Memória: Universitário registrou revolta cearense contra Hitler

As repercussões sobre o bombardeio de navios brasileiros, há 70 anos, na costa do Nordeste por submarinos alemães e italianos reverberaram nas “províncias” litorâneas. Fortaleza, apesar da dificuldade de receber notícias de fora, estava uma pilha com a boataria na praça do Ferreira. Experimentava apagões contra a possível ameaça de ataques aéreos e sofria também com o encarecimento e falta de produtos vindos de fora.

Tanto disse me disse, manchetes sensacionais da Reuters e cortinas de fumaça sobre o interesse norte-americano da entrada do Brasil (de Getúlio) na II Guerra reinventaram o “medo” entre os fortalezenses. Um assombro registrado pelas lentes do hoje advogado aposentado Thomaz Pompeu Gomes de Matos, 93. Um personagem que passou para a história como um dos principais fotojornalistas involuntários do Brasil. São deles as imagens exclusivas do quebra-quebra de 1942.

E foi assim… O então universitário Thomaz Pompeu, com uma Kodak na mão, captou o estado de nervos do cearense por causa da temida invasão de Hitler e seus aliados na costa nordestina. A sensação de acuamento cresceu a partir de 22 de maio de 1942, quando um submarino italiano torpedeou, segundo o governo brasileiro, o navio Comandante Lyra em Fernando de Noronha (PE). Quatro dias depois, um avião B-25J voou do Ceará para disparar contra o submersível Barbarigo.

Mas, em terra firme, nas ruas do pequeno Centro de Fortaleza, explodiu uma guerra (desigual) entre nativos e forasteiros. No dia 18/8 de 1942, três meses após o primeiro bombardeio em águas nordestinas, rebentou uma ira contra alemães, espanhóis, japoneses e italianos estabelecidos no Ceará. Quem tinha comércio no caminho por onde a turba passou, não guarda retratos em álbuns.

Thomaz Pompeu descreveu a cena também em legendas. No dia 18, celebrou-se uma missa pela alma de 629 brasileiros mortos nos navios que foram a pique. Da igreja do Patrocínio, uma multidão se deslocou à Faculdade de Direito e depois à Coluna da Hora, na praça do Ferreira.

Thomaz Pompeu recorda que em meio a discursos contra a “covardia alemã” e pedidos de “morte a Hitler e seus asseclas”, eis que alguém grita que estavam “quebrando a padaria do espanhol (dos Rattacazo)”. Daí, descreve, “o povo corre em direção à Pedro Borges com General Bizerril. Foi o início do quebra-quebra”.

O testemunho fotográfico de Thomaz Pompeu deu conta de incêndio e saques contra quem tivesse nacionalidade do Eixo e simpatizantes. “Percorri todo o movimento do povo, quando foram quebradas e incendiadas várias casas comerciais: A Pernambucana (de alemães), Casa Veneza (italianos), Consulado alemão, padaria do espanhol, Camisaria Álvaro, Jardim Japonês da família Fujita. Dizem que o velho Fujita se escondeu dentro da cacimba de seu jardim, que ficava na Bezerra de Menezes”, relembra seu Thomaz.

Tensão política contra o interventor

No relato de Thomaz Pompeu Gomes de Matos, no livro O menino do Solar Rouge, os estrangeiros e os integralistas cearenses não tiveram como se defender do ataque da multidão no dia 18 de agosto de 1942.

Quem conseguiu escapar foi por ajuda de alguém que ficou com dó de quem era alvo naquele insano. Caso do menino Ângelo Rattacazo, filho de espanhóis que sobreviviam dos rendimentos de uma padaria no Centro de Fortaleza.

Já adulto e trabalhando como juiz da Auditoria Militar Federal, Ângelo Rattacazo contou que foi ajudado pelo jornalista Eutímio Moreira. No momento em que os manifestantes se aproximavam do comércio da família, o vizinho o retirou do local e o escondeu com os pais nos fundos da casa. A mesma sorte não teve Jusaku Fujita, que teve de se esconder em uma cacimba para não morrer. História confirmada pelo hoje empresário João Batista Fujita, filho de Jusaku.

Fortaleza, segundo Thomaz Pompeu, no dia do quebra-quebra, estava descoberta pela polícia, pois o interventor Menezes Pimentel estava num churrasco em Maranguape com secretários. Como era Estado Novo, nenhum jornal ousou detalhar o acontecido.

“No dia 18, até uma marcha foi organizada sobre o Palácio da Luz. Foi iniciada por contrários ao Estado Novo, aproveitando-se da oportunidade para, possivelmente, forçar a renúncia do interventor federal”, relembra.

O testemunho de Thomaz Pompeu está registrado nas publicações O quebra-quebra de 1942 em Fortaleza – álbum fac-similar de Thomaz Pompeu Gomes de Matos e Memórias de um dia. Trabalho organizado pelo Núcleo de Pesquisa Cultura e Memória do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Medo de entrar no conflito era constante

Após a chegada do navio brasileiro bombardeado pelos alemães, o clima no Ceará já não estava tão tranquilo. O medo de entrar na II Guerra Mundial deixava as cozinhas das casas para chegar às calçadas. E as notícias que chegavam pela imprensa alimentavam o receio.

No dia 29 de maio de 1942, O POVO estampou uma notícia que aqueceu ainda mais os comentários nas rodas sociais. “Emissoras e espiões do Eixo detidos no Estado do Rio”, manchetava O POVO. A matéria dava conta de uma diligência da polícia que culminou com a localização “de poderosíssimas estações radiotransmissoras clandestinas a serviço do Eixo, no bairro da Penha, e a detenção de dois perigosos espiões nazistas, além de esclarecer devidamente a identidade do experimentado sabotador e espião Ernest Rubert Mathews”.

Enquanto viam os americanos construírem uma base em Fortaleza, os fortalezenses liam manchetes como “Reforçadas as defesas em Berlim”, “Ataque sério de Rommel” e “Em verdadeiro pânico os alemães da Noruega”.

A angústia da população se refletia nos jornais. Em uma nota do O POVO, fala-se em “dever de patriotismo aumentar nossos efetivos no ar”. O que a população queria era evitar que a guerra chegasse ao continente. (Márcio Teles).

Quem

O personagem desta história, Thomaz Pompeu Gomes de Matos tem 93 anos e é filho do advogado Raimundo Gomes de Matos e Lea Pompeu. O pai de Thomaz dá nome à principal avenida situada no bairro Montese, em Fortaleza

Fonte: Jornal O Povo