Paulo Kliass: Ainda mais benesses para o grande capital?
O desempenho da economia brasileira ao longo de 2011 revelou-se bem abaixo do esperado. Esse fato é inquestionável, apesar de que parcela do establishment havia garantido à Presidenta Dilma que ela não se preocupasse, que as coisas estavam andando bem, que tudo permanecia sob controle.
Por Paulo Kliass, na Carta Maior
Publicado 25/05/2012 08:56
Naquele momento, estávamos ainda quase na mesma linha do governo anterior, marcada pela ortodoxia na condução da política monetária. Não obstante a mudança de algumas peças chaves na equipe econômica, em relação ao time de Lula, o fato é que durante o primeiro ano de Dilma pouca diferença foi sentida. A taxa de juros esteve no espaço, a política fiscal foi marcada por um arrocho extremo, a taxa de câmbio mantinha sua trajetória de valorização em relação ao dólar e demais moedas externas. Os resultados não poderiam ser muito diferentes: crescimento do PIB atingiu apenas 2,7% durante ao longo do ano. Um verdadeiro Pibinho, bem abaixo dos 4% que haviam prometido.
A reação de Dilma depois de 2011 fraco
Ao que tudo indica, essa decepção e essa surpresa foram alguns dos fatores que contribuíram para que a chefe de governo resolvesse mudar de postura. Não mais esperar pelo que recomendassem alguns responsáveis pela política econômica e passar, ela mesma, a ter mais iniciativa nesse domínio. Porém, a mudança começou a tomar forma somente a partir de setembro do ano passado, quando a taxa SELIC iniciou sua trajetória descendente, saindo dos então 12,5% para os atuais 9% a.a. Em seguida, ao perceber que essa redução não havia surtido os efeitos desejados nas operações dos bancos com seus clientes, Dilma determinou aos dirigentes dos bancos públicos federais que reduzissem suas margens exageradas, definindo uma estratégia que obrigaria os bancos privados a também baixarem seus “spreads” escandalosos.
Na área da política tributária e de incentivos à melhora do desempenho econômico, o governo lançou há alguns meses atrás um verdadeiro pacote de bondades dirigidas ao setor empresarial. Face à necessidade de obter aumento de investimento e de consumo, foram promovidas reduções em tributos importantes, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Por outro lado, o governo acabou cedendo a uma reivindicação antiga do empresariado: a desoneração da folha de pagamentos para efeito de contribuição previdenciária. Todas essas medidas atendendo a demandas de setores considerados estratégicos, como a cadeia automobilística, os diversos segmentos da construção civil, as empresas da chamada linha branca (geladeira, máquina de lavar, fogão) ente outros.
Ora, em tese, o ambiente está mais do que apropriado para uma retomada dos investimentos e para a melhoria dos índices relativos ao aumento da produção e do consumo no curto prazo. Custos de investimento e de empréstimos em baixa expressiva, fator que estimula tanto as empresas quanto os consumidores. Pacote de bondades tributárias, que contribui para a redução dos custos das empresas. Início de um ajuste cambial que leva a taxa do real com relação ao dólar a níveis mais razoáveis, inibindo a importação barata e estimulando as nossas exportações. O único aspecto negativo seria um eventual impacto imediato sobre matéria-prima e componentes importados. Diante desse quadro tão propício, as expectativas deveriam ser bastante positivas.
Algumas incertezas e a paralisia dos investimentos
No entanto, bastou a divulgação dos resultados da tristemente famosa pesquisa do Banco Central (BC) – Focus, realizada apenas entre os analistas econômicos do setor financeiro – para que houvesse essa tentativa de disseminação de um foco de pessimismo. A área econômica do governo mantém sua previsão de crescimento do PIB em 4,5% para 2012, enquanto a pesquisa aponta um sentimento dos entrevistados para uma taxa de 3%. A existência desse tipo de descompasso é normal e sempre ocorreu. Na verdade, é amplamente sabido que os representantes do capital usam e abusam desse tipo expediente para criar um clima de desconforto e, assim, conseguir reforço em seus pedidos de facilidades junto ao governo.
Não se pode negar que há um clima de incerteza no plano internacional. Ou melhor, o quadro de insegurança continua como está há alguns anos. O detalhe é que as expectativas de superação das dificuldades na Europa e nos Estados Unidos não foram totalmente confirmadas. No continente europeu, o fator Grécia e o fator Hollande introduziram uma novidade no comando conservador anterior na União Européia (UE), patrocinado por Merkel e Sarkozy. De toda maneira, parece evidente que a solução caminhará para a substituição da agenda de “austeridade nua e crua” por alguma outra que contenha o elemento do crescimento da economia como seu ingrediente, temperado com alguma flexibilização na rigidez das regras férreas emanadas de Bruxelas. Do outro lado da porção norte do Oceano Atlântico, as atenções e as dúvidas voltam-se para os possíveis resultados das eleições presidenciais de novembro próximo. No entanto, pelo fato de Obama manter o discurso da recuperação econômica como uma de suas cartas preferidas, as perspectivas tendem a se manter positivas também por aí.
O elemento que veio criar mais desconforto refere-se às notícias vindas da China. E, nesse caso, trata-se de um equívoco que, felizmente, pode ser consertado a curto prazo. Há muito tempo que uma expressiva corrente dos analistas econômicos vimos alertando para os riscos de se montar toda a estratégia de nosso crescimento econômico em torno da demanda externa por nossos produtos primários de exportação. Os erros são vários. Em primeiro lugar, pois não nos permite dar um salto qualitativo, saindo do mero crescimento para um modelo efetivo de desenvolvimento nacional. Apenas reproduzimos e atualizamos o antigo modelo de trocas desiguais neocolonial, em que exportamos produtos de baixo valor agregado e importamos produtos industrializados de alto valor agregado. Em segundo lugar, por concentrarmos nossa pauta exportadora para um único grande cliente, com elevados riscos caso haja algum tipo de problema à frente. E agora estamos sentindo as conseqüências desse tipo de opção equivocada. Todos sabemos que a demanda mundial está em queda e que a China tem seu modelo voltado, em grande parte, para exportação de bens industrializados direcionados à Europa e aos Estados Unidos. Com isso, o gigante asiático entra em um processo de ajuste, reduzindo o volume da sua produção. Assim, entra em queda também sua demanda por nossas “commodities” e a Balança Comercial brasileira corre o risco de apresentar dificuldades.
Grande capital: limite para concessão de benesses
Ora, apesar desse fator gerador de algum grau de incerteza, não há razão para que os representantes do empresariado voltem a fazer o conhecido cerco aos gabinetes de Brasília. Com o intuito de obter ainda mais benesses para suas atividades. Como o governo teme que não sejam alcançados os índices anunciados para o crescimento do PIB em 2012, acaba por ficar mais suscetível ao ceder à chantagem patrocinada pelo capital. A estratégia é por demais conhecida. Um dos fatores que mais contribuem para o crescimento do PIB, e sua estabilidade no tempo, é o nível de investimentos na economia. É por isso que os governantes, vira e mexe, lançam discursos e pacotes voltados a estimular os empresários a investirem mais. Mas o Estado brasileiro ainda mantém uma capacidade de investimento expressiva, e pode contribuir para esse quesito. Basta que sejam flexibilizadas as regras exageradas da geração de superávit primário a todo e qualquer custo. Ou seja, ao invés de gastar recursos do orçamento com despesas associadas a serviços financeiros da dívida, o setor público estaria contribuindo para assegurar mais investimentos na economia real. Em resumo, mais emprego, mais renda e uma taxa de crescimento do PIB razoável no final do ano.
Assim, não há o menor sentido em apenas recuperar a agenda do “lobby” do empresariado capitaneado pela indústria automotiva, que pretende aumentar ainda mais o rol das benesses já concedidas. O capital já foi muito beneficiado para cumprir com sua missão de retomada dos investimentos produtivos em nosso País. Mas seus representantes acabam por se prender à tradição da relação contraditória com o setor público. Por um lado, críticas e mais críticas na linhagem liberalóide do discurso de “menos Estado”. Mas, de outro lado, sempre aparecem com o pires na mão a pedir mais e mais vantagens públicas para seus ganhos privados. E resistem até mesmo em aprovar legislação contra o trabalho escravo, item de pauta da agenda política do século retrasado. Ou seja, se dizem modernos, “ma non troppo”…
A recente queda de braço de Dilma com o setor financeiro demonstrou que, muitas vezes, é necessário um endurecimento para deixar claro que o governo também tem seus limites no trato com os representantes do capital. Eles já foram bastante beneficiados ao longo dos últimos meses e não precisam de mais prebendas. Tiveram reduzidos parte de seus impostos, podem receber empréstimos com taxas de juros subsidiadas do BNDES, foram contemplados pela redução generalizada dos juros bancários e até mesmo obtiveram diminuição nos custos trabalhistas. Agora, mãos à obra e que cumpram com a sua parte. Basta de tantas benesses para o grande capital.
* Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.