Presença incômoda dos Estados Unidos na América do Sul
A presença militar dos Estados Unidos na América do Sul gera polêmica e suscita a rejeição da maioria dos membros da União das Nações Sul-americanas (Unasul), os quais veem nisso uma ameaça.
Publicado 22/06/2012 06:30
Com a Bolívia, Equador e Venezuela à frente, exigem um maior nível de informação e transparência e enfatizam a obtenção de dados precisos sobre a presença estadunidense no subcontinente.
A Casa Branca assegura que não procura aumentar a presença de tropas e que seu único interesse nessa área geográfica se limita a apoiar a guerra contra as drogas.
Mas governos que integram a Unasul não estão convencidos e vinculam a existência de enclaves militares norte-americanos na zona com a estratégia global de dominação do governo de Washington.
Coincidem em assinalar que o estabelecimento de forças navais estadunidenses parece mais um dispositivo para guerras convencionais que para combater o tráfico de substâncias proibidas.
Segundo analistas, a Casa Branca tenta recuperar o terreno perdido na América do Sul e exercer pressão constante sobre os regimes políticos progressistas que conseguiram chegar ao poder nos últimos anos.
Os especialistas advertem que Washington pretende assegurar seus objetivos geoestratégicos, o que se traduz num maior controle dos recursos naturais (petróleo e água) do maior reservatório do planeta.
"Não podemos permitir bases militares dos Estados Unidos em nossos territórios", sustentou o presidente de Bolívia, Evo Morales, em dezembro, durante a cúpula fundacional da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).
Morales alertou a respeito de que a Casa Branca tem a mira posta na América Latina e no Caribe, em seus recursos naturais e em desestabilizar os governos soberanos da região. A Celac deve trabalhar em conjunto "para construir novas doutrinas nas Forças Armadas" da cada país que adote como premissa a dignidade e a identidade com os povos, disse.
Recuperar o terreno perdido
A consolidação de processos integracionistas que não os incluem -Mercosul, Unasul, Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA) e Celac- incidiu na perda de influência política dos Estados Unidos na América Latina nos últimos anos.
Segundo especialistas, ao perder a iniciativa política e a econômica – frente a ascensão da China e da Rússia e a existência da União Europeia- o governo estadunidense tem uma crescente necessidade de controle de tipo territorial.
Como sinais da importância que a região, e especificamente a América do Sul, tem para Washington contam a assistência de Barack Obama à 6ª Cúpula das Américas na Colômbia e a visita da secretária de Estado Hillary Clinton ao Brasil, ambas em abril. No final desse mês o secretário de Defesa estadunidense, Leon Panetta, realizou uma questionada viagem pelo subcontinente que o levou a Colômbia, Brasil e Chile.
A coordenação de esforços para a cooperação no tema da segurança e na luta contra o crime transnacional foi proposta no percurso de Panetta pela área.
Colômbia e Chile são os dois aliados mais firmes de Washington na região em termos táticos, mas na opinião dos especialistas, a visita ao Brasil adquiriu maior significação política e estratégica.
Fortes críticas acompanharam o secretário de Defesa estadunidense e ex-diretor da CIA durante sua primeira visita a esses três países, sobretudo no Chile, aos quais considerou importantes sócios militares.
O ministro da Defesa venezuelano, Henry Rangel, assegurou que Panetta "veio à região para vender armas e ameaçar",
Segundo Rangel, a América do Sul está consolidada "em uma só pátria grande" e o que interessa ao subcontinente é o "fortalecimento real de nossas forças armadas como um escudo impenetrável contra essas ameaças".
Washington reforça posições
De acordo com fontes diversas, das mais de 800 bases militares que tem o governo estadunidense no mundo, uma boa parte se encontra na América Latina e no Caribe.
O Pentágono maneja na América do Sul comandos militares na Colômbia, Peru, Paraguai e Chile, ainda que se estime que tenha outros assentamentos em construção e, inclusive, alguns operando em forma clandestina.
Washington já não chama "bases militares" a muitas dessas instalações, senão que, numa mudança de estratégia, as camufla com supostas ações humanitárias sob os nomes de Localização Cooperativa de Segurança ou Localização Adiantada Operativa.
Com o pretexto da assistência para catástrofes ou eventuais emergências, o Comando Sul ingressa nos países sem necessidade da permissão que em outras circunstâncias deveria solicitar às autoridades nacionais.
A montagem de uma dessas instalações na província argentina do Chaco, com infraestrutura doada por Washington, desatou recentemente uma intensa polêmica tanto dentro como fora da nação austral.
Organizações não governamentais questionaram o referido centro, destinado a reunir dados climáticos e ambientais em Resistencia, a capital provincial.
Os críticos advertem que a instalação permite ao Comando Sul monitorar a área da Tríplice Fronteira (compartilhada por Argentina, Brasil e Paraguai) e avaliar as perspectivas de exploração das reservas de água doce do sistema aquífero Guarani.
No início de abril a abertura de um novo assentamento militar no Chile com assistência do Departamento de Defesa norte-americano reativou o alarme entre os governos da América do Sul.
Segundo a versão oficial, a base – com supostos fins humanitários – "se especializará no treinamento de soldados destinados à formação das Forças de Paz das Nações Unidas".
Analistas sustentam que a instalação, que gerou protestos de amplos setores populares e organizações sociais, gremiais e de direitos humanos, esconde a implementação dos planos estadunidenses para controlar o Cone Sul.
Também chamam a atenção sobre as "ações humanitárias conjuntas" previstas no Peru para junho de 2012 nas quais um número não preciso de elementos do Exército dos Estados Unidos permanecerá quase três meses no país.
Um profundo silêncio midiático cerca os fatos, enquanto os especialistas fazem questão de recordar que o Comando Sul, ligado ao Departamento de Defesa estadunidense, não é precisamente uma organização solidária sem fins lucrativos.
No verão de 2008, os Estados Unidos decidiram reativar a 4ª Frota depois de 58 anos e sem a consulta aos sócios regionais, o que gerou preocupação na maioria dos governos sul-americanos.
A 4ª Frota, estabelecida em 1943 para enfrentar os submarinos alemães que atacavam os comboios na América do Sul, perdeu razão de ser depois do fim da Segunda Guerra Mundial, pelo que foi dissolvida em 1950.
No entanto, a reativação desse comando a 1º de julho de 2008 destapou a controvérsia e países como Argentina, Brasil e Venezuela reagiram alarmados.
Como para jogar mais lenha na fogueira, em 2009 a Casa Branca assinou em segredo com o governo de Bogotá um acordo que garante aos Estados Unidos e a suas tropas maior acesso a bases militares situadas no território colombiano.
A Unasul manifestou então sua preocupação com o pacto, pois seus objetivos e poderes são ambíguos ao estabelecer que os dois países enfrentarão qualquer tipo de provocação, sempre que a perceberem como tal.
Venezuela e Equador denunciaram o acordo como uma potencial ameaça ao balanço estratégico da região, destacando o governo de Caracas que considerava ser um perigo para sua segurança nacional.
Prensa Latina