"Câmara não pode impor inelegibilidade automática"

A decisão da Câmara Municipal de Natal (CMN) de reprovar a prestação de contas de 2008 do ex-prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT) é considerada 'nula' pelo jurista Paulo de Tarso Fernandes. Ele destacou que a CMN, para julgar improcedentes as finanças do ex-prefeito, teria que dispor de opinião do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e, além do mais, só poderia julgar matérias que estão no próprio parecer do TCE, o que não foi o caso do saque da previdência, a venda da conta ao Banco do Brasil e dos atos administrativos. "A Constituição é exigente nesse ponto", enfatiza o advogado. Paulo de Tarso observa ainda que Carlos Eduardo Alves não está inelegível. Isso porque para esta tese se consolidar é necessário o pronunciamento oficial da Justiça Eleitoral no período em que forem registradas as candidaturas, em julho. O jurista assinalou ainda que, mesmo se não houvesse o que considera "vício grave de atribuição da Câmara" – ao se sobrepor ao TCE – ainda é preciso examinar se as razões para a reprovação implicam ato doloso de improbidade. Ele tem convicção de que o ex-prefeito obterá êxito na esfera Judicial porque considera os atos da Câmara meramente políticos e frágeis do ponto de vista legal. Veja na íntegra.

A decisão de uma Câmara Legislativa de reprovar as contas de um chefe de Executivo, como foi o caso de Carlos Eduardo Alves, leva automaticamente à inelegibilidade?

O órgão que declara inelegibilidade não é a Câmara Municipal, é a Justiça Eleitoral. E isso só se dá no processo de registro que vai ser aberto em julho. Além do mais, essa decisão não significa dizer que a é a Câmara quem tem esse poder e que a decisão dela será automaticamente acatada pela Justiça Eleitoral. Primeiro porque é necessário examinar se essa decisão foi tomada tendo os requisitos da Constituição e das leis. Segundo, ainda há um aspecto que a Justiça Eleitoral examina com profundidade, que é se os motivos que levaram à rejeição das contas implicam em improbidade administrativa dolosa, com prejuízo ao tesouro púbico e etc. Tudo isso transfere a decisão para a Justiça Eleitoral.

Quais os casos em que há previsão para indeferimento de registro de candidatura devido a rejeição na prestação de contas?

A própria Lei da Ficha Limpa diz que as contas geram inelegibilidade se for por ato doloso e de improbidade. Porque de repente essa rejeição (e eu falo hipoteticamente) pode ter se dado apenas por formalidade documental, uma falta administrativa, mas que não é o prejuízo ao erário e ao patrimônio público.

Na opinião do senhor, a Câmara de Natal agiu corretamente ao desaprovar as contas do ex-prefeito?

Não agiu. Ela só pode julgar contas a vista de um parecer prévio do TCE [Tribunal de Contas do Estado]. A decisão final é da Câmara, assim como no caso da presidente é do Congresso e do governador é da Assembleia Legislativa. Ocorre que há uma limitação que a Constituição impõe, que é justamente a de que a Câmara só pode se manifestar sobre contas a luz de um parecer prévio do TCE. No caso aí concreto, julgado ontem (quarta-feira), não é o fato do parecer [do Tribunal de Contas] ser favorável. Esse fato não vincula a Câmara que pode inclusive ser contra. O problema é que ela não pode julgar matérias que não estão no parecer do TCE. A Constituição é exigente nesse ponto. O juízo da Câmara, embora político, só pode ser exercido se as matérias discutidas tiverem tido uma apreciação técnica do TCE. No caso que foi julgado ontem o Tribunal emitiu parecer das contas anuais, que tratam de um balaço geral, execução global, não trata de atos específicos. A Câmara trouxe três fatos que não estavam no parecer e nem podiam estar porque o parecer foi sobre contas anuais e parecer específico da gestão.

Essa decisão dos vereadores é nula?

Isto. O TCE não opinou sobre as três questões, então a Câmara não podia apreciá-las. Esse ponto é o fundamental hoje para levar o ex-prefeito à Justiça Comum e anular essa decisão. A obrigação do Legislativo, se queria discutir esses aspectos, era primeiro pedir parecer ao Tribunal de Contas. O parecer se fosse favorável a Câmara podia, aí sim, rejeitá-lo por dois terços. Eu repito: os vereadores tinham que ter antes a opinião do TCE.

