Oscar Guisoni: Os mineiros espanhóis estão em pé de guerra
A decisão do governo espanhol de reduzir em 200 milhões de euros os subsídios para a produção de carvão desataram o pior conflito sindical no setor no último meio século. A extração deste mineral é deficitária há anos e estava subsidiada pelo governo para evitar que fosse interrompida a produção da única fonte local de energia não renovável.
Oscar Guisoni, especial para Carta Maior
Publicado 16/06/2012 17:22
A profunda crise econômica e os virulentos cortes de impostos pelo governo conservador para tentar reduzir o déficit terminaram afetando um setor que, nas últimas semanas, mostrou toda a virulência do protesto social protagonizando marchas gigantescas e violentas enfrentamentos de rua com as forças de segurança.
A consiga “se nossos filhos passarem o fome, o de vocês verterá sangue” dá uma mostra da radicalização do conflito e do profundo clima de mal estar que reina na sociedade espanhola, esgotada após quatro anos de crise e constantes cortes que não fazem mais do que piorar a situação econômica.
O setor do carvão é relativamente pequeno na economia espanhola. De fato, só há sete comarcas mineiras situadas em sua maior parte no norte do país (Astúrias e Galícia, região onde estourou o protesto). Das 45 mil pessoas que trabalhavam no setor em 1990, restaram cerca de 4 mil.
Desde 1986, o setor recebeu ajudas da União Europeia em troca da redução e da diminuição do tamanho das empresas, já que o carvão espanhol é de baixa produção calórica e de qualidade inferior ao que se produz em outras partes do mundo. Segundo os planos originais, os subsídios seriam suspensos definitivamente em 2002, concluindo com o fechamento de todos os estabelecimentos, mas o fracasso de planos alternativos de emprego e o grande impacto econômico que a atividade gera em algumas regiões fez com que os subsídios fossem prorrogados até pelo menos 2018. O estouro da crise econômica em 2008 mudou os planos e no início deste ano o governo de Mariano Rajoy considerou que havia chegada a hora de acabar com os incentivos.
Mas as contas não são o forte dos economistas ortodoxos que assessoram o governo conservador empenhado em fazer cortes a todo custo. Segundo um estudo realizado pela Faculdade de Economia de Castilla y León, outra região carbonífera, para cada euro que o governo dá ao setor de mineração recebe três em impostos, coberturas sociais, compras de bens, serviços e rendas. Por isso, ao cortar os 200 milhões de euros de subsídios o Estado deixa de receber 600 milhões. Estas contas, que não são admitidas pela ortodoxia econômica, demonstram a espiral perversa das políticas neoliberais que estão levando ao abismo uma das economias mais importantes do continente.
O conflito mineiro começou há três semanas e inclui corte de estradas, ferrovias e mobilizações massivas. Mas nos últimos dias ele se radicalizou, desde que apareceram em cena jovens armados com lança-foguetes e rostos cobertos por capuzes que dispararam contra as forças de segurança, deixando um saldo de quatro policiais e três jornalistas feridos. Esta semana, o protesto se estendeu para a entrada das grandes centrais termoelétricas que utilizam carvão importado para produzir eletricidade e uma manifestação tentou ocupar a sede do Partido Popular em Oviedo, Astúrias, mas foi rechaçada pela polícia. Como parte do protesto, os manifestantes jogaram suas calças nas ruas para assinalar que o governo está deixando-os pelados.
O grau de tensão foi aumentando até forçar o sindicato majoritário, Comissões Operárias, a advertir as forças de segurança para “que não contribuíssem para aumentar” o conflito, ao mesmo tempo que condenou os atos “descontrolados” que podem produzir danos às pessoas. Dias atrás, o secretário geral do Partido Socialista, Alfredo Pérez Rubalcaba advertiu o governo do PP sobre o aumento do descontentamento nas ruas.
O ponto crítico do conflito mineiro se dá em um contexto de extrema gravidade econômica. A Espanha teve que ser resgatada na semana passada com cerca de 100 bilhões de euros destinados a tapar o buraco dos bancos e nesta sexta-feira viu que o resgate não foi suficiente para acalmar os mercados. A taxa de risco segue disparando enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) insiste com suas receitas recessivas, pedindo o aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e uma redução do salário dos funcionários públicos, medida que só pode aumentar os conflitos sociais e a crise econômica.
Enquanto isso, os analistas esperam com ansiedade o resultado das eleições gregas que poderão abrir pela primeira vez uma fenda no consenso neoliberal que resiste na maior parte dos ministérios de economia da zona do euro.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer