Aldo Arantes: Veto parcial visou meio ambiente e desenvolvimento

A campanha desencadeada em torno da decisão que a presidenta Dilma deveria adotar em relação ao Código Florestal, evidenciou, mais uma vez, as duas posições mais radicalizadas no debate. De um lado o setor ruralista, defendendo a manutenção total do texto da Câmara. De outro os conservacionistas, defendendo o veto total.

Por Aldo Arantes*

A decisão da presidenta Dilma, vetando parcialmente o texto aprovado pela Câmara e editando a Medida Provisória, visou combinar meio ambiente, desenvolvimento e a garantia de condições de produção para os pequenos e médios produtores rurais. É evidente que se poderia avançar mais. No entanto, o resultado final de um processo complexo como este não decorre de um ato de vontade, pois tem que levar em conta a correlação de forças existentes no Congresso Nacional.

Leia também:
Código Florestal tem 200 emendas e retorna à agenda do Congresso
 

O debate em torno do Código Florestal, em muitos casos, tem sido feito na base de palavras de ordem. Muitos nem leram o texto a passam a opinar de forma contundente fazendo afirmações infundadas sobre a política do Partido Comunista do Brasil e as decisões adotadas pela presidenta.

Na construção da alternativa construída pelo governo federal, o PCdoB deu importante contribuição. Atuou através do deputado Aldo Rebelo, visando defender a produção agrícola do país, em particular a pequena e média produção, pois ela é relevante para o nosso desenvolvimento e a soberania alimentar. O relator procurou combinar este objetivo com a defesa do meio ambiente. Tanto assim que seu relatório foi aprovado por 410 votos contra 63, evidenciando uma grande maioria em torno do texto.

Posteriormente houve a votação da emenda 163 do PMDB. Ela representou retrocessos em relação ao relatório anteriormente aprovado. Estabeleceu a possibilidade de intervenção ou supressão de vegetação em Áreas de Preservação Permanente em caso de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto. Todavia a retirada dos critérios definidores destes casos abriu a possibilidade de desmatamentos nestas áreas. O problema foi agravado ao se fixar que tal autorização poderia ser feita por órgão estadual que, em vários estados, está sob a hegemonia dos grandes produtores rurais.

Já o relatório aprovado pelo Senado foi fruto de um acordo entre diversas forças políticas daquela casa legislativa e o governo. A bancada do PCdoB votou no texto aprovado. Todavia, ao retornar para a Câmara o texto foi completamente modificado, colocando abaixo o acordo.

No debate sobre o veto o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, manifestou-se pelo veto parcial. Destacou o retrocesso, sobretudo, em relação às APPs. E reafirmou a posição do Partido em defesa de um tratamento diferenciado em relação aos pequenos e médios produtores rurais. Afirmou que “o texto do Senado era referência para nós. Ele foi construído sobre o texto original da Câmara e conquistou o apoio da maioria”.

No mérito os principais vetos se relacionaram às Áreas de Preservação Permanente (APPs) sendo que o veto mais importante foi o aposto ao artigo 61. Este artigo assegurava a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e turismo rural em áreas consolidadas até 22 de julho de 2008. Com isto retirou a obrigatoriedade da recomposição das APPs em áreas consolidadas. Todavia fixou a recomposição da vegetação em 15 metros, apenas para o entorno dos rios de 10 metros. Assim a recomposição florestal das APPs dos demais rios ficaria sem regra, ou seja, não haveria a obrigatoriedade de recomposição das demais APPs. Fato grave para o meio ambiente! Além do mais, para a recomposição prevista o texto não fazia diferenciação entre as obrigações dos pequenos e grandes proprietários.

A Medida Provisória fixou que a continuidade das atividades produtivas somente seria permitida em áreas consolidadas de APPs até 22 de julho de 2008 e a responsabilidade de recomposição conforme o tamanho da propriedade. Tal obrigação vai de 5 metros para as propriedades de um módulo rural, 20 metros para propriedades de 4 a 10 módulos e até 100 metros para propriedades acima de 10 módulos. Com isto assegurou a recomposição das APPs, dando um tratamento diferenciado aos diversos tamanhos de propriedade.

O veto ao artigo 4º parágrafos 7º e 8º decorreu do fato de que tais dispositivos estabeleciam a fixação da largura da área de vegetação em áreas urbanas a serem recompostas, sem estabelecer critérios mínimos. O texto da Câmara, ao estabelecer que esta largura fosse fixada tomando por base apenas os Planos Diretores e Leis de Uso do Solo, ouvidos os Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, retirou a obrigatoriedade de ter critérios mínimos de proteção. Tais critérios são fundamentais para assegurar, entre outros objetivos, a estabilidade do solo urbano, impedindo a ocorrência de deslizamentos de terra. A gravidade deste problema fica clara ao levar em conta os deslizamentos de terra ocorridos em cidades serranas do Rio, que causou muitas mortes e sérios prejuízos. A MP adicionou à redação do artigo a norma de que os limites de recomposição seriam estabelecidos levando em conta os critérios mínimos estabelecidos por lei.

Outro veto se relacionou ao artigo 43 que estabelecia que as empresas concessionárias de serviços de abastecimento de água e geração de energia deveriam investir na recuperação e manutenção da vegetação nativa das APPs existentes nas bacias hidrográficas em que ocorresse a exploração. Tal norma impunha uma responsabilidade desproporcional, relacionada a toda bacia hidrográfica na qual era realizada a atividade. Com isto os produtores rurais jogavam o ônus da recuperação sobre tais empresas, retirando suas responsabilidades.

A MP estabeleceu que as empresas concessionárias de serviços de abastecimento de água e geração de energia ficam obrigadas a adquirir, desapropriar ou instituir a servidão administrativa das APPs no entorno assegurando a cobertura florestal em uma faixa mínima de 30 metros e máxima de 100 em áreas rurais e de 15 a 30 em áreas urbanas.

Outra importante questão vetada foi o Inciso 11 do artigo 3º que estabelecia o pousio (período de repouso da terra) sem fixar nem o prazo nem o tamanho da terra que ficaria em repouso. Ao não estabelecer tais condições permitia que o proprietário rural alegasse que uma terra improdutiva ou de baixa produtividade estava em pousio. Com isto seria impraticável uma fiscalização relacionada à legislação ambiental e o cumprimento da função social da propriedade, inviabilizando a realização da reforma agrária em terras improdutivas e de baixa produtividade. Para solucionar esta questão a MP definiu o prazo de pousio de cinco anos para até 25% da propriedade.

Outro veto foi o relacionado com o parágrafo 3º do artigo 4º cuja redação deixava os apicuns e salgados sem qualquer proteção. A MP garantiu as atividades de carcinicultura e salinas fixando determinados requisitos para esta exploração.

Visando dar consequência prática à legislação aprovada, a MP estabeleceu, também, que após cinco anos as instituições financeiras só concederão crédito agrícola aos proprietários que estiverem cadastrados no Cadastro Ambiental Rural-CAR e comprovarem estar regularizados, nos termos da lei.

Os vetos e os dispositivos na Medida Provisória representaram um significativo avanço em relação ao texto aprovado pela Câmara. É sintomático o fato de que tanto ruralistas como preservacionistas se manifestaram contra a decisão da presidenta Dilma. Ambos só veem um lado da questão. Os ruralistas não percebem que hoje a questão ambiental passou a ser uma questão fundamental em qualquer projeto de desenvolvimento. E os ambientalistas não dão o papel necessário à produção como fator decisivo para a criação de riquezas e melhoria das condições de vida do nosso povo. Além do mais a vida comprova que o ótimo é inimigo do bom. E o resultado a que se chegou, se não é o ideal, no entanto assegura, no fundamental, a defesa do meio ambiente e as condições para a atividade produtiva no campo.

A questão de fundo da polêmica em torno das APPs se relaciona à defesa que os produtores rurais fazem da continuidade da atividade produtiva nas áreas consolidadas nas APPs. Por isto mesmo que é na recomposição das Áreas Preservação Permanente (APPs) que se localizam as principais questões do debate sobre o Código Florestal.

Isto porque elas cumprem a função assegurar a quantidade e qualidade da água, reduzindo a evaporação e os riscos de contaminação. Garantem a estabilidade do solo, sobretudo em regiões de declive. A inexistência da cobertura florestal nestas regiões provoca grandes deslizamentos de terra, com funestas consequências, como ocorreu nas cidades serranas do Rio de Janeiro. Além do mais, asseguram a biodiversidade, fator de grande importância para a produção agrícola, entre outras razões porque reduz as pragas e assegura a polinização das plantas, com o aumento da produtividade agrícola.

A política mais adequada para as APPs, mesmo em áreas consolidadas, é a sua recomposição. Este é o caminho que assegura a efetiva defesa do meio ambiente. As exceções somente deverão ser garantidas em casos de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto. Todavia a recomposição das APPs deve levar em conta o tratamento diferenciado a ser dado a pequenos e médios proprietários. Não é justo impor as mesmas regras aos diferentes tamanhos de propriedades. E a recomposição das APPs em pequenas e médias propriedades deve ser feita progressivamente e com estímulos do poder público.

Neste debate fica evidenciado que o tratamento isolado de qualquer aspecto da realidade econômico-social e ambiental acarreta sérios prejuízos. O caminho está nos três eixos do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental. E mais do que isto. Existe, também, a dimensão cultural, a democracia e a soberania nacional. Este é o caminho que interessa ao país e ao povo brasileiro. O PCdoB formula o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, incluindo o meio ambiente como fator estruturante, nos seguintes termos: “luta pela soberania nacional, a democratização da sociedade, o progresso social, a sustentabilidade ambiental e a integração solidária da AL”.

A incorporação da dimensão ambiental aos projetos de desenvolvimento representa um avanço civilizacional. E é por isto que o meio ambiente sensibiliza tanto diferentes camadas da sociedade. Em O Capital, Marx afirmou: “Nem a sociedade, nem uma nação inteira ou nem mesmo todas as sociedades juntas são proprietárias do globo. São apenas posseiras que devem legá-las em melhores condições às gerações futuras”.

* Aldo Arantes é secretário nacional de Meio Ambiente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)