas, nas agências para tirar as dúvidas de qual o melhor modelo de sindicalismo o país precisa são ações condicionais para ampliar o entendimento do que realmente está em discussão neste tempos”.
*Publicado originalmente na Revista Visão Classista.