E sobre as questões levantadas pelo Legislativo como ilegalidades cometidas pelo ex-prefeito?

A Câmara errou duas vezes: primeiro, usurpou a competência do Tribunal de Contas, julgando ato específico de gestão, o que a Constituição reserva exclusivamente ao Tribunal, lembrando que esses atos de gestão específicos podem gerar inelegibilidade de acordo com a recente Lei da Ficha Limpa. Neste ponto de constitucionalidade duvidosa, mas sempre por decisão do Tribunal de Contas. Segundo erro da Câmara: se pretendia julgar também esses atos específicos de gestão, no caso o saque na Previdência, a venda da conta ao Banco do Brasil, e as incorporações de vantagens aos servidores, jamais poderia fazê-lo sem parecer prévio do Tribunal de Contas. O Tribunal, repito, no parecer que encaminhou à Câmara, não tratou dessas três questões, logo a Câmara não poderia tratar pela simples razão de a mesma Câmara só poder julgar contas de Prefeito nos pontos em que, antes de sua decisão política, haja parecer técnico do Tribunal de Contas. Esta é a regra do art. 31 da Constituição.

Esse é um ponto pacífico no âmbito dos Tribunais?

Os Tribunais já enfrentaram essa questão, e sempre se decidiu assim. O prefeito se submete a duplo julgamento: um político, quanto às contas anuais globais, a cargo da Câmara, com parecer prévio do Tribunal de Contas; outro técnico, quanto às despesas específicas que ordenam, a cargo exclusivo do Tribunal de Contas. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Mandado de Segurança nº 11.060, de 2002, explicitando o mesmo Tribunal Superior, em julgamento posterior que a Constituição da República prescreve a análise das contas dos prefeitos pela Câmara Municipal somente após a prévia emissão de parecer pelo Tribunal de Contas [Habeas Corpus nº 49.849, de 2007]. Em suma, o ato da Câmara, que julga contas de gestão específica do prefeito, e, ainda por cima, sem prévio parecer do Tribunal de Contas sobre cada uma desses atos específicos, viola a Constituição, e certamente vai ser declarado nulo pela Justiça.

Essas brechas geradas com o advento da Lei da Ficha Limpa podem ser mais um elemento para judicializar a eleição?

Sim. A questão é essa.

Essas pendências podem gerar uma batalha judicial duradoura..

Em tese quem tem alguma causa de inelegibilidade que precise discutir pode chegar até o dia da eleição. No caso começa no juiz eleitoral, mas digamos que a outra parte recorra ao Tribunal isso pode demorar mais. Mas se ao contrário o candidato conseguir na Justiça comum anular, o que neste caso eu acredito que é ponto pacífico, aí nem essa discussão na eleitoral vai existir.

Carlos Eduardo está inelegível?

Não está porque só quem pode dizer isso é a Justiça. Ele tem um julgamento contrário da Câmara que deve ser questionada na Justiça Comum. É preciso deixar claro que, mesmo se não houvesse esse vício grave de atribuição da Câmara – que se sobrepôs ao TCE – ainda é preciso examinar se as razões implicam ato doloso de improbidade e aí só a Justiça Eleitoral.

Câmara de Natal deve publicar resultado no Diário Oficial

Após ser registrada em ata, a decisão de ontem da CMN se transforma em decreto legislativo e deve ser publicada no Diário Oficial do Município nos próximos dias. A desaprovação da prestação de contas do ex-prefeito Carlos Eduardo Alves será ainda encaminhada para a Justiça Eleitoral, que levará em conta o teor da matéria quando da análise do pedido de registro do ex-prefeito.

Os vereadores da Câmara Municipal rejeitaram as contas do pedetista por 15 votos a 6, um a mais do que os dois terços necessários para desaprovação. O resultado manteve o entendimento da Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização (CFOF), que apontou como irregularidades cometidas pelo ex-prefeito um saque no fundo previdenciário, no valor de R$ 22 milhões; a venda da conta única da Prefeitura ao Banco do Brasil por R$ 40 milhões; e atos administrativos do ex-prefeito para concessão de gratificações, incorporações e enquadramentos nos vencimentos dos servidores.

Após o desfecho da votação, Carlos Eduardo se pronunciou dizendo que continuará firme no projeto de ser candidato à Prefeitura da capital. Ele argumenta que a decisão da Câmara não tem alicerce jurídico. "O que muda é que serei um concorrente sub-judice", disse ele.

Fonte: Tribuna do Norte