De bar em bar: Acontece cada coisa atrás da igreja!
Calma! Não pensem que é sacanagem eu falar que frequentei o Cu do Padre. Não é safadeza nenhuma, muita gente boa frequentou.
Por Mouzar Benedito
Publicado 15/06/2012 15:34
Oficialmente, o estabelecimento que se localiza atrás da igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, que fica no largo dos Pinheiros, em São Paulo, chama-se Bar das Batidas. Mas justamente por causa dessa localização ele ficou conhecido como Cu do Padre.
Acredito que seja o primeiro bar de batidas de São Paulo. Foi fundado em 1954. Recentemente ele foi vendido pelo herdeiro, filho do seu Narciso, que manteve o bar e a freguesia cativa por décadas, até morrer no início de 2009.
Suas batidas eram cheias de componentes secretos para ter um sabor especial, “diferenciado”, para usar a palavra modernosa. Com o novo dono, não sei se continua igual. Pelo que fiquei sabendo mudou pouco, mas os preços subiram.
Cheio de enormes provolones, mortadelas e linguiças penduradas no teto, com aparência de que estavam ali há décadas, sua marca era o aspecto de empoeirado, dando a impressão de que nunca um espanador andou por ali…
Mas alguns frequentadores tradicionais diziam que aquilo era puro charme. Onde interessava, quer dizer, na limpeza dos copos e dos alimentos utilizados, era um rigor total. Até o chão era limpíssimo. “Você pode lamber o chão”, disse-me um adepto incondicional do Cu do Padre. Exagerou, mas tudo bem.
Foi no Cu do Padre que tomei a primeira batida que não era simplesmente a de limão, que já existia em vários lugares, ou aquelas engarrafadas industriais, de coco, amendoim e não sei que mais, que nunca tive coragem de tomar.
Era 1964, eu tinha 16 anos de idade, pouco depois de chegar a São Paulo para morar numa pensão, e um irmão me levou lá, dizendo: “Hoje você vai conhecer uma coisa diferente”. E era diferente mesmo, na época.
Mas além das características já citadas, havia outra: o dono, que chamava todo mundo de “sócio”, era corintiano fanático e durante muito tempo esperava ansioso que o Corinthians ganhasse um campeonato paulista, na época não havia o nacional. A decoração do bar incluía distintivos do Timão e uma coleção de flâmulas penduradas no teto também.
Muitos jovens nem imaginam que houve época em que havia gente que colecionava flâmulas, aquelas bandeirinhas triangulares, com distintivos de times, de empresas ou de qualquer coisa, com alguns dizeres.
Desde 1954, por coincidência o ano da fundação do bar, o Corinthians não ganhava o título perseguido, e surgiram então promessas feitas pelo seu Narciso. Uma delas, segundo a lenda, é que ele tiraria o pó dos provolones e mortadelas pendurados só quando o Corinthians fosse campeão – “o que vai demorar muito”, gozavam os “sócios” até meados da década de 1970.
Aliás, um monte de gente não sabe por que a torcida do Corinthians é chamada de “Fiel”, e dos torcedores radicais surgiu a Gaviões da Fiel. É justamente por causa do longo jejum de títulos, sem que ela abandonasse o Timão que começou a ser chamada pela imprensa de “Fiel Torcida”.
Outra promessa é a de que as pessoas que cobiçavam as flâmulas penduradas no teto poderiam ir lá no dia seguinte ao que o Corinthians fosse campeão e pegar as que quisessem.
Pois bem. Em outubro de 1977, no dia da final do campeonato paulista, disputado por Corinthians e Ponte Preta, até uns palmeirenses colecionadores de flâmulas torceram pelo Corinthians, prevendo incluir algumas raridades nas suas coleções.
O Corinthians ganhou por 1 x 0. A festa durou a noite inteira, pois foram 23 anos para chegar lá de novo. Foi uma alucinação coletiva que dominou São Paulo e que durou até o amanhecer.
Pouco antes de abrir o Cu do Padre, epa!, o Bar das Batidas, um monte de gente esperava na porta. O bar abriu, todos entraram correndo para pegar as flâmulas que queriam, mas… Surpresa! Seu Narciso tinha levado todas para sua casa na véspera.
Não puderam pegar as flâmulas, mas comemoraram de forma inédita ali: um daqueles provolones enormes, que pareciam milenares, pendurados no teto, foi devidamente retirado, picado e servido gratuitamente como tira-gosto. Um cara que estava lá jurou que foi assim. Eu não garanto: nem fui lá, estava com uma baita ressaca depois da noite de bebedeira, pois fui corintiano também. Só deixei de ser depois que acabou a Democracia Corintiana, que nem era desse tempo. Mas isso é outra história.
(*) O jornalista e escritor Mouzar Benedito nasceu em Nova Resende (MG), sendo o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, entre Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010), publicados pela Boitempo.