'Marcha das Vadias' em Brasília quer reunir cinco mil pessoas
A Marcha das Vadias, prevista para ser realizada em Brasília neste sábado (26) pretende engrossar as manifestações pelo direito das mulheres de se vestir, andar e agir de forma livre. De acordo com as organizadoras da marcha em Brasília, a previsão é que o evento reúna cerca de cinco mil pessoas. “Esperamos homens e mulheres, o movimento é feminista, não femista. A gente acredita em uma sociedade em que homens e mulheres tenham direitos igualitários”, afirma. O evento está marcado para as 13 horas saindo o Conic, área central da cidade.
Publicado 25/05/2012 11:41
A estudante Júlia Seixas, uma das criadoras da versão brasiliense da marcha, explica o uso irônico do termo vadia. “Somos chamadas de vadias todos os dias pelos motivos mais absurdos. Então, adotamos a palavra para dizer que podemos nos comportar como quisermos. A ideia é passar para a sociedade que a mulher tem a liberdade de ser e de se vestir como e com o que quiser sem que isso seja um convite à violência”, explicou.
O Coletivo Marcha das Vadias, como é chamado o grupo organizador, elaborou um manifesto sobre a ideologia do movimento. “Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamos antes do casamento, já fomos chamadas de vadias por dizer ‘não’ a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas e fomos estupradas… Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos mulheres”, diz o documento.
A manifestação nasceu em Toronto, no Canadá, quando estudantes universitárias canadenses resolveram protestar depois que um policial sugeriu, durante uma palestra, que as alunas deveriam evitar se vestir como “vagabundas” (“slut” em inglês) para não serem vítimas de abuso sexual ou estupro.
Conhecido como “Slutwalk”, o movimento ganhou força na internet, e a primeira edição da marcha, em Toronto, reuniu cerca de três mil mulheres vestidas de forma provocativa ou comportada, para chamar a atenção para a cultura de responsabilizar as vítimas de estupro pela agressão.
No Brasil, a primeira marcha ocorreu em São Paulo, no mesmo ano. Cerca de 300 manifestantes ocuparam a Avenida Paulista para exigir liberdade e igualdade de direitos.
Presença masculina
Este ano, para chamar a atenção dos brasilienses, o coletivo criou uma campanha que circulou nas redes sociais nos últimos meses, com o nome de Feminista por quê? Os rostos e corpos femininos (algumas das imagens trazem seios de fora, por exemplo) que se doaram para a campanha são das próprias organizadoras e suas amigas.
Cada uma delas pôde sugerir a frase que gostaria ver associada à sua imagem. Uma delas diz: “Se ser vadia é ser livre, somos todas vadias. Questionar isso também é feminismo”. Outras vêm com as mensagens: “Não ensine a mulher a não ser estuprada. Ensine o homem a não estuprar. Isso também é feminismo” e “Não uso termos ofensivos para me referir a outras mulheres. Isso também é feminismo”. A campanha criou polêmica na internet.
Homens também embarcaram na proposta do Coletivo Marcha das Vadias de Brasília e emprestaram sua imagem à causa. Em uma das propagandas, um rapaz aparece ao lado da afirmação: “Apoio o feminismo, mas não me acho o máximo por fazer o mínimo”. Outro vem com a frase: “Apoio o feminismo porque luto por um mundo em que homens e mulheres tenham os mesmos direitos”. Em um ano de existência, o Coletivo Marcha das Vadias de Brasília cresceu. Eram 80 organizadoras na lista, em 2011, atualmente são 140.
A ideia da campanha Feminista por quê? veio de uma outra ação publicitária feita no México. Esta, porém, era de uma empresa e trazia os 10 mandamentos das mulheres. As meninas não quiseram usar o mesmo modelo, porque acreditam que a religião — presente nos mandamentos — também pode oprimir as mulheres.
Leia na íntegra a Carta Manifesto da Marcha das Vadias de Brasília – Por que marchamos?
Em Brasília, marchamos porque apenas nos primeiros cinco meses desse ano, foram 283 casos registrados de mulheres estupradas, uma média de duas mulheres estupradas por dia, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos casos desconhecemos; marchamos porque muitas de nós dependemos do precário sistema de transporte público do Distrito Federal, que nos obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação para proteger as várias mulheres que são violentadas ao longo desses caminhos.
No Brasil, marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, e mesmo assim nossa sociedade acha graça quando um humorista faz piada sobre estupro, chegando ao cúmulo de dizer que homens que estupram mulheres feias não merecem cadeia, mas um abraço; marchamos porque nos colocam rebolativas e caladas como mero pano de fundo em programas de TV nas tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nós mesmas como mero objeto de prazer e consumo dos homens; marchamos porque vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo em “santas” e “putas”, e muitas mulheres que denunciam estupro são acusadas de terem procurado a violência pela forma como se comportam ou pela forma como estavam vestidas; marchamos porque a mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas filhas e filhos; marchamos porque durante séculos as mulheres negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porque hoje empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas as mulheres, de todas as idades e classes sociais, sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica, psicológica, física ou sexual.
No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que deveriam ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual; marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque sentimos que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente. Mas podemos.
Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamosantes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, por um ou vários homens ao mesmo tempo, já fomos chamadas de vadias quando torturadas e curradas durante a Ditadura Militar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.
Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, porque tiveram seus corpos invadidos, porque foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres.
Somos todas as mulheres do mundo! Mães, filhas, avós, putas, santas, vadias…todas merecemos respeito!
De Brasília
Márcia Xavier
Com informações do sítio www.feminismo.org.